OMC não deve ser prioridade de governo, defendem estudiosos e ativistas

14/09/2006 - 14h08

Mylena Fiori
Repórter da Agência Brasil
Brasília - Acordos bilaterais, negociações com outros países do Sul do planeta ou retomada de negociações de livre comércio com os Estados Unidos. Essas são três alternativas que o próximo presidente terá para negociar na área de comércio exterior, segundo especialistas ouvidos pela Agência Brasil.De acordo com eles, em qualquer um dos casos, o governo que assumirá no próximo 1º de janeiro deveria retirar as negociações na Organização Mundial do Comércio (OMC) da lista de prioridades. A Rodada Doha, série de negociações iniciada em 2001, não chegou a nenhum consenso e foi suspensa este ano. A OMC espera retomar as conversas sobre o acordo no início do ano que vem.Os especialistas ouvidos pela Agência Brasil acreditam que o próximo governo não deve aguardar a conclusão desse acordo multilateral, que envolve os 149 membros da OMC.“É um caminho que está sendo tentado há dez anos sem êxito, em grande parte por culpa da União Européia e dos Estados Unidos, que não estão dispostos a oferecer nada em matéria agrícola”, analisa Rubens Ricupero, ex-secretário-geral da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (Unctad).“Esperaria que num próximo governo abríssemos novas alternativas regionais e bilaterais”, afirma Marcos Jank, presidente do Instituto de Estudos do Comércio e das Negociações (Ícone). “O mundo está caminhando muito rápido nesta esfera e, se o Brasil não fizer acordos e outros países fizerem, corremos o risco de sofrer desvio de comércio e investimentos”.Embora afirme que a Área de Livre Comércio das Américas (Alca) seja um projeto “enterrado” tanto pelo Brasil como pelos Estados Unidos, Marcos Jank acredita ser importante apostar naquilo que chama de uma agenda comercial hemisférica. “Existe a necessidade de acordos mais abrangentes nas Américas, seja um acordo hemisférico global, seja um acordo da América do Sul ou da América Latina”.Já Ricupero acredita apenas em acordos limitados com Estados Unidos e União Européia. “A área do etanol ou do álcool como combustível pode oferecer uma base de avanço”, exemplifica. O embaixador brasileiro sugere privilégio para a busca de acordos com países latino-americanos, como México, Peru e Colômbia.“O que devemos visar é obter, deles, o mesmo tratamento que eles deram aos Estados Unidos. É claro que, para isso, teremos que dar em troca algum benefício no nosso mercado”, diz. O embaixador também acha importante concluir negociações com a África do Sul, tentar expandir o acordo já existente com a Índia e explorar as possibilidades do sudeste asiático e da Rússia. “Há muita coisa que se pode fazer de maneira realista”.“Não vejo muito uso em tratados de livre comércio com EUA e União Européia neste momento”, afirma Mário Ferreira Presser, coordenador do curso de Diplomacia Econômica da Universidade de Campinas (Unicamp). Segundo ele, após a “falência da Rodada Doha” esses países estão tentando acordos regionais, “nos quais não farão concessões significativas”.“Os grandes países do Sul – Brasil, África do Sul, Índia, China, Argentina – terão que bolar uma solução alternativa à falta de cooperação internacional”, considera Presser. “Se não tem o multilateralismo, o que se tem no médio prazo? Acordos regionais de preferência entre os países do Sul. Não é a melhor resposta, mas é a que nos resta”.As organizações sociais concordam com a retirada da OMC do centro dos interesses brasileiros em política externa. Mas por outros motivos. “A gente não quer que nenhum tipo de negociação seja feita em detrimento do trabalho e dos direitos dos cidadãos brasileiros”, enfatiza Iara Pietricovsky, da Rede Brasileira de Integração dos Povos (Rebrip). A rede reúne organizações sociais que acompanham as negociações de política externa. O principal temor da Rebrip é que, para conseguir que a União Européia reduza tarifas de comércio agrícola, o Brasil aceite baixar a proteção à indústria nacional. “Gostaríamos que o Brasil valorizasse o parque industrial e não vendesse a nossa possibilidade de fazer uma política industrial que gere emprego.”A sociedade civil organizada também defende a proteção de setores essenciais na área de serviços. “É importante proteger educação, água, saúde. Isso está sendo negociado na OMC como uma mercadoria. Daqui a pouco só os que têm dinheiro é que vão acessar”, diz Iara.Outra demanda, segundo ela, é que o governo brasileiro mova uma ação para retirar da OMC as negociações de propriedade intelectual (TRIPs, pela sigla em inglês). Isso possibilitaria a quebra de patentes de medicamentos essenciais.