Antonio Candido, o crítico desvendador de máscaras teatrais, chega aos 90

27/07/2008 - 14h22

Flávia Albuquerque e Bruno Bocchini
Repórteres da Agência Brasil
São Paulo - Antonio Candido de Mello e Souza completou 90 anos neste mês de julho. Um dos principais críticos de literatura e cultura brasileira do século 20, foi divisor de águas no estudo das letras. Escreveu, entre outras obras, Formação da Literatura Brasileira (1959) e Literatura e Sociedade (1965). Formado na primeira turma do curso de Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), defendeu, em seu doutorado, a tese Parceiros do Rio Bonito (1954), que se tornaria texto de referência em matéria de sociologia.Na revista Clima, criada em 1941 por amigos e colegas, Antonio Candido estreou na crítica e no jornalismo. Seu primeiro texto sobre literatura foi publicado no mês de março do mesmo ano, na primeira edição da revista. Foi escolhido pelos amigos Alfredo Mesquita e Lourival Gomes Machado, idealizadores da publicação, para fazer a seção de livros. De certo modo, os colegas o definiram ali como crítico literário.Em 1998, recebeu em Lisboa o prêmio Luís de Camões - que dez anos depois ficou com João Ubaldo Ribeiro. Também foi agraciado, naquele ano, com os títulos de professor emérito da USP e da Universidade do Estado de São Paulo (Unesp), e de doutor honoris causa da Universidade de Campinas (Unicamp).Na semana em que completou 90 anos, a TV Brasil exibiu um documentário sobre a vida de Antonio Candido, realizado em São Paulo, com o encontro quatro professores e intelectuais que de alguma forma conviveram com ele: a professora de literatura Walnice Nogueira Galvão, o jurista Fábio Konder Comparato, o historiador Carlos Guilherme Mota e o sociólogo Francisco de Oliveira. No teatro da USP, na rua Maria Antonia (zona oeste da capital paulista), mesmo prédio onde Candido ministrava suas aulas, eles debateram a obra e a vida do mestre.Segundo Walnice Nogueira Galvão, a primeira turma de amigos de Candido, que duraria a vida toda, foi formada durante a existência da revista Clima. Foi graças à publicação que Candido, assim como os outros participantes, descobriu a aptidão profissional. Também ali conheceu aquela que seria a companheira da vida inteira, Gilda de Moraes Rocha. “Nenhum deles até aquele momento sabia o que ia fazer da vida. A partir da revista, eles se profissionalizaram e foi assim que Antonio Candido se tornou crítico literário. Ele estudava ciência sociais, nem estudava letras”.Walnice destacou ainda dois amigos que surgiram fora do ambiente da revista e sobre os quais ele escreveu inúmeras vezes, além de participar intensamente de suas vidas: Sérgio Buarque de Hollanda e Florestan Fernandes. Com o primeiro, 22 anos mais velho, a forte amizade transcendeu para a participação política, quando ambos passaram a integrar o grupo da esquerda democrática, ao final do período de ditadura do então presidente Getúlio Vargas (1937-1945). “Dois anos depois, a esquerda democrática se transformou no Partido Socialista, que culminou na formação do Partido dos Trabalhadores, de que ambos participaram como fundadores”.Já com Florestan Fernandes, a amizade surgiu quando os dois trabalhavam como assistentes do sociólogo Fernando de Azevedo. Candido era o primeiro assistente, fato que rendeu muitas brincadeiras entre os dois amigos. “Quando chegavam à porta, o Antonio Candido dizia para o Florestan Fernades: 'Passe na frente'. E Florestan respondia: 'Passe você que é mais importante, porque é o primeiro assistente. Eu sou só o segundo'. E ficavam sempre nessa brincadeira, se empurrando para passar pela porta”, conta Walnice.Para Fábio Konder Comparato, a sensação ao conhecer Candido foi de fascinação logo no primeiro momento, devido ao que ele classificou como qualidades raríssimas, a ponto de ainda hoje pensar e não conseguir achar uma palavra que o defina. “Imediatamente pensei em lhaneza, que significa afabilidade, candura, singeleza, e Antonio Candido tem algo de superior a isso. Tem capacidade de análise racional, mas aquela razão estética e ética que está sempre envolta em sentimentos”.Para Comparato, foi isso que fez de Candido o maior crítico literário de sua época até os tempos atuais. “Porque ele pode ver em cada um de nós, em primeiro lugar o personagem, ou seja a máscara teatral que todos nós usamos para viver, para nos apresentarmos diante dos outros. Ele é capaz de ver no fundo de cada um de nós a mesma idêntica dignidade da pessoa humana”.Francisco de Oliveira lembrou que o papel da universidade na política é central, porque o papel dos intelectuais na política sempre foi muito grande, e ressaltou a participação de Candido e seu grupo na formação das idéias e obras que serviriam de referência até hoje, pela dimensão atual de seus pensamentos, podendo ser classificada como ponto de partida para qualquer reflexão. “A geração dele firmou e participou de todos os meios. Nós conhecemos, pensamos e interpretamos o Brasil através dessas obras. Esses são os instrumentos de observação para o cientista social. Essa geração forneceu os instrumentos ótimos sensoriais através dos quais nós aprendemos o que é o Brasil”.Carlos Guilherme Mota destacou que o grupo ao qual Candido pertenceu representa uma redescoberta do país. “O conjunto desses trabalhos os coloca como as novas lentes do Brasil”. Ele lembrou que sempre lia definições, encontrava a palavra lúcido para defender a personalidade do crítico e se perguntava se ser chamado de lúcido não seria cansativo. Ele conta que em uma ocasião, durante uma viagem a São Carlos (SP), notou que Candido se mantinha tranqüilo mesmo depois de um dia de calor, intensas atividades e debates. Ao perguntar como ele conseguia aquilo depois de tudo, a resposta o surpreendeu. “Ele disse: 'Esse foi o método que encontrei para me organizar, para controlar a minha loucura'. Achei fantástico, porque acabou com toda a pose que nós atribuímos ao Antonio Candido”.