Dengue: uma doença previsível e evitável requer uma cobertura planejada

09/11/2007 - 9h07

Paulo Machado
Ouvidor da Radiobrás
Brasília - O governo deveinvestir mais em prevenção ou no tratamento de uma doença? Em se tratando desaúde pública, aparentemente essa pergunta tem uma resposta óbvia: em prevenção. E ojornalismo? Ele deve conseguir prever o que poderá acontecer ou simplesmente devese restringir em reportar o que aconteceu?A Agência Brasil vem noticiando há 30 dias a ocorrênciade um aumentode casos de dengueconsiderados, segundo o ministro da Saúde,José Gomes Temporão, uma epidemia, conformea matéria: "Politicamente",país vive epidemia de dengue, afirma ministro da Saúde, publicada em 17 deoutubro. O emprego do termo “politicamente” não foi explicado no texto.Mais um complicador adicionou-se à essequadro sanitário.Um novo tipo de vírus entraráno país nospróximos meses: o tipo4. A Agênciatratou do assunto emduas matérias: Chegadade dengue tipo 4 no Brasil é questão de tempo, diz ministro e Denguetipo 4 não é motivo de alarde, diz epidemiologista, publicadas em 22 deoutubro. Protestando contrainformações e opiniõesconstantes nessas duas matérias, o leitorRômulo Sabóia,que se identificou comomédico infectologista, mestre em Medicina Tropical, disse que a epidemia de dengue tipo 4será explosiva, comalta letalidadeem todoo Brasil, e que elaé perfeitamente previsível e evitável. Como justificativade sua posição,o médico argumenta:“A introdução do vírusda dengue tipo4 é inevitável, ocorrerá em breve e seráseguida de uma epidemiaexplosiva de denguecom altaletalidade pordengue hemorrágica.Isso acontece sempreque umnovo tipo de vírus da dengueé introduzido numa região ou país.Aconteceu no Brasil com a introdução do vírustipo 2 em1990, e se repetiu quando chegou o vírus tipo 3 em 2000. À medidaque o novo vírus se dissemina pelo país, ocorrem exacerbaçõesdas epidemias anuaise aumento das mortes.Isso tambémvai ocorrer como vírus tipo4 quando chegar”.O leitorcontinua o raciocínio: “Isso é motivode alarde, sim,porque muitas pessoasvão morrerdesnecessariamente - 99% das mortes por dengue hemorrágico se devem a falhamédica na conduçãodo caso. Essas mortespoderiam perfeitamente serevitadas, com a capacitaçãoda classe médicano manejo clínicoda dengue clássicae hemorrágica. Comoo número de mortesvai aumentar coma introdução no novovírus, as açõesde controle e de capacitaçãodos profissionais de saúde devem serintensificadas antes que aconteça, o queé totalmente previsível”.Esta Ouvidoria repassou a mensagem do leitorpara a redaçãoda Agência Brasil, uma vezque as fontesouvidas nas duas matérias citadasconsideravam que a futuraepidemia “nãodeve ser motivode alarde”, e simapenas “umcomplicador a mais”.Embora o ministroda Saúde tenha afirmado na matéria que a dengue tipo 4 iriachegar, a reportagem nãoperguntou a ele o queestá sendo feito, alémdas campanhas publicitárias, para prevenir a doençaexistente e a que se anuncia. Há algum plano para intensificar as “ações de controlee de capacitação dos profissionais de saúde”,como sugere o leitor?Foram publicadas ao todo 15 matériassobre o assuntodesde 15 de outubro.Na matéria Governolança campanha de prevenção à dengue e ministro pede apoio da população, publicadaem 16 outubro, a dificuldade em trabalhar com números, já citada em colunasanteriores, reaparece quando a reportagem fala em 121 mil mortes este anodecorrentes da epidemia.Alertada pela Ouvidoria, a redação corrigiu o erro.Mas faltam explicações para as 121 mortes. Elas devem ser debitadas à políticade prevenção à doença ou à sua ausência? Porque os diagnósticos continuam sendoprecários, conforme consta na notícia: Pesquisano Centro-Oeste monitora impacto do agrotóxico no meio ambiente e na saúde,publicada em 3 de novembro? Por que as matérias não explicam quais as causaspolíticas dessas mortes?Para o ministroessas mortes são“inadmissíveis”, conformedeclarações queconstam