Tragédias subliminares

03/08/2007 - 11h03

Paulo Machado
Ouvidor da Radiobrás
Brasília - A Ouvidoria recebeu uma mensagem do leitorSérgio Joaquim Júnior onde ele levanta uma questão: trata-seda maneira parcialcomo a mídiatrata as tragédiasque noschegam aos olhos e daquelas que são subliminares.Ele diz: “O queaconteceu no aeroporto em São Paulo é óbvioe não deixadúvidas. Mashá algo maispavoroso quepassa despercebidono que tange à mortandadeprovocada pelo assaltoaos cofres públicoscometido por nossospolíticos emtodas as instâncias; dinheiroque deveria serdirecionado às áreas de saúde, como também à segurança e, até, à educação,promovendo bem-estar a toda a nação”. Não cabe a essa Ouvidoria tratar da dificuldadede a mídia, de maneirageral, “abordaressas tragédias quenão noschegam aos olhos e que,portanto, nãoapresentam cenas de mortandadeexplícita”, comosugere o leitor.Para fugir do óbvio é necessário um trabalho profundo de investigação,apuração e pesquisa. É necessáriocruzar informações,checá-las à luz de fatosnão tãoóbvios quantoreportar um acidente com um jato de 80 toneladas se chocando a 175 quilômetrospor horacontra umprédio, explodindo e fazendo 200 vítimas. É precisoacompanhar os processoshistóricos emcurso e a execuçãode políticas públicas com base em critérios que meçam eficácia,eficiência e transparência,e contrapor tudoisso comas receitas, as despesase os investimentos ao longo de anos, conforme a responsabilidadede cada atorenvolvido na execução, regulação efiscalização das políticas públicas. Mas não é, ou não deveria ser, justamente esse o trabalho do jornalismo para que cumprisse suafunção socialde debater as grandesquestões nacionais?No entanto, comosugere Sérgio Joaquim, a atração pelo mórbido explícito parece ser o caminho mais comum, mais fácil, para obteruma notícia, paraimpactar magicamente a vida do cidadão,sem maioresexplicações sobreo contexto emque essesfatos se apresentam na realidade.Explicar porque taisfatos aconteceram e quefatores os determinaram é muito maiscomplicado. A Agência Brasil emsua coberturasobre corrupção e desvio de dinheiropúblico tem conseguido publicar uma médiade cinco matériaspor dia.Foram 298 notícias nosúltimos 60 dias.Mas emque medidaessas matérias têm contribuído para melhorar a percepção do cidadãocom relaçãoà corrupção? Emque medidaconseguem explicar suascausas e suasformas e porque elasocorrem? Em quemedida informam sobre a “mortandade provocada pelo assalto aos cofrespúblicos  cometido por nossos políticos emtodas as instâncias”, como diz o leitor?Uma coisa é a corrupção,o fato emsi – fulanodesviou tantos milhõesde tais obras.Outra coisa édesvendar os mecanismosque permitiram ao fulanodesviar sem que ninguémpercebesse ou, se percebesse, fizesse vista grossa,acobertasse o desvio.Na cobertura do recenteescândalo da construtora Gautama, investigada pela operação Navalha, a Agência conseguiu desvendarsatisfatoriamente como funcionaram os esquemas de desvio de recursosorçamentários, fraudes em licitações, tráfico de influência elocupletação.  Dentre as centenasde notícias, uma, queatende em parteà demanda do leitor,me chamou a atençãopor tratarde um acervocom estudossobre as causase os efeitos da corrupção.Foi publicada no dia 17 de abril deste ano.Sob o título“Biblioteca virtualreúne documentos e pesquisassobre corrupçãono Brasil e no mundo”, é fornecido o endereço eletrônicoda Biblioteca Virtual contraCorrupção (BVC) , mantida pelaControladoria-Geral da União, em parceria com o Escritório das Nações Unidascontra Drogas e Crime (UNODC). A biblioteca virtual tem o objetivo de divulgarpesquisas e informações sobre corrupção, bem como disponibilizar dados sobreauditoria, fiscalização e ouvidoria.“Até hoje nós não tínhamos no Brasil umbanco de dadosque concentrasse essa quantidadede informações sobreestudos desenvolvidosem nossopaís sobrecorrupção e assuntosligados à corrupção”, afirmou a secretáriade Prevenção de Corrupçãoe Informações Estratégicas da CGU,Virgínia Cestari, na matéria publicada em 17 de abril. Segundo ela, a biblioteca foi lançada com umacervo de cerca de 500 documentos entre artigos, teses e estudos científicosrelacionados à corrupção, incluindo textos de organismos internacionais. Esseacervo deverá ser atualizado diariamente. Todo o conteúdo é de domínio públicoou obteve prévia autorização dos proprietários dos direitos autorais.Em um dos estudos disponibilizados na bibliotecavirtual sob otítulo “Corrupção: custos econômicose propostas de combate”,elaborado peloUNODC, o cidadão encontra uma análisedetalhada das razões e das formas de corrupção e como elasinfluenciam o desenvolvimento do país, inclusive quanto à eficáciadas políticas públicas relativas à educação e à saúde.Nele, os pesquisadores trabalham com os índicesde percepção da corrupção,ou seja, o graude consciência e o conhecimentoque o povode uma nação tem dos esquemas e dos meandrosda corrupção. É aíque entra a mídiafazendo o papel de dotaro cidadão da informaçãonecessária paraque eledescubra, investigue, denuncie e fiscalize os mecanismosde corrupção, corruptores e corruptos.O documento mapeiaesses mecanismos,os classifica e fornece dicas importantes para que a percepçãoda corrupção se propague comouma vacina portoda a sociedade.Ele se constitui emum roteiropara os jornalistasmontarem pautas consistentes e acompanharemo processo históricoda corrupção, explicando os fatoscotidianos pormeio de suascausas estruturais, culturais e políticas. Uma das conclusõesapontadas está diretamente relacionada aosíndices de percepçãoda corrupção e suacorrelação comos índices de desenvolvimentocomparado entre nações.O estudo demonstra claramenteque, quantomais consciênciao cidadão tem a respeitodos fatores quelevam à corrupção,  menoressão os danoscausados por essesfatores à qualidadede vida do cidadãoe à eficácia da açãodo Estado. Ouseja, cidadãos maisconscientes diminuem o espaço de manobrapara os corruptospraticarem seu esportepredileto: desviarrecursos públicos.Assim, tragédias subliminares poderão ser evitadas,em grande parte, se o jornalismo cumprir seu papel de investigar, apurar,pesquisar e informar sobre os caminhos da corrupção e suas causas, pois atransparência é o melhor antídoto contra elas. Cumprindo seu papel, a Agência Brasil em particular, poderá ajudar a mensurar a mortandadedecorrente dessas tragédias subliminares, mortandade que, para ser calculada,passa necessariamente pela identificação do montante de recursos desviados e decomo eles poderiam ser aplicados salvando vidas, promovendo a segurança,gerando emprego e renda e educando nossas crianças.Até a próxima semana.