Julio Cruz Neto
Repórter da Agência Brasil
Brasília - O Talebã e a Al Qaeda, acusados pelo governo do Paquistão de assassinar a ex-primeira-ministra Benazir Bhutto, foram criados pelo próprio Estado paquistanês, informa Reginaldo Nasser, coordenador do curso de Relações Internacionais da PUC-SP e especialista em Segurança Internacional e Oriente Médio.“A questão [do assassinato] não diz respeito a Benazir nem [ao presidente Pervez] Musharraf, mas à situação em que se encontra o Paquistão desde a década de 80. O governo do Paquistão e o serviço de inteligência criaram o Talebã e a Al Qaeda, apoiaram esses dois grupos na guerra do Afeganistão contra os russos. Após a expulsão dos russos, esses setores governamentais e amplos setores da sociedade continuaram apoiando o Talebã e a Al Qaeda”, analisa Nasser.Segundo ele, há no país uma “situação de radicalismo há vários anos”, agravada desde os atentados de 11 de setembro de 2001, quando o governo do Paquistão “se aproveitou de uma circunstância e se aliou aos Estados Unidos”, numa “atitude maquiavélica de Musharraf”, que permitiu que os EUA atacassem o Afeganistão a partir do Paquistão.O Paquistão, assim, saiu da “lista do chamado eixo do mal dos Estados Unidos”, passou a receber “investimentos econômicos, perdão de dívida, ajuda militar... passou a ser aliado estratégico” dos Estados Unidos. Mas ganhou a inimizade dos “grupos radicais”, que “se voltaram contra Musharraf, que já esteve próximo de ser assassinado”.Com a aliança entre os governos dos EUA e do Paquistão pós-11 de setembro, Benazir Bhutto, que até então era aliada dos EUA por sua “postura pró-Ocidente”, ficou isolada, relembra Nasser. Segundo ele, os norte-americanos vislumbravam até aquele momento a possibilidade de um dia ela voltar do exílio – que já havia começado – e assumir o poder: “A partir do 11 de setembro, ela já não era mais tão necessária.”O especialista conta que Musharraf manteve-se “a duras penas” no poder até os atentados de 2001, “pois era isolado da comunidade internacional, inclusive por causa da guerra com a Índia, apoiada [a Índia, não a guerra] pelos EUA”. A partir daí, estabilizou-se, tendo como trunfo, além do apoio do governo de George W. Bush, o fato de conhecer “como poucos” a estrutura militar do Paquistão, por ter origem nas Forças Armadas.Nasser acha “muito provável” que os grupos que tentaram matar Musharraf sejam os mesmos que mataram Bhutto. Isso porque a lógica desses atentados, tanto no Paquistão quanto no Afeganistão ou no Iraque, é a “desestabilização dos governos”. A cada novo atentado, o governo é forçado a tomar atitudes mais drásticas. E quanto mais ditadura, diz ele, mais esses grupos entendem que podem arregimentar simpatizantes: “É a lógica do quanto pior, melhor.”