Crise entre Equador e Colômbia não fez Brasil reforçar controle nas fronteiras, diz general

11/03/2008 - 19h36

Sabrina Craide
Repórter da Agência Brasil
Brasília - O general AugustoHeleno Ribeiro está à frente do Comando Militar daAmazônia desde setembro do ano passado. Ele tem sob suaresponsabilidade a segurança de 11,5 mil quilômetros de fronteiras, no meio daselva.Nessa entrevista exclusiva à Agência Brasil,o general conta quais são as principais dificuldades dotrabalho militar na Amazônia e avalia a situaçãode conflito entre os países da América Latina. Elegarante que não houve nenhum tipo de mobilizaçãodas Forças Armadas Brasileiras devido ao recentedesentendimento entre a Colômbia e o Equador, e diz que oBrasil tem que se preocupar em ter Forças Armadas “àaltura de sua estatura estratégica” e em reaparelhar as equipes com armamentos individuais e meios de transporte mais ágeis.Agência Brasil: Qualé a extensão da fronteira que está sob suaresponsabilidade?

Augusto Heleno Ribeiro: Anossa fronteira na Amazônia é de 11,5 mil quilômetros. É uma fronteira de características muito especiais,porque a grande parte é área de selva, de mata fechada,algumas balizadas por cursos d'água, outras sem nenhumbalizamento, a não ser marcos de fronteiras que sãoinstalados mas não são vistos. Nessa área de 11,5 mil quilômetros temos umdispositivo que consideramos razoável para a vigilânciadessa fronteira. É uma fronteira de pontos nítidos depenetração, principalmente os rios que vêm dosoutros países, entram na Amazônia brasileira, e temos namaioria das calhas desses rios mais importantes os nossos PelotõesEspeciais de Fronteira, que têm de 40 a 60 militares e que sãotenentes e sargentos especialistas em operações naselva e cabos e soldados da área, que conhecem profundamente aselva amazônica, e que têm a selva como aliada. Eu tenhodito que o nosso grande poder de dissuasão é aqualidade do nosso combatente de selva, que é inegavelmente omelhor combatente de selva do mundo. É baseado nisso que nósconfiamos no nosso poder de dissuasão.ABr: Quantoshomens existem para defender a região?

Ribeiro: Nóstemos hoje na Amazônia 25 mil militares, mas não estãotodos na fronteira. Na fronteira, nós temos 28 organizaçõesmilitares: 26 Pelotões Especiais de Fronteira, duas CompanhiasEspeciais de Fronteira, que têm de 150 a 180 militares, e trêsdestacamentos, com um efetivo um pouco menor, e que mais tarde serãotransformados em Pelotões Especiais de Fronteira. Mas éum dispositivo que consegue fazer uma vigilância efetiva dafronteira, e temos mais a retaguarda, os batalhões especiaisde fronteira e as brigadas de infantaria de selva, que sãoresponsáveis por esses pelotões de fronteiras que estãolá na frente e que têm condições, em casode necessidade, de reforçar e apoiar esses elementos deprimeiro escalão que ficam exatamente junto àfronteira.ABr: Ascondições de trabalho são satisfatórias?Ribeiro: As condiçõesde trabalho na Amazônia são sempre muito difíceis.É uma área especial, onde o calor, a umidade e aprópria selva, para quem não está habituado sãoadversários poderosos, então tem que considerar que ascondições climáticas exigem muito do homemdaqui. A gente quando chega aqui precisa de um período deadaptação para o organismo poder se habituar àquelaperda de líquido que é natural numa umidade muito alta,um calor intenso. Esses nossos militares já têm essaadaptação, são homens, a maioria gente da área,que não têm nenhum problema dentro da selva. Mas osPelotões Especiais de Fronteira são clareiras na selva,onde as condições de vida são bastanteprecárias. Ainda hoje, no início do século 21,eles não têm luz 24 horas por dia, precisam ter um apoiomais efetivo do ponto de vista de recursos de comando e controle,capacidade de se ligar aos seus comandantes de brigada e mesmo aManaus ou a Belém com mais facilidade.ABr: Épreciso um reaparelhamento?

Ribeiro: Éinteressante que a gente se preocupe em reaparelhar essa unidades comequipamentos individuais. Nosso fuzil, que é o armamentoindividual do combatente, tem 43 anos de uso, as nossas lanchasvoadeiras podem ser melhores, mais rápidas, mais potentes, nósprecisamos ter mais meios aéreos aqui na Amazônia,principalmente helicópteros, que me permitem um deslocamentorápido e quase sempre com qualquer condiçãometeorológica. E não é só para efeito deguerra. Eles são extremamente importantes como auxílioà população, porque toda vez que tem umasituação de calamidade na Amazônia nóssomos requisitados imediatamente, seja seca, enchente, gente queprecisa ser evacuada para um atendimento médico melhor, entãoeu preciso de meios que me permitam deslocar rapidamente na áreaamazônica. Os rios são as grandes estradas da Amazônia,mas o transporte fluvial é lento. O transporte que funcionamelhor é o aéreo. Então, os meios de transporteaéreos aqui na Amazônia são fundamentais, nãosó para operações militares mas tambémpara o que chamamos de 'mão amiga', para que o Exércitopossa atuar em todos os momentos de crise ou de calamidade.ABr: Existeperspectiva de melhorar essas condições?

