Notícias que dão trabalho à leitora

18/05/2007 - 0h21

Paulo Machado
Ouvidor da Radiobrás
Brasília - Fatos têm passado. Quando viram noticia sãocomo uma pequena fotografia da realidade, mas não ocorremisoladamente e têm sempre conseqüências. O fato viranotícia à medida que representa uma ruptura da ordemsocial, o novo, o inédito. Alguns acontecimentos diáriossão considerados notícia segundo critérioseditoriais de cada veículo de comunicação. Ouseja, dependendo da relevância, da abrangência para avida da sociedade ou de uma parcela dela, determinado fato merece sercomunicado a toda a sociedade.A maneira como a imprensa transforma fatos emnotícias tem sido objeto de permanente discussão entrejornalistas, a ponto de constituir categorias de jornalismo:factual ou de processos. Adjetivos à parte, o jornalismotem não só a função de noticiar os fatos,tal como eles ocorrem, mas também de prover o cidadãode informações que possibilitem a compreensão depor que eles ocorrem, quais os interesses que estão em jogo,quais os acontecimentos que os antecederam e impulsionaram (o chamadoprocesso), e quais as perspectivas, ou seja, os possíveisdesdobramentos no futuro.Apresentados dessa maneira, os fatos devem fazersentido para o cidadão se situar em relação aoque se passa no mundo à sua volta, e essa informaçãodeverá auxiliá-lo a tomar decisões de acordo comseus interesses pessoais e coletivos. Mas nem sempre o jornalismocumpre completamente sua função. Às vezes, elesimplesmente noticia o fato sem explicá-lo e sem fornecer asinformações necessárias à suacompreensão. Os fatos, apresentados dessa forma, parecemter ocorrido de maneira mágica, muitas vezes sãotratados de maneira espetacular, e geram impacto, não na vidado cidadão, mas no próprio cidadão, que se senteatônito, pego de surpresa, desinformado.  Por nãoconseguir entender como, nem por que, tal fato aconteceu, muitoschegam a se achar até mesmo inferiores em relaçãoa seus pares no convívio social. Somados, os fatos “mágicos”provocam uma sensação de impotência no indivíduo.Expostos à avalanche de informação factual,muitos se acham ultrapassados ou incompetentes em relaçãoà velocidade de como as coisas acontecem no mundocontemporâneo.Calma leitora, calma leitor, antes de julgar a simesmo, analise a competência de seu interlocutor, no caso, ojornalista, que pode não estar cumprindo completamente suafunção.A competição tecnológicaproporcionou inúmeras maneiras de integrar o mundo a umavelocidade espantosa. Em algumas décadas, a informatizaçãodos meios de comunicação levou as informaçõesa trafegarem na velocidade da luz ou, dependendo do meio, quase isso.O volume de informações disponíveis a cadasegundo é milhões ou bilhões de vezes maior quenossa capacidade de compreensão no período de toda umavida. Essa velocidade e esse volume espantosos também impactamas agências de notícias, que em uma competiçãodesenfreada disputam, a cada segundo, a cada minuto, a cada hora,quem publica mais notícias. Trata-se do jornalismo em temporeal, que advoga para si a capacidade de noticiar os fatos tãologo eles acontecem.Nessa pressa, nessa angústia por vencer acompetição, a qualidade da informaçãogeralmente é prejudicada, se considerarmos as funçõesdo jornalismo expostas acima.Mas as agências, utilizando a tecnologiadisponível, criaram formas de compensar a fragmentaçãoda notícia instantânea com a adição, aagregação de matérias já publicadasreferentes ao mesmo assunto, por meio de links, ou ligações,para matérias anteriores que permitem a leitora ou ao leitorter acesso ao processo histórico, a diferentes pontos de vistasobre o mesmo fato e à perspectiva decorrente daquele fato. Ouseja, navegando pelos links, ocidadão pode completar e complementar sua leitura com asinformações necessárias para compreender oassunto em sua real dimensão, no tempo e no espaço daconjuntura em que o fato noticiado se insere. Isso representa anecessidade de uma mudança de postura dopúblico, adaptando-se às formas virtuais deacesso à informação proporcionadas pelo adventoda internet. Não é mais como