Julio Cruz Neto
Repórter da Agência Brasil
Brasília - Mais da metade dos brasileiros em Portugal vivem em situação ilegal e parte deles encontra sérias dificuldades pelo desemprego, que atinge 8,4% da população. A informação é do embaixador português no Brasil, Francisco Seixas da Costa, que faz um alerta: se algum conhecido lhe oferecer um emprego e disser que sua carteira será assinada em Portugal, desconfie. Legalmente, o registro só pode ser feito no Brasil, antes de partir. Este é o assunto principal da terceira parte da entrevista com o diplomata.Agência Brasil: Qual a situaçãodos imigrantes brasileiros em Portugal?Francisco Seixas da Costa: Como se sabe, foi feitoaquele acordoem 2003 para que os 30 mil brasileiros inscritos na Casa doBrasil pudessem regularizar a situação. Desses, nãoobstante comunicados e apelos nos jornais, só nos apareceramaté hoje cerca de 20 mil. E esse processo estáfinalizado. Só que, é uma realidade que não valea pena esconder, depois de 2003 há um númerosignificativo de brasileiros que entraram em Portugal em situaçãoilegal...ABr: Há umaestimativa?Costa: Não, mas eudiria que a comunidade brasileira ronda as 100 mil pessoas, o quesignifica que há muito mais brasileiros em Portugal do queportugueses no Brasil, no plano percentual. Era preciso haver 1,8milhão de portugueses no Brasil para haver uma comparação.ABr: E quantos há?Costa: Ninguém sabe,porque ninguém sabe quem é português e quem ébrasileiro a certa altura. Eu diria que as autoridades brasileirasconsideram um número à volta das 300 mil pessoas. Masmuitas têm dupla nacionalidade.ABr: E lá há100 mil brasileiros e só 20 mil regularizados?Costa: Não, porque háoutros regularizados anteriormente. Mas estamos a trabalhar comnúmeros de 50 mil a 60 mil brasileiros ilegais, e isso nospreocupa. E principalmente num momento em que, embora a economiaportuguesa dê sinais de recuperação em váriasáreas, começa a ter uma percentagem de desemprego maiselevada. Portugal tem nesse momento 8,4% de desemprego e ésabido que perante situações de desemprego, ostrabalhadores ilegais são os primeiros a sofrer. E portanto,neste momento, verificamos que há brasileiros em Portugal emsituação econômica muito difícil. Porquecomeçaram a sentir os efeitos desse aumento do desemprego,embora o brasileiro seja um estrangeiro com capacidade deinterpenetração na sociedade portuguesa, até porrazões de natureza cultural.ABr: Mais enturmados com apopulação?Costa: Sim, falando a mesmalíngua. E o brasileiro em Portugal não fica em guetos.ABr: Mas hábrasileiros vivendo na indigência? A que ponto chega essadificuldade que o senhor menciona?Costa: Já há,como acontece sempre em situações de desemprego,brasileiros em situação difícil. Nãopodemos controlar. Os brasileiros vão para Portugal sem visto,têm direito de estar 90 dias sem visto, por vezes conseguemprorrogar por mais 90 dias, mas há muitos que estão jáem situação ilegal além destes 180 dias.ABr: Aí cruza afronteira, consegue um visto na Espanha, volta, consegue outro...Costa: Não consegue,não há visto. Essa é uma das coisas que osbrasileiros que vão para Portugal não entendem àsvezes e não são suficientemente informados. Obrasileiro que vai como turista não tem nenhuma hipótesede regularizar sua situação em Portugal enquanto láestiver. Para regularizar, tem que voltar ao Brasil. E se conseguiralgum lugar que dê um visto de trabalho, o visto tem que serdado no Brasil. Porque esta é a forma que todos os paíseseuropeus encontraram para desestimular a ida com visto turístico.Temos de encontrar maneiras de explicar aos brasileiros, antes departirem, que podem entrar em situações muito difíceis.Tenho encontrado vários brasileiros que dizem: “Vou praPortugal no mês que vem porque um primo meu me arranjou umemprego num hotel, em algum lugar”. E eu digo: “Com carteiraassinada?” Ele: “Sim, com carteira assinada”. E eu: “Poisbem, seu primo é um mentiroso”. Porque ninguém podeir para Portugal como turista e chegar lá e ter carteiraassinada para um emprego. Há falta de informação.E a circunstância de não haver visto facilita que aspessoas possam ir. Se houvesse vistos, poderíamos atravésdos consulados distribuir um documento informando que ao final de 90dias, fica numa situação ilegal, não pode teremprego. Repare que nada disso é novo. Os portugueses iamassim para a França há alguns anos da mesma maneira.Mas é uma pena que isso crie situações graves.ABr: O semanárioportuguês Sol publicou recentemente uma pesquisa segundo a qualboa parte dos portugueses gostaria que Portugal fosse anexado pelaEspanha, como forma de atingir uma situaçãosócio-econômica melhor. Há algum fundo de verdadenisso? Existe essa discussão?Costa: Como todo mundo sabe,Portugal tornou-se independente da Espanha em 1640. Foi anexado entre1580 e 1640 e desde então somos independentes. Hoje nãohá fronteiras na UE, as pessoas circulam livremente. Mas nãoparece que, por muito respeito que tenhamos ao rei espanhol, algumportuguês estivesse disposto a ser seu súdito. Temos omaior apreço e para continuar a ter, precisamos que hajaPortugal e Espanha. Então, eu diria que a circunstânciade as pessoas hoje não terem dificuldade em imaginar umarelação mais íntima entre Portugal e Espanhaestá longe de significar que Portugal queira desaparecer noseio da Espanha. Agora, se o contrário for verdade, talvezpossamos fazer isso.ABr: O senhor estámanifestando uma posição do governo português?Costa: Não. Éuma posição da sensibilidade da sociedade portugesa. Osemanário Sol tem a credibilidade que tem e... é amesma questão de perguntar a um argentino se quer serbrasileiro.ABr: E na Espanha existeainda essa idéia, existe um imperialismo ibérico?Costa: Não. Ainda porcima, não corresponde minimamente àquilo que existe naEspanha. A Espanha não tem o menor interesse em anexarPortugal. O que acontece é o seguinte. Durante anos, se viveuuma grande contradição entre Portugal e Espanha. A UEatenou. As pessoas não sentem o caráter danacionalidade como um coisa viva, e portanto a Espanha não éuma ameaça. A Espanha já tem suficientes problemas comsuas autonomias para ter que ter mais uma Catalunha. E portanto,embora se olharmos para o mapa Portugal apareça como umaanomalia geográfica, a Espanha vai ter que viver com essaanomalia até o final dos seus dias. (...) Agora, o Sol tem quevender. Como está numa busca de afirmação porqueentrou recentemente no mercado, tem que encontrar essaspeculiaridades, esses nichos de mercado especulativos. Sãoexercícios intelectuais interessantes, mas valem o que valem.(continua)