Juliana Andrade
Repórter da Agência Brasil
Brasília - Questões religiosas dificultam a tramitação no Congresso Nacional de projetos para a descriminalização do aborto no país, afirmou a diretora da Federação Internacional de Planejamento Familiar (IPPF, na siga em inglês), Carmem Barroso. A diretora disse que, no que se refere a definição de políticas públicas, a separação entre Igreja e Estado laico"'não está muito estabelecida” no país, o que, na avaliação dela, tem reflexos na atuação dos parlamentares.“O Congresso Nacional infelizmente age muito vagarosamente e muito cautelosamente, para não dizer outra coisa. As perspectivas de aprovação de uma mudança de legislação no Congresso, que eu saiba, não são das mais favoráveis em termos imediatos”, afirmou a diretora.Hoje (30), a federação divulgou relatório apontando as mulheres pobres, jovens e nordestinas como as mais vulneráveis aos abortos clandestinos no Brasil, onde a cada ano ocorrem cerca de um milhão de interrupções de gravidez de forma insegura. Na entrevista para divulgação do relatório, a assessora especial da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres Beth Saar disse que, durante o tempo em que trabalhou no Congresso, tomou conhecimento de pesquisa mostrando que 70% dos deputados baseavam suas decisões em critérios religiosos. “A gente vive num país que tem eleições a cada dois anos e eu vi, já presenciei deputados ameaçando outros deputados, que se votassem alguma coisa próximo a descriminalização do aborto eles denunciariam isso nas igrejas.”O professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Anibal Faúndes acredita que os parlamentares não aceleram a tramitação dos projetos para a legalização do aborto porque “a lei [em vigor] não afeta a eles nem a suas famílias”. “As leis sobre aborto afetam quem não tem dinheiro, não afetam quem tem. Somente as mulheres pobres fazem aborto clandestino de maior gravidade e são as que morrem.”Na entrevista, Carmem Barroso defendeu a realização de um plebiscito para que a população decida se é favorável ou não à legalização do aborto. “Sei que há riscos e apesar dos riscos há também uma oportunidade de avanço. O debate sempre é bom, faz parte da democracia e é essencial para a criação da cidadania.”A diretora da Federação Internacional de Planejamento Familiar destacou que o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, já declararam que o aborto é problema de saúde pública no país e se colocaram a favor do debate. Ela criticou o posicionamento da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) contrário à uma possível legalização do aborto.“Numa sociedade democrática nem eu, nem a Igreja, nem ninguém tem direito de dizer o que você vai fazer com o seu corpo”, defendeu. Carmem Barroso também falou sobre a Política Nacional de Planejamento Familiar, lançada na última segunda-feira (28) pelo governo federal. Uma das medidas é o aumento da oferta de anticoncepcionais nos postos de saúde para mais de 50 milhões de cartelas de pílulas.Para a diretora, as medidas representam um avanço importante, mas ainda não são suficientes. Ela disse que o governo também deveria ter facilitado o acesso ao contraceptivo de emergência, conhecido como pílula do dia seguinte.