abrir uma páginado jornal impresso e encontrar tudo ali, reunido num só espaçofísico.O problema desse tipo de tecnologia équando os links não funcionam ou quando o editor osesquece de agregá-los às matérias, na hora depublicar. Aí a leitora ou o leitor corre o risco de sersurpreendido pelo fato “mágico”, produzido pelo jornalismofactual em tempo real. Esta Ouvidoria recebeu nesta semana umamensagem da leitora Amanda Vieira em que ela afirma: “Na notapublicada no dia 9 de maio, ‘Obras de transposiçãodo São Francisco começam mês que vem, dizcoordenador’, faltou contextualizar o debate que estácolocado em torno dessa obra. Embora a ação noMinistério Público tenha sido mencionada na reportagem,fica a impressão de que é apenas mais uma açãode teimosia do Ministério Público (já que asdemais ações foram derrubadas), e não fruto dosdebates qualificados sobre esse tema.” A leitora sugere que sejafeita uma matéria para explicar “o real alcance da obra doSão Francisco, pois fontes ambientalistas mostram dados quederrubam a proposta e contrariam os argumentos utilizados pelogoverno.”Em resposta à demanda da leitora, a AgênciaBrasil respondeu que eles acompanharam o debate em torno dasobras e veicularam dezenas de opiniões diferentes sobre oprojeto: “Ouvimos autoridades, moradores, integrantes de movimentossociais, pesquisadores e técnicos de órgãospúblicos.” Segundo a redação, além dacobertura factual, que segue naturalmente as novidades, como aconcessão da licença prévia pelo InstitutoBrasileiro de Meio Ambiente (Ibama), em março, e aapresentação das propostas de empresas interessadas naexecução da obra, na semana passada, a coberturaincluiu pautas que resultaram inclusive em duas grandes sériesde reportagem desde 2005, quando o projeto ganhou visibilidade.Concluindo sua resposta, a Agência recomendou que seconsiderasse a leitura cumulativa e o histórico da cobertura.Ou seja, que a leitora seguisse os links e utilizassemecanismos de busca.Na matéria em questão, a açãomovida pelo Ministério Público, longe de parecer“teimosia”, como afirma a leitora, é o contraponto, aopinião contrária que relativiza  a afirmaçãodo coordenador do projeto. Para ele é certo o iníciodas obras no mês que vem, mas a leitora tem na mesma matériaa informação sobre a ação contraditóriado Ministério Público, que interpôs entre acerteza do coordenador e a realidade a objeção jurídicaa que as obras realmente comecem. Assim, a leitora fica sabendo qualé a vontade do governo e que há um movimento contrárioao início das obras, caracterizando pelo menos duas posiçõesem relação ao desenrolar dos fatos.Para saber qual é “o real alcance da obrado São Francisco” a leitora poderá acessar asmatérias linkadas àquela a que a leitora sereferiu. Como essas são relativamente poucas em face douniverso de 440 matérias publicadas sobre o assunto, apenas dejulho de 2006 até agora, a leitora tem ainda à suadisposição o mecanismo de busca da Agência,pelo qual receberá a lista integral do que foi publicado,refletindo o debate anterior e o atual dessa disputa mais que secularentre parcelas da sociedade civil e o governo sobre a transposiçãodo Rio São Francisco. Ao lado da matéria, a leitoraainda dispõe também de informaçõesvisuais e esquemáticas sobre essa polêmica,representadas em  mapas e pequenos textos reunidos em gráficosinformativos e ilustrativos publicados na página da Agência– os infográficos.A referida matéria, por não abordaro contexto em que os fatos ocorrem nem a referência ao processohistórico em curso deu um pouco menos de trabalho àredação da Agência Brasil e dará umpouco mais de trabalho à leitora que quiser se inteirar sobreo assunto. O fato de a tecnologia disponível permitir acesso aingredientes fundamentais da informação por meio delinks, infográficos e mecanismo de busca nãoisenta a Agência de se aprofundar na questão.Mas, no caso, quem deverá completar o trabalho do jornalismoem tempo real será a própria leitora. Quem nãotiver tempo para isso, ou não quiser se dar esse trabalho,ficará apenas com a “magia” do fato. Até a próxima semana.