Ribeiro: Quem trata desseaparelhamento do Exército é o Estado Maior do Exército,junto com o Ministério da Defesa, e nós temos a promessade que isso deve acontecer. O próprio Presidente da República,em almoço com oficiais generais, colocou claramente que eleacha que um país com a importância estratégica doBrasil não pode deixar de ter Forças Armadas muito bemequipadas, muito bem preparadas e muito bem pagas. Então, nósesperamos que essas promessas sejam cumpridas.ABr: Comoo senhor avalia a recente crise entre a Colômbia e o Equador?Ribeiro: Houveum ataque numa base guerrilheira das Farc [Forças ArmadasRevolucionárias da Colômbia] que estava no interiordo território do Equador. Não nos afetou em nada, foibastante longe da nossa fronteira. Exatamente por isso, quando fuiperguntado, eu disse: 'não vou movimentar tropas, nãovou reforçar as minhas unidades junto à fronteira'.Primeiro, porque não havia necessidade, eu não tinhanenhuma informação de que isso pudesse se irradiar paradentro do território nacional. E também para contribuircom a postura do governo, que desde o início foi uma posturahistórica do Brasil de, numa situação dessas,buscar atuar como um poder moderador, buscando a conciliação.E os nossos diplomatas, que são extremamente experientes ecompetentes nesse tipo de ação trabalharam muito bem naOEA [Organização dosEstados Americanos],a nossa participação foi fundamental e se conseguiu umacordo e a situação voltou praticamente ànormalidade. Lógico, que sempre fica uma situaçãopara aos poucos voltar à normalidade. Mas para nós,não teve nenhum reflexo, eu garanto que em termos deterritório brasileiro as ações ficaram em níveldiplomático. ABr: Não houvenenhum alerta ou uma mobilização especial das tropas?

Ribeiro: Não, nãohavia necessidade. Nenhuma das forças, nem Exército,nem Marinha, nem Aeronáutica mexeu no seu dispositivo, porquenós verificamos que não havia situaçãoque nos levasse a esse tipo de atitude.ABr: O senhor acha queainda pode acontecer uma situação de confronto entre ospaíses da América Latina?

Ribeiro: Eu espero que issonão venha a ocorrer. O nosso papel aqui na AméricaLatina é exatamente de ser um país, que por suadimensão continental, naturalmente tem uma posiçãode destaque pelas suas características, pela sua economia,situação geopolítica. Temos uma relação cordialcom todos os vizinhos e sempre que podemos trabalhamos para que osnossos vizinhos não tenham nenhuma alteraçãoentre eles. Foi assim no caso da situação do Peru com oEquador alguns anos atrás na serra do Condor, quando nósatuamos na busca do entendimento, e agora também na situaçãoda Colômbia com o Equador, que não é um paísvizinho, mas é um país amigo. Creio que temos quetorcer para que esses pequenos contenciosos não venham adesembocar numa situação de conflito armado que éextremamente desagradável, são países que lutampor uma situação melhor econômica e social,buscam vencer as desigualdades sociais, e qualquer tipo de conflito ésempre muito sofrido para o povo. Além de ser sofrido para ospróprios militares, que são os primeiros a serematingidos, mas a população também sofrebastante, não há conflito sem consequência para apopulação.ABr: No caso de haverum conflito armado na América Latina, o Brasil estápreparado para defender suas fronteiras?

Ribeiro: Eu acho que nóstemos que nos preocupar em ter Forças Armadas compatíveiscom a nossa capacidade estratégica. Nós temos um papelestratégico que vai ser cada vez maior. À medida que anossa economia for avançando, que o Brasil for se tornando umapotência de nível médio, nós teremos,inevitavelmente, que respaldar algumas das nossas decisões,das nossas posturas diplomáticas inclusive, com forçasde dissuasão que estejam por trás dessas decisões.Isso tem sido dito por muitos estudiosos, eu estou sórepetindo o que tem sido dito, que nós temos que nos preocuparcom isso. Não podemos ser tão imprudentes e avaliarque jamais teremos que mostrar que por trás deuma determinada postura existe uma força militar que dásustentação a essa determinada postura. O problema de garantia da soberania não é umproblema das Forças Armadas. É missão das ForçasArmadas, mas é um problema nacional, porque interessa ao paíscomo um todo. Não podemos nos esquecer que nós teremos,inevitavelmente, que ter Forças Armadas à altura danossa estatura estratégica.