Para professora, revisão de Serra esclarece decretos sobre universidades

01/06/2007 - 19h42

Elaine Patricia Cruz
Repórter da Agência Brasil
São Paulo - No Diário Oficial do Estado de São Paulo de ontem (31), o governador José Serra publicou um decreto declaratório que reformula cinco decretos anteriormente publicados sobre a educação no estado. O texto dá “interpretação autêntica” a quatro deles (nº 51.636, de 9 de março; nº 51.471 e 51.473, de 2 de janeiro; e nº 51.660, de 14 de março) e altera a redação do decreto que organizava a Secretaria de Ensino Superior (nº 51.461, de 1º de janeiro). A revogação desses decretos é a principal reivindicação de alunos, professores e funcionários que vêm realizando manifestações nas três universidades estaduais paulistas.Em entrevista à Agência Brasil, a professora titular de direito administrativo da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Odete Medauar, afirmou que a redação anterior dos decretos, assinados pelo governador José Serra no início do ano, possibilitava a interpretação de uma interferência na autonomia universitária, mas que a revisão, publicada ontem no Diário Oficial, são agora suficientes e adequados para esclarecer o sentido e a aplicação dos decretos. Veja a seguir a íntegra da entrevista:Agência Brasil: Os decretos assinados pelo governador José Serra no início do ano estavam mal redigidos? Por que houve tantas polêmicas em relação a esses decretos?Odete Medauar: O governo do estado de São Paulo publicou em janeiro dois decretos e depois publicou em março mais outros que geraram interpretações no sentido de assertar a autonomia das universidades paulistas. De um lado, diziam que afetavam (a autonomia) e de outro lado, as autoridades do estado afirmavam que os decretos não interferiam na autonomia das universidades paulistas. E criou-se um impasse. Estudantes e funcionários reagiram, houve ocupação do prédio da reitoria da USP, houve manifestações... Na verdade estava faltando um pouco de equilíbrio dos dois lados, justamente porque na reação aos decretos, que envolviam a questão da autonomia das universidades e que é uma autonomia garantida pela Constituição, vieram de carona inúmeras outras reivindicações que eram alheias à questão da autonomia da universidade.ABr: Os decretos antigos davam realmente margem a várias interpretações? Os decretos permitiam a leitura de que o governo do estado poderia interferir na autonomia universitária?Medauar: Era uma das interpretações. Dava margem porque os decretos mencionavam a sua aplicação à administração direta e indireta, inclusive às autarquias de regime especial, que é o caso das universidades. Os decretos atingiam os aspectos da autonomia financeira e o da autonomia administrativa, principalmente. Realmente a redação possibilitava interpretações no sentido da interferência na universidade.ABr: A senhora é favorável à questão da autonomia universitária?Medauar: Sou totalmente favorável. Sou professora da universidade e o sentido da autonomia dada pela Constituição Federal, no artigo 207, é justamente o de permitir uma ampla liberdade, tanto no ensino, para aqueles que ensinam e aprendem, quanto para a pesquisa, para que não haja nenhum tipo de direcionamento – e de ninguém - sobre a circulação de idéias e de pesquisa na universidade.ABr: O governo vinha insistindo na questão de que a intenção dos decretos não era interferir na autonomia universitária, mas dar mais transparência ao processo.O que pensa a esse respeito?Medauar: Parece-me que talvez tenha sido essa mesma a intenção. Acho que a transparência é o que se busca em todas as atuações públicas e a universidade pública atua e administra recursos públicos. Mas acho que isso deve partir da própria universidade. Não poderia ser alguma coisa imposta porque as universidades têm autonomia garantida pela Constituição. A transparência é elogiável, mas tem que partir da própria universidade.ABr: Ontem (31), o Diário Oficial publicou um decreto declaratório do governador José Serra reformulando os cinco decretos anteriormente publicados sobre a educação no estado. Para começar, o que é um decreto declaratório?Medauar: Todo decreto é um ato do chefe do Executivo, seja um decreto declaratório ou qualquer outro que não tenha nome, a natureza é a mesma. É um ato do chefe do Executivo. Esse decreto declaratório veio em ótimo momento para sanar dúvidas a respeito da aplicação dos decretos anteriores. E isto é um ponto extremamente positivo por parte do governante. Quando há alguma dúvida em seus atos, ou medidas suas [do governador], e isso gera controvérsias, acho que um bom caminho é esclarecer o sentido. [O governo] já havia declarado na imprensa, em outras oportunidades, que se não se aplicavam às universidades os decretos. [Era necessário] que houvesse uma manifestação precisa no sentido da não-aplicação porque estava ocorrendo um envio de ofícios por parte de secretários, na linha de aplicação deste ou daquele ponto sobre as universidades públicas. E agora há um esclarecimento do chefe do Executivo, que é algo relevante. Agora, da sua parte, funcionários e alunos têm que desocupar a reitoria.ABr: Então agora, com a revisão dos decretos, ficam claro quais são as intenções do Executivo?Medauar: Fica claro que eles [decretos] não se aplicam às universidades.ABr: Mas se aplicam em outras áreas...Medauar: Às outras áreas da administração que não tem a autonomia assegurada pela Constituição. As universidades não são entes da Federação, mas têm autonomia assegurada pela Constituição.ABr: Os estudantes vinham pedindo a revogação dos decretos...Medauar: Não creio que fosse necessário. O esclarecimento sobre a sua aplicação e a retificação de um dos decretos me parece suficiente e adequado. No meu ponto de vista, houve esclarecimento a respeito do sentido dos decretos e da aplicação deles. Parece-me suficiente e adequado. Não vejo porque se querer a revogação - e alguns deles não se dirigem somente às universidades, dirigem-se a outras áreas da administração paulista.ABr: Qual sua opinião sobre as manifestações dos estudantes?Medauar: Acho que todas as manifestações são válidas. Todos têm o direito a se manifestar. E se estamos em uma democracia, acho que as manifestações são válidas. Mas se o governo do estado já esclareceu de uma maneira muito precisa o sentido dos decretos e a sua não-aplicação às universidades, não há porque prosseguir nisso.ABr: As ocupações das universidades pelos estudantes do estado, seja na USP ou na Unesp, foram atitudes exageradas?Medauar: Parece-me exagerado porque poderia ter havido essas manifestações antes. Antes de haver a ocupação, que se fizessem as manifestações que foram feitas: passeatas, manifestações em frente ao Palácio [dos Bandeirantes, sede do governo paulista], buzinaço, apitaço, panelaço... Vale tudo. Mas não sou muito favorável a que se ocupem prédios públicos, se façam depredações... Violência não combina com nada, muito menos com ambiente de universidade.ABr: O governo tem apontado que os atos dos estudantes têm uma “motivação de natureza política e até político-eleitoral”. Esses atos dos estudantes teriam essa característica?Medauar: Tudo pode ter uma interpretação política, mas quem é político tem que estar acostumado. Quem é político não pode dizer “é político”. Se um governante é político, e em geral é, tem que estar preparado para ocasiões ou eventos que possam até ter conotação política. É possível que haja conotação política, mas o governante tem que saber lidar com isso.