Adriana Brendler
Repórter da Agência Brasil
Rio - Durante uma semana, cerca de 2 mil africanos e afro-descendentes trocaram experiências e informações na 2ª Conferência de Intelectuais da África e da Diáspora, realizada em Salvador (BA). O encontro terminou no sábado (15), mas as parcerias estabelecidas a partir dele ainda devem render muitos benefícios para os dois lados do Atlântico.
Em entrevista à Agência Brasil, o embaixador brasileiro Luiz Felipe de Macedo Soares, coordenador internacional da conferência e representante permanente do Brasil na Unesco, destacou a importância simbólica do evento na capital baiana.
Para ele, ampliar o contato das comunidades de origem africana com a África fortalece identidades e abre um novo canal de cooperação que não depende apenas de governos. Leia, a seguir, trechos da entrevista concedida pelo embaixador.
Agência Brasil: Como o senhor avalia a 2ª Conferência de Intelectuais da África e da Diáspora?
Luiz Felipe de Macedo Soares: É a primeira vez, fora da África, que se faz uma conferência sobre a África e a diáspora [a primeira conferência foi no Senegal, em 2004]. É o encontro da África com a sua diáspora – da África que está na África e a África que está fora dela, em países que receberam grandes contingentes de africanos durante a escravidão e migrações. Os intelectuais buscaram propostas nas mais diversas especialidades, em 24 reuniões e três mesas-redondas, que trataram de temas como literatura, medicina, ciência, economia, história, religião. Foi uma espécie de universidade compacta, porque tivemos professores de uma variedade enorme de países africanos e da diáspora. Além disso, uma conferência é um momento de encontro, quem esteve aqui vai levar para seus locais de origem o que ouviu sobre as outras realidades.
ABr: Quais são as perspectivas a partir desse encontro?
Macedo Soares: Colocar essa diáspora, essas comunidades de origem africana, em contato com a África significa fortalecê-las, significa dar a elas uma consciência maior da sua personalidade, do seu valor. E ao mesmo tempