Saúde indígena 1 - Índios acusam Funasa de omissão no atendimento às comunidades

09/06/2008 - 7h15

Marco Antônio Soalheiro
Repórter da Agência Brasil
Brasília - Aopermitir a execução de serviços de atendimento àsaúde indígena por organizaçõesnão-governamentais, a Fundação Nacional de Saúde(Funasa) transfere indevidamente a responsabilidade que lhe cabe. Essaé a avaliação da Coordenação dasOrganizações Indígenas da AmazôniaBrasileira (Coiab) sobre a crise que levou ao acirramento de ânimosentre comunidades e o órgão de governo, com ocupaçõesrecentes de prédios públicos em protesto pela melhoriados serviços prestados. “Oproblema maior está no órgão que deveriaexecutar políticas de saúde indígena, mas nãose estruturou e não assumiu o papel de gestor. Ela [Funasa] seomite para ONGs, universidades e prefeituras, numa totalincompetência e irresponsabilidade”, afirmou em entrevista à Agência Brasil o índio Jecinaldo Saterê Mawé,coordenador-geral da Coiab. Ele defende que ONGs atuem apenas ematividades de apoio, como compra de combustível, insumos ealimentação para equipes e pacientes. “As ONGs quecometem irregularidades devem ser banidas, mas não sãojustificativa para o caos da saúde indígena. A culpa éda própria Funasa que não se estruturou de formaadequada”, acrescentou Jecinaldo. AFunasa reconhece a necessidade de adequações nosistema, apesar de desqualificar parte das críticas da Coiab.Promete ter equipe próprias completas até 2012 e encerrou nos últimos anos convênios com 44 entidadespara assistência médica a índios, por suspeitade irregularidades. “Tem organizações que nãotiveram contas aprovadas e foram substituídas, mas temosparcerias boas com várias organizações, que têmajudado a melhorar a assistência e fazer cair a mortalidadeinfantil”, disse o diretor de Saúde Indígena daFunasa, Vanderlei Guenka .Oatual modelo de atendimento à saúde indígena noBrasil se baseia nos Distritos Sanitários Especiais Indígenas(Dsei). Cada uma das 34 unidades espalhadas pelo país tem aresponsabilidade sanitária por uma base territorial epopulacional específica. Mas a contratação dasequipes médicas que lá atuam fica sob aresponsabilidade de ONGs, mediante convênios. A ausênciade vínculo dos profissionais com o Estado provoca distorções,segundo o representante da Coiab. “AFunasa não consegue dar estabilidade para as equipesmultidisciplinares nas terras indígenas. Há uma mudançarepentina nas equipes e os recursos são muito pulverizados.Uma parte pela Funasa, outra parte pelas prefeituras e aindaorganizações não-governamentais que nãoconseguem trabalhar de forma articulada”, diz Jecinaldo, para quemo modelo dos distritos é “muito bom no papel”, mas ruim naprática. “Quando tem médico, não tem insumos;quando tem insumos, não tem médico. Há umacompleta falta de sintonia entre as várias responsabilidades”,acrescenta. Orelato do dirigente é que ao procurarem atendimento, muitosíndios ainda se deparam com profissionais despreparados paralidar com situações típicas das comunidades: “Omédico ou a equipe muitas vezes não sabe nada de saúdeindígena. Tem conhecimentos técnicos comoprofissional, mas é insuficiente para atender o objetivo deuma população de cultura diferenciada. Tem que terantes de ir para o território uma preparação euma capacitação para o trato com as comunidades, fazerum concurso público diferenciado para as vagas.” Umadas alternativas apontadas pelo Conselho IndigenistaMissionário (Cimi) é concentrar recursos na formaçãode agentes indígenas de saúde dentro das própriascomunidades. O coordenador da Coiab concorda com a observação,mas considera providência fundamental para a melhoria dosserviços garantir autonomia administrativa e financeira aosdistritos: “Os recursos estão centralizados em Brasília.Muitas vezes a burocracia tem sido responsável pela morte deindígenas. Por isso seria importante a descentralizaçãopara o distrito, transformando-o em unidade gestora, comparticipação mais forte do controle social exercido poragentes da própria comunidade.”SegundoJecinaldo Saterê Mawé, o governo “aparelhou” aFunasa com indicações políticas e nãodemonstra disposição em acolher propostas dascomunidades para a melhoria dos serviços.“Aatual direção da Funasa é arrogante,preconceituosa, não respeita o direito do controle social, nãoabre debate com os povos indígenas. A saúde indígenahoje está retaliada nas mãos de partidos políticos,de pessoas que têm compromisso apenas com quem as indicam”,afirmou.