Mylena Fiori
Repórter da Agência Brasil
Brasília - As circunstâncias que podem levar à efetiva ampliação doConselho de Segurança das Nações Unidas são o tema do último trecho daentrevista do subsecretário-geralde Assuntos Políticos do Ministério das Relações Exteriores, Antonio de AguiarPatriota, à Agência Brasil. Para ele, o que está em jogo é alegitimidade do órgão responsável pela preservação da paz e da segurançamundial. Essa foi a primeira vez que ele falou à imprensa depois da confirmação de seu nomecomo embaixador do Brasil nos Estados Unidos.Agência Brasil: Nos últimos 45 anos, não foipossível qualquer reforma na ONU. As condições mudaram?Antoniode Aguiar Patriota: O tema é interessante, está em pauta há muitos anose existe uma certa frustração com a ausência de resultados de nossa parte e demuitos outros que gostariam de ver a reforma realizada no mais curto prazo. Masdevemos considerar, também, que a atuação de países como Brasil e Índiaconseguiu evitar reformas que fossem prejudiciais aos interesses de países emdesenvolvimento, isso é uma coisa muito importante. O aparente zero a zero nojogo é um resultado até certo ponto favorável, porque poderia ter sido dois azero contra os interesses dos países em desenvolvimento. ABR: Que tipo de retrocesso foi evitado?Patriota: Nos anos 90, chegou-se perto deum tipo de reforma que só incorporaria novos países desenvolvidos ao núcleo demembros permanentes: Japão e Alemanha. Foi graças a uma atuação muito firme depaíses como Índia, Brasil, africanos e outros do mundo em desenvolvimento quese evitou esse desenlace. Antes de mais nada, a atuação brasileira é orientadapelo interesse em assegurar que a reforma do Conselho se dê em conformidade como próprio mandato que preside o tema da reforma, e o mandato fala danecessidade de que a reforma seja eqüitativa e equilibrada em termos geográficos.Uma reforma que só incorpore países desenvolvidos ao grupo de membrospermanentes não será nem eqüitativa nem equilibrada. O fato de termos evitadoisso já é, em si mesmo, um resultado que não é aquele que desejaríamos, mas éimportante e não negligenciável. Discute-se há muito tempo, o assunto continuaem pauta, existe um interesse grande pela matéria de uma maioria da comunidadeinternacional e temos que ficar atentos porque, num dado momento, poderão dar-seas circunstâncias propícias - e acreditamos que elas acontecerão - para areforma que desejamos.ABR: Que circunstâncias são essas e do que dependem,concretamente?Patriota: Depende de se angariar umamaioria de mais de dois terços na Assembléia Geral da ONU a uma resoluçãoespecífica propondo um projeto de ampliação do Conselho.ABR: O desfecho da invasão do Iraque pelos EstadosUnidos não mobiliza forças por uma reforma na ONU?Patriota: Eu acredito que sim e ainda diriamais. Estive presente à Cúpula dos Países Não-Alinhados, em 2006, em Havana.Havia um grupo muito representativo de chefes de Estado do Oriente Médio, daÁfrica, Ásia e América Latina. O Brasil não é membro do movimento não-alinhado,mas é observador e acompanha e foi muito interessante observar as intervençõesdos chefes de Estado. Uma tônica das intervenções foi a frustração com ainoperância das Nações Unidas em relação à guerra que opôs o Hezbollah eIsrael, a demora em se obter um cessar fogo [o confronto começou em meados dejulho e apenas no dia 11 de agosto, após mais de mil mortes, o Conselho deSegurança aprovou uma resolução que pedia o fim dos confrontos e a retirada dastropas israelitas do Líbano, e autorizava o envio de 15 mil soldados de umaforça de paz das Nações Unidas]. Essa frustração, esse sentimento de que oConselho não funciona da maneira mais adequada, inclusive porque arepresentação do mundo em desenvolvimento não é adequada, é muito disseminadano mundo de hoje. Isso levou muitos países, na Cúpula do Movimento dos Não-Alinhados,a defender uma reforma do Conselho de Segurança de modo a incluir umarepresentação mais adequada, mais afirmativa dos países em desenvolvimento.ABR: A ampliação do Conselho de Segurança teriarepresentado desfechos diferentes na guerra entre Israel e Líbano e na invasãodo Iraque pelos Estados Unidos?Patriota: Poderia ter sido diferente. Mascomo disse recentemente a chanceler da África do Sul, já não é aceitável que onúcleo de membros permanentes delibere sobre questões do Oriente médio e daÁfrica, que compõem o maior número de casos no Conselho de Segurança, sem umaparticipação mais efetiva de países dessa região, de países em desenvolvimentode uma forma geral. Acho que o Brasil tem uma contribuição muito grande a dartambém neste sentido. É uma questão até mesmo de credibilidade, de legitimidadedas decisões adotadas pelo órgão. O processo não seria necessariamente maisfácil. Muitas vezes se comenta que com o número maior de membros no Conselho deSegurança. talvez ele fique mais lento e isso dificulte a tomada de decisões.Não excluo a hipótese de que seja até difícil chegar a decisões num Conselho de24 ou 25 membros, mas democracia é assim mesmo. Quando temos um país ondeapenas uma pessoa toma as decisões, países sob regimes ditatoriais, as decisõessão muito ágeis e rápidas. Quando a gente tem um verdadeiro processodemocrático, representativo e legítimo, as decisões às vezes demoram, masquando são adotadas, vêm com esse carimbo de legitimidade, que é muito importante.ABR: Na sua avaliação, as Nações Unidas estão perdendolegitimidade em razão da atuação do Conselho de Segurança?Patriota:Acho que, em alguma medida, sim. Não diria, como alguns analistas, que oConselho de Segurança já não é mais levado a sério, que se tornou um órgãoirrelevante. É interessante observar que, embora a intervenção no Iraque tenhasido levada a cabo sem autorização do Conselho de Segurança, logo em seguida osEstados Unidos, e a coalizão por eles comandada, buscou legitimação do Conselhode Segurança para todo o processo de transferência de poder para os iraquianos.De modo que o Conselho de Segurança é considerado indispensável, hoje, mesmopor aqueles que poderiam, por força de seu poderio militar, econômico etc,desconsiderar as suas decisões. Isso é uma demonstração da força do Conselho deSegurança. Em outras situações, vemos que o conselho, de fato, estáenfraquecido. Houve um episódio interessante nos anos 90, em que os países daUnião Africana decidiram não mais observar as sanções que eram impostas à Líbiaporque consideravam que elas não se justificavam mais, eram injustas. Sehouvesse, por exemplo, um membro permanente africano no Conselho, acho que issonão teria acontecido. Os africanos se sentiriam mais obrigados a observar adecisão do Conselho naquela época, que era de manter as sanções contra a Líbia.[Em 1992, o Conselho de Segurança da ONU impôs sanções econômicas à Líbia porenvolvimento em ataques terroristas].