Spensy Pimentel
Repórter da Agência Brasil
Porto Alegre (RS) - Investigações por desvio de verbas, acusações de uso de caixa 2 ou de populismo no uso do dinheiro público. A disputa pelo comando do grêmio estudantil do Colégio Estadual Júlio de Castilhos, o maior do Rio Grande do Sul, reproduz, em microescala, diversos debates atuais na política nacional. O grêmio do Julinho, como é chamado pelos alunos o centenário colégio de 3,6 mil alunos, passou, em 2005, por uma virada histórica. Pela primeira vez desde a redemocratização do país, as eleições no colégio foram vencidas por um grupo de estudantes ligados a um partido de fora da esquerda, o PMDB. Trata-se de uma virada para um grêmio fundado por Leonel Brizola (1943), integrante da campanha "O Petróleo é Nosso" (anos 50), fechado durante a ditadura militar (1968) e considerado referência na formação política de gerações no estado. Desde 2003, as gestões anteriores, que representavam uma continuidade, com integrantes ligados ao PT e ao P-SOL, entre outros partidos de esquerda, se fragmentaram. A situação reproduziu o que aconteceu no plano nacional, com a expulsão de militantes petistas que fundaram o P-SOL. Esse processo enfraqueceu o campo da esquerda nas disputas no colégio. Em paralelo, o grêmio enfrentou uma crise ética. Um ex-tesoureiro da entidade passou se negou a prestar contas à diretoria, e a presidente, Thais Lopes, 19 anos, renunciou ao cargo, em protesto.Uma comissão fiscal foi formada, o tesoureiro foi expulso da diretoria, mas, até hoje, não se conseguiu apurar quanto dinheiro foi desviado. A decorrência, como conta Thais, foi a desmoralização da entidade: "Muita gente não entendeu o que se passou, não viram que era uma pessoa a responsável, generalizaram". Em 2001, um ex-presidente do grêmio já havia sido investigado pelo desvio de R$ 10 mil. O dinheiro que circula pelos cofres "públicos" do grêmio é basicamente o das carteirinhas de estudante, que dão direito a descontos no transporte público e em cinemas, por exemplo, e são fornecidas pelas entidades estudantis. Este ano foram feitas cerca de 1,8 mil carteiras, cobrando-se R$ 3 por cada uma. José Francisco Vieira de Moura, 18 anos, é um dos integrantes da chapa vencedora nas eleições que se realizaram em novembro de 2005. Ele conta que, no início, a tarefa de conquistar o grêmio era considerada "quase impossível".O grupo realizou uma campanha baseada em "propostas concretas". "Acho que isso cativou os alunos. O pessoal estava cansado e o grêmio tinha perdido o respeito dos estudantes", diz ele. Hoje, o estudante conta que o grêmio está em boa situação, com os cofres cheios, e por isso tem promovido eventos como shows e campeonatos esportivos.Essa orientação é criticada por Thaís: "O grêmio não foi criado só para promover festas. Nosso grêmio tem história, foi fechado na ditadura. Era preciso honrar essa história." A luta durante a campanha também gera acusações mútuas. Para Thaís, a chapa vencedora fez uma campanha "despolitizada" e "mascarada"."Eles não disseram realmente quem apóiam", argumenta, em referência à ligação com o PMDB. Uma parte da atual diretoria se transferiu, há alguns meses, para o PP. Segundo José Francisco, o partido ofereceu dinheiro em troca da transferência porque estava interessado em formar uma juventude partidária. Já José Francisco diz que os adversários ligados aos partidos de esquerda promoveram uma campanha com muito mais recursos, distribuindo adesivos e camisetas, por exemplo, dizendo, ao mesmo tempo, que não tinham ligação com partidos. "A gurizada não é boba, percebeu que tinha alguém por trás", afirma ele. O eleitorado do Julinho deverá julgar quem tem razão no próximo mês de novembro, quando acontecem novas eleições. Enquanto isso, uma unanimidade, entre oposição e "governo", é a sensação geral de desencanto com a política entre os alunos. "A gente tenta passar alguma coisa para os alunos, mas eles acham que política é só corrupção, só roubar. Até interesse pelo grêmio poucos têm, acham que é tudo uma farsa", diz José Francisco. Para Thaís, a popularidade da novela "Malhação", da TV Globo, entre os alunos, é um símbolo da indiferença dos estudantes em relação à política. "O 'mensalão', esses escândalos todos ajudaram a aflorar isso nas pessoas." Thaís já terminou o ensino médio no ano passado, tentou o vestibular para Ciências Sociais na universidade pública, mas reprovou. Atualmente, ela trabalha com telemarketing, diz não ter vinculação partidária, mas é simpatizante da esquerda. José Francisco faz o último ano do ensino médio no período noturno no Julinho e se prepara para tentar uma vaga no curso de Direito. Ele é filiado ao PMDB e trabalha atualmente na empresa pública de transporte Carris, num cargo comissionado (por indicação política).