Ministério Público localiza, no Rio, homens submetidos a trabalho degradante

21/03/2007 - 18h56

Adriana Brendler
Repórter da Agência Brasil
Adriana Brendler - Uma operação conjunta do Ministério Público do Trabalho (MPT) e Delegacia Regional do Trabalho no Rio de Janeiro flagrou na última segunda-feira (19) cerca de 40 homens submetidos a condições degradantes de trabalho na capital fluminense. Hoje (21), os trabalhadores prestaram depoimento na Procuradoria do Trabalho da 1ª Região. Segundo o MPT, os trabalhadores são de Guariciaba do Norte, interior do Ceará, e contratados pela empresa Marques Vieira Conservação e Limpeza, que presta serviço a seis companhias de ônibus urbanos do Rio.Os trabalhadores foramencontrados em dois alojamentos no bairro Cosmos, zona oeste do Rio,a partir de uma denúncia feita ao MPT em janeiro deste ano. Aoinspecionar o local, procuradores e fiscais do Trabalho constataramvárias irregularidades em relação a leistrabalhistas e à moradia funcional.De acordo com o relatodo chefe da Fiscalização do Trabalho no Rio de Janeiro,Marcos Guerra, um dos alojamentos - uma casa com dois quartos,cozinha e banheiro - abrigava 29 homens em beliches com trêscamas distribuídas num espaço de oito metros quadrados.Segundo ele, as camas eram os únicos móveis da casa.Além de mau cheiro e sujeira, não havia águapotável, nem ventilação no local. Tambémfoi constatada a presença de ratos. “O alojamento éo pior que eu já vi nestes três a quatro anos que estouno grupo móvel de fiscalização”, declarouGuerra.Entre asirregularidades trabalhistas apuradas na vistoria estão ajornada excessiva de trabalho, que chega a 12 horas, e descontosirregulares no salário relativos a uniformes, material desegurança individual e às passagens de ônibus quetrouxeram os trabalhadores para o Rio.Apesar dos empregadostrabalharem com carteira assinada, tanto as horas extras como osdescontos não constavam nos contracheques, informou o chefe dafiscalização. Segundo a procuradorado Trabalho Lisyane Motta, apesar da fachada de legalidade, asituação pode ser considerada semelhante à detrabalho escravo uma vez que o grande volume de descontos nossalários reduzia tanto a remuneração dostrabalhadores que os impedia de retornarem ao seu local de origem.Para a procuradora, não há dúvidas sobre ascondições degradantes a que a empresa submetia osfuncionários. Disse porém que só no final dosdepoimentos será possível determinar se a situaçãoconfigurava trabalho escravo. “As circunstâncias vistasno local sem dúvida configuram condiçõesextremamente desumanas, degradantes. O que nos preocupa é comoconfigurar o trabalho análogo ao escravo porque existe umacapa de legalidade – carteira assinada, recolhimento de FGTS,contratos regulares com as empresas tomadoras de serviço. Essemanto legal esconde uma situação real de condiçõesanálogas ao trabalho escravo”Segundo depoimentos dostrabalhadores ao Ministério Público, a práticade arregimentar trabalhadores no Ceará para atividades ligadasà limpeza de ônibus já existe desde 1979. JoséLuis Araújo, 24 anos, um dos trabalhadores que depôshoje no Ministério Público, disse que a realidade queencontrou no Rio de Janeiro foi bem diferente do prometido na suacidade, em Croatá (CE), onde aceitou o trabalho. “A gentevem de lá para cá para trabalhar, mas quando chega aquié tudo diferente. A gente sofre muito na casa, ninguémquer ficar, tá todo mundo revoltado”. João Soares, 28anos, também se queixou das condições detrabalho que enfrenta. “A gente trabalha de seis das tarde àsseis da manhã, e quando chega pra dormir não tem camasuficiente. A gente recebe, mas tem muito desconto, eu nem seiexplicar, um mês vem um tanto e no outro vem outro”.As instalaçõesinspecionadas na segunda-feira ficavam a menos de dois quarteirõesda garagem da empresa de ônibus Expresso Pégaso, onde ostrabalhadores realizavam o serviço. De acordo com aprocuradora Lisyane Motta “não é possível quejamais um empregado da empresa tenha sabido notícias dascondições de trabalho daqueles empregados que vieram doNordeste”.Lisyane Motta informoua inspeção realizada esta semana faz parte de umainvestigação que envolve também as outras cincoempresas de ônibus que mantêm contratos com a prestadorade serviço e que as investigações vãocontinuar inclusive em alojamentos mantidos por essas empresas. Osetor jurídico da Expresso Pégaso não quis seposicionar sobre o assunto uma vez que os trabalhadores nãotinham vínculo empregatício com a empresa.Representantes daempresa Marques Vieira Conservação e Limpeza quecompareceram hoje para dar esclarecimentos ao MinistérioPúblico não quiseram atender a imprensa. O advogado quedefende a empresa, Sílvio Alves da Cruz, disse que a empresaainda não foi responsabilizada formalmente por nenhumairregularidade.