O que existe é uma confusão entre os conceitos público e estatal, diz ombudsman da Folha

22/03/2007 - 20h45

Sabrina Craide e Aloisio Milani
Repórteres da Agência Brasil
Brasília - O jornalista Marcelo Beraba, atualmente o ombudsman do jornal Folha de S.Paulo, concedeu uma entrevista para falar sobre sua experiência à frente deste cargo e qual a relação do cargo com a melhoria da qualidade das notícias. Nesta semana, a Radiobrás também amplia o trabalho desenvolvido por sua ouvidoria, que ganha espaços semanais na Agência Brasil, TV Nacional e Rádio Nacional para analisar a cobertura jornalística, a partir das demandas dos cidadãos.Segundo ele, a caracterização real de um ombudsman, responsável por intermediar sugestões e críticas dos leitores com a redação, demanda esse espaço público nos veículos. E que seja ocupado de maneira "autônoma" e "independente". "A nossa função é servir de intermediação entre a redação e os leitores que se sentem prejudicados pela qualidade de informação a que estão tendo acesso", explica Beraba."Para você caracterizar realmente um ombudsman é necessário, além de fazer a intermediação entre o leitor e a organização, é necessário que você tenha um espaço publico próprio, autônomo e independente, para colocar essas queixas, as propostas, sugestões e a sua crítica. O grande mérito desse passo que a Radiobrás está dando é tornar público, e em vários canais diferentes, isso é inédito realmente, em rádio, televisão e na própria Agência Brasil, tornar público esse trabalho do ombudsman. Fazer com que ele também se exponha publicamente e possa ser avaliado e criticado", avalia. Leia a seguir mais principais trechos da entrevista:Agência Brasil: O que diferencia o trabalho do ombudsman? Por que um jornalista que trabalha no veículo fazendo, por exemplo, crítica das matérias internamente não pode ser considerado um ombudsman?Marcelo Beraba: Tem um aspecto da função de ombudsman que é muito importante. Por que nem todos os profissionais que cumprem tarefas internas de críticas ou de auto-crítica são considerados ombudsman? Porque há uma definição da Organization Of News Ombudsmen, organização internacional que congrega ombudsmen de notícias de empresas de comunicação do mundo inteiro, de que, para você caracterizar realmente um ombudsman é necessário, além de fazer a intermediação entre o leitor e a organização, é necessário que você tenha um espaço público próprio, autônomo e independente, para colocar essas queixas, as propostas, sugestões e a sua crítica. Então, o grande mérito desse passo que a Radiobrás está dando é tornar público, e em vários canais diferentes, isso é inédito realmente, em rádio, televisão e na própria Agência Brasil, tornar público esse trabalho do ombudsman, fazer com que ele também se exponha publicamente e possa ser avaliado e criticado.ABr: O que você acha do fato de uma empresa publica de comunicação como a Radiobrás ter uma ouvidoria, e ampliar seu trabalho em colunas semanais. Qual a sua avaliação?Beraba: Acho positivo. Tem um aspecto dessa experiência que é interessante de ser acompanhado porque está se trilhando um caminho híbrido, vamos dizer assim. O que na minha opinião deveria acontecer de fato, e por trás dessa discussão toda que nos estamos tendo hoje sobre a proposta do Ministério das Comunicações da criação de uma rede pública, é que há uma confusão muito grande entre o que é uma rede pública, o que é uma rede estatal. O que é um jornalismo público e o que é um jornalismo estatal. E a distinção disso em relação ao privado.Nós temos no Brasil, com a Radiobrás e o sistema todo em torno, o que nos temos na verdade é uma rede estatal. Por que eu acho isso? Porque você não tem definido, com garantia definida, contratual, a autonomia e independência que essa rede deveria ser. Portanto, ao não ter essa garantia, ela tanto pode um uso autônomo, independente, como ela pode ter um uso meramente de chapa-branca, de reprodução da publicidade oficial ou dos interesses oficiais do governo de turno.Então, o fato de não ter isso garantido, na minha opinião, é um problema sério. Mas há de se reconhecer que há um esforço grande para, independentemente de não se ter essas garantias legais ou constitucionais, haver uma tentativa de transformá-la numa rede pública e não apenas estatal. É um desafio muito grande, muito difícil e que eu acho que a ampliação das funções e da visibilidade da ouvidoria é um sinal extremamente positivo.Considero que para uma empresa jornalística ter de fato ombudsmen independentes, autônomos, com todas as garantias, etc, exige-se dois pressupostos. O primeiro pressuposto é estar muito claro para a audiência, seja telespectador, rádio, jornal, leitor, etc, estarem muito claros os valores éticos que aquela empresa adota. Não adianta adotar internamente, tem que ser exposto através de um manual, um código de ética, um projeto editorial. Isso tem que ficar muito claro para que as pessoas saibam com clareza que responsabilidades e que compromissos estão sendo assumidos por aquela empresa publicamente, para poder cobrá-los.O segundo pressuposto para se ter um ombudsman é ter uma vontade editorial. Isso se refere, evidentemente, a empresas privadas. No caso de uma empresa pública, eu acho que, além de uma vontade editorial, que é o que tem sido demonstrado nessa última gestão, com o Eugênio, é necessário, no caso de empresa pública, de que isso também tenha uma base legal, uma garantia legal, que é o que acontece com redes públicas que a gente considera que tem alguma  credibilidade, algum valor, etc, em paises como é o caso da Inglaterra, com a BBC ou a PBS dos Estados Unidos em que você tem uma legislação que garanta isso. Então, embora a Radiobrás esteja dando um grande passo com essa iniciativa e tem dado grandes passos nos últimos anos, eu acho que  é necessário que isso tudo fique formalizado em termos de legislação. Porque se não fica algo que hoje a gestão gosta e mantém, amanhã não gosta e acabou.