na matéria Estadosse unem para combater a dengue. Ele explica:“Ou  faltou a urgência em procurar o profissional de saúde ou falhou odiagnóstico”. Mortes por causas não naturais são sempre inadmissíveis, o quefaltou foi a Agência explicar por queelas não devem ser admitidas. O que falhou? A comunicação do Estado, que nãoinformou ao cidadão que ele corria risco de morte ou competência dos médicos emdiagnosticar a doença? A dengue não é uma causa natural de morte – ela éprevisível e evitável.Continuando, a matéria informa queo ministério está enviando a “todos os 300 milmédicos brasileirosCD-ROMs cominformações sobrea doença”, e uma campanhapublicitária foi lançadaconvocando a todos parase unirem no combate à dengue.Talvez essas medidasevitem outras mortes no futuro, mas asdo passado continuarão sem explicação.No casoda epidemia quepoderá ser causada pelo vírus tipo 4, opróprio leitorinforma que o processohistórico da dengueno país registradados sobreo impacto da entradaanterior de outrostipos de vírusda dengue e da mortandadeque causam devidoà falta de preparodos médicos emdiagnosticar a doença. Não seria o casode a Agênciaapurar esses números e montar um gráficoinformativo (infográfico) confirmando ounão a correlação?No jornalismo,bem como na saúde pública,os fatos nãoacontecem magicamente, do dia para a noite.Analisando os processos históricos é possívelprever quais serão as possíveisocorrências futuras, ainda maisnesse caso emque o próprioministro da Saúdejá afirmou: “É sóuma questão de tempo”.Outra informação que seria importantepara os leitoresda Agênciaentenderem como ocorre uma epidemia diz respeitoà distribuição geográficada ocorrência do vírus.Essa informação associadaà outra quetrata de comoa doença vem sendo combatida mundoafora poderiater sido fornecida pelaAgênciase ela tivesse feitoa cobertura do semináriointernacional ocorrido em outubro em Belo Horizonte. Na matériaBelo Horizonte sedia seminário internacional sobreprevenção e controle da dengue, publicada no dia 15 daquelemês, a ocorrência do evento é apenas anunciada.Dentre as 15 matériaspublicadas, duas tratam de ações preventivasdo governo, quepretende começar a produziruma vacina daqui a quatroanos. Uma matériainforma sobre a páginaeletrônica do ministérioda Saúde, colocada no ar no dia 17 deoutubro, na qualaqueles quetêm acesso à internet podem obter mais informações sobresintomas e formasde prevenção e tratamento.A matéria: Dúvidas sobre dengue podem ser esclarecidas pela internet,publicada em 18 de outubro, diz que os professores podem baixar cartilhas paratrabalhar o assunto com seus alunos. A redaçãoda Agência Brasil, estimulada pela mensagemdo leitor, vai aprofundara apuração, ouvir outras fontesespecializadas no assunto e proporcionar ao leitorinformações paraque eleentenda a real dimensãodo problema e o queestá sendo feito parasolucioná-lo. A dengue está presente entre os brasileiros há décadase, pelo visto,continuará, podendo inclusive se agravar.Não dá maispara, reativamente,esperar quese declarem estados epidêmicos para simplesmente transformá-losem notícia. Elademanda umacompanhamento ativo, permanente e planejado porparte do jornalismode uma empresa públicade comunicação. O Estadoé apenas umdos protagonistas, a sociedadecivil e o cidadãotambém têm suasresponsabilidades e direitosa serem discutidos, por isso precisam ser mais ouvidos.Até a próxima semana.

Participe do 3º ENCONTRO REGIONAL DE OUVIDORIAS PÚBLICAS - REGIÃO NORTE - "AConstrução da Ouvidoria Pública no Brasil", que se realizará nos dias 22e 23 de novembro de 2007, em Belém. Este encontro visa manter permanente diálogo e troca deexperiências entre as ouvidorias, instituídas como instrumento para aconsolidação e otimização da prestação dos serviços públicos no país, eigualmente será um espaço para divulgar o tema como participaçãopopular. Maiores informações e incrições no endereço: http://www.cgu.gov.br/Eventos