Sabrina Craide
Repórter da Agência Brasil
Brasília - Nesta segunda parteda entrevista concedida à Agência Brasil, o general Augusto Heleno Ribeiro, comandante do Comando Militar daAmazônia, diz que é possível que membros dasForças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc)entrem no Brasil para comprar alimentos, remédios e atémesmo para serem atendidos em hospitais militares de municípiospróximos à fronteira. Segundo ele, a entrada deguerrilheiros como civis não pode ser impedida. O generallembra o episódio do Rio Traíra, em 1991,quando um grupo das Farc atacou uma base militar no Brasil, e disse que “serialeviano” afirmar que isso não pode acontecer novamente.
Agência Brasil: Existe algum tipode infiltração das Farc no Brasil?
Augusto Heleno Ribeiro: Nós tivemosum incidente com as Farc em 1991, conhecido como incidente do Traíra,onde uma patrulha das Farc atacou uma posição nossa,completamente de surpresa, como acontece com ações deum grupo guerrilheiro com tendência terrorista. Houve uma reação imediata,bastante robusta, em que nós mostramos a eles que nãoéramos um alvo compensador. A partir daí, nãotivemos mais nenhum problema com as Farc. Hoje, temos consciênciade que alguns elementos das Farc vêm ao Brasil para adquirirsuprimentos, porque é mais perto das posiçõesque eles ocupam no interior do território colombiano do quequalquer outro lugar. Só que eles não vêm aoBrasil nem armados, nem uniformizados, nem com carteirinha deguerrilheiros. Eles entram no Brasil legalmente, com passaportecolombiano, legalizado, têm todo o direito de transitar noterritório brasileiro. Nós somos um país quesempre acolhemos todos os estrangeiros com muita fidalguia, muitacordialidade. Eles vêm ao Brasil, compram e levam para o seupaís, pagando os impostos, pagando o preço que écobrado, e não podemos impedir esse tipo de comércio.Apesar de nós imaginarmos que esses mantimentos façamparte do suporte logístico das Farc. ABr: E,nesse caso, não há o que fazer?
Ribeiro: É muitodifícil, porque como você vai coibir o direito de ir evir? Você vai acabar fazendo os inocentes pagarem pelospecadores. Ninguém tem escrito na testa que éguerrilheiro, então fica muito difícilABr: Eles vêmprincipalmente para comprar alimentos, ou outro tipo de mantimentos?
Ribeiro: Às vezesalimentos, remédios, alguns chegam a ser atendidos nos nossoshospitais, os hospitais militares na área junto ao territóriocolombiano onde as Farc atuam, tanto em Tabatinga quanto em SãoGabriel da Cachoeira, são hospitais militares conveniados como SUS [Sistema Único de Saúde], então a gente atende a população índia,civil, todo mundo. O atendimento é generalizado. Nãoduvido que alguns colombianos que são atendidos sejamintegrantes das Farc. Como eu vou provar, como vai se saber serealmente são ou não? Nós sabemos que esse tipode apoio pode estar acontecendo sem que a gente possa tomar umaprovidência efetiva.ABr: Pode acontecer denovo o que aconteceu no episódio do Rio Traíra?Ribeiro: Eu seria leviano seestivesse dizendo que não pode acontecer. É muitodifícil de acontecer, uma vez que a nossa posiçãona fronteira é muito firme, além de ser uma posiçãode vigilância bastante eficiente. Nós temos umconhecimento profundo da área, dos moradores da área,que gravitam em torno das nossas posições, e fazemosmuito reconhecimento de fronteira, muito patrulhamento. Nóstemos contatos com os ribeirinhos, e eles confiam no Exércitobrasileiro. Então, qualquer movimento na área, de genteestranha, ainda mais falando um outro idioma e estando em uma base deoperações, nós tomaríamos conhecimentoimediatamente. E não tenha dúvida que nosencarregaríamos de neutralizar essa base, não íamosficar esperando que viesse alguém para fazer isso. ABr: E estãopreparados para isso?Ribeiro: Totalmente.ABr: E o que éfeito para evitar a entrada de drogas das Farc no país?Ribeiro: Aíjá é um problema mais complexo, porque a droga tambémnão é carimbada com nada das Farc. As drogas vêmde diversas origens, o narcotráfico é uma realidade,extremamente difícil de ser controlado. As nossas fronteirasna Amazônia são de 11,5 mil quilômetros, a maiorparte é área de selva fechada. Então, apermeabilidade de indivíduos e de pequenas canoas por riospequenos, e o trânsito que existe na Amazônia de pequenasembarcações favorece esse tipo de vai-e-vem na fronteira.E, se consideramos que a fronteira entre o México e os EstadosUnidos tem 2,5 mil quilômetros, praticamente a quinta parte danossa e que eles não conseguem controlar essa fronteira, podeimaginar a dificuldade que é uma fronteira de 11,5 milquilômetros. É extremamente difícil esse controle. Então,não se sabe exatamente se o tóxico é das Farc,se é do produtor independente, se vem de outros países.Nós sabemos que hoje o tráfico aéreo diminuiu,por conta da vigilância exercida pelo Sipam e o Sivam [Sistemade Proteção da Amazônia e Sistema de Vigilânciada Amazônia] e as calhas dos rios estão sendo maisutilizadas como meio de introdução de drogas no país.O esforço da Polícia Federal é considerável,nós temos feito um trabalho enorme para nos aproximar daPolícia Federal nesse trabalho, para podermos trabalharjuntos.ABr: Comoé feito esse trabalho conjunto?Ribeiro: Acho que, enquantonão trabalharmos juntos, o efeito sempre será menor,acho que todos os órgãos envolvidos têm que seunir para trabalhar, não só em tráfico dedrogas, mas em todos os ilícitos que acontecem aqui na áreaAmazônica. É preciso que haja um efetivo muito maior doque existe de agentes da Polícia Federal, do Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis], da ReceitaFederal, que nós possamos unir os nossos conhecimentos. Umtenente meu é formado para ser comandante de um pelotão,e é formado para a guerra, não é formado como umpolicial. Então, ele tem muita deficiência técnicana fiscalização de ilícitos, ele nãoconhece, como eu não conheço. Eu não conheçouma documentação de caminhão, de importaçãoou exportação de madeira. Então, eu preciso degente especializada que possa ir junto com o tenente, ter o apoiodissuasório da presença da tropa, mas alguém queconheça a fundo o problema para que essa parte técnicatenha um respaldo do conhecedor. E estamos tentando ver se issoacontece com mais frequência.