Por que a realidade é diferente do que está escrito?

31/08/2007 - 11h29

Paulo Machado
Ouvidor da Radiobrás
Brasília - Os veículos decomunicação sãoespaços públicosem que o jornalismotrabalha paraa construção coletivada verdade combase nas diferentesvisões de mundo.Se o jornalismo conseguirrefletir as diversas verdades, dos diversos grupos sociais ou indivíduosenvolvidos em uma questão, estará dando oportunidade para que a diversidade deopiniões e de interesses apareça e o debate, democraticamente, aconteça.   A perguntado título desta colunafoi formulada pelo leitorPaulo R. Back, de  Guaratuba, no Paraná. Ele é agricultor familiare leu a matéria “Portariasgarantem acesso a financiamentos doPronaf”, publicada em 6 de agosto pela Agência Brasil. No dia15 de agosto elefoi ao Banco do Brasil de sua cidade em busca dos recursos para o plantio da safra. Só que, lá chegando, recebeu a informaçãode que o banco aindanão tinhaos recursos liberados pelogoverno para esse tipo de empréstimo.Indignado, ele escreveu à Ouvidoria perguntando por que a Agência Brasil divulga uma coisaem uma matériae quando elevai ao banco a realidadeé totalmente diferentedo que estava escrito.Para responder à pergunta do leitor,precisamos recuperar os fatosveiculados pela Agência desde o lançamentodo Plano Safrada Agricultura Familiar2007/2008. Na matéria“Plano Safrada Agricultura Familiartem R$ 2 bilhões a maisde orçamento”, a reportagem dizia: “Em uma cerimônialotada, em queagricultores ficaram em pé no salão do Palácio do Planalto, ocorreu hoje(27 de junho) o lançamento...”.Durante a cerimônia,o presidente Luiz Inácio Lula da Silva destacou o planocomo uma importanteconquista dos trabalhadores.“É uma conquista exuberantepela forma que vocêsorganizaram, pela formaque vocêsconquistaram, não comsubordinação, mascom autonomia.”A matériainformava ainda: “O governovai disponibilizar R$ 12 bilhões, orçamentoque ultrapassa emR$ 2 bilhões o anterior.O plano prevê redução em taxas de juros, ampliaçãodos limites de financiamento e dos limites de rendapara enquadramento de agricultoresfamiliares no ProgramaNacional de Fortalecimentoda Agricultura Familiar(Pronaf)”.No diaseguinte ao lançamentodo plano, os veículosda Radiobrás entrevistaram o ministro do DesenvolvimentoAgrário, Guilherme Cassel, que garantiu a disponibilidadedo montante. “O dinheiroestá disponível a partirde segunda-feira emtoda a redebancária pública,BNB [Banco do Nordeste], Basa [Banco da Amazônia], Banco do Brasil, nas cooperativase nos sistemascooperativos que trabalham conosco.”Outra matéria, no mesmo dia 28 dejunho, dava detalhesda entrevista do ministro,na qual eleafirmou: “Não é difícil ter acesso aos recursos do Pronaf. O agricultorpode chegar ao Bancodo Brasil, Basa ou BNB, que lá têmtodas as informações. Ou nos seus sindicatos,suas federaçõese suas cooperativas.Nós distribuímos informaçõespara todos esses setores eé fácil. O Pronaf é umsistema de financiamento absolutamente desburocratizado, de fácil acesso”.Começava assim a construção de uma verdade na versão jornalística da Agência Brasil, combase no pontode vista das autoridades.Outro ponto de vista chegaria a esta Ouvidoria uma semana depois. Em 6 de julho opescador Ovídio Marinhoescreveu dizendo que, depois de tomar conhecimento do lançamentodo plano pelosveículos da Radiobrás, tinha ido a uma agênciado Banco do Nordestena Paraíba atrás de umfinanciamento do Pronaf-pesca de R$ 8 milcom a finalidadede adquirir covos(gaiolas) parapescar lagosta.No banco, nadade recursos, informou o gerente.  Esse pescador continuou acada semana enviando novas mensagens contando sua peregrinação e como ia sendoencaminhado de um órgão público para outro, cada um com uma alegação diferentepara que o financiamento não se concretizasse.A Ouvidoria repassou essas mensagens para a Agência, que aprofundou a apuração enquantonoticiava outra peregrinação– a do ministro do DesenvolvimentoAgrário, percorrendo os Estados do sul, lançando o Plano Safra.   Em matériapublicada em 19 de julho,a Agênciatratava das primeiras complicações na liberaçãodos recursos do Pronaf – a falta de consensoentre governoe agricultores sobrea renegociação das dívidas contraídas nos anos anteriores, quepoderiam chegar a R$ 13 bilhões.Nos diasseguintes a Agência noticiava asprimeiras manifestações dos movimentos sociaisprotestando contra a demora e as dificuldadesnessas renegociações.    A apuração motivada pelas mensagens do pescadorlevou a Agênciaa publicar quatromatérias entre4 e 6 de agosto dando contade dificuldades adicionaisna liberação dos recursos,com depoimentosde outros pescadorese de entidades sindicais ligadas aos agricultoresfamiliares de outras regiões do país.Assim, maispontos de vistaforam se agregando à construção coletivada verdade.A reportagem ouviu o presidente do Sindicatodos Trabalhadores Ruraisde Padre Bernardo (GO), a 120 quilômetrosde Brasília, Antônio Odimar Rodrigues, queafirmou haver problemassemelhantes na regiãona busca de financiamento paraas safras. “Muitagente aquitem ido ao Bancodo Brasil e eles mandam voltarnas próximas semanas.”Em uma dessas matérias,“Demora na definiçãode recursos atrasaconcessão de financiamentos do Pronaf”,a Agência Brasil informou: “A demora nas negociações entreo Ministério do DesenvolvimentoAgrário – quecoordena o Pronaf – e a equipe econômicaatrasou a concessão de novos financiamentos: somentena última quinta-feira(2) foi assinada a portaria de equalização para o Plano Safra de Agricultura Familiar2007/2008, instrumento que garante os recursospara que os bancos ofereçam jurosmais baixosa quem tomaempréstimos peloprograma.”Nessa matériao próprio diretordo Departamento de Financiamento e Proteção à Produção Rural do Ministériodo Desenvolvimento Agrário,João Luiz Guadagnin, reconhece que o atraso na ediçãodas portarias de equalizaçãoprovocou a demora na concessão dos empréstimospelos agentesfinanceiros. “Entre o anúncio da liberaçãodos recursos pelogoverno e a chegadadesse dinheiro aos bancoshá um certointervalo, masneste ano o tempofoi mais longopor causa dasnegociações em tornodas portarias.” Mas, pela mensagem do agricultorPaulo R. Back, decorridos dois meses do lançamento do plano,parece que aindahá outros entravespara que o dinheiro chegue às agênciasbancárias e semeie a safra de 2007.A Agência Brasil se comprometeu a continuarapurando os fatos paraque o quefor escrito corresponda à realidade. Até a próxima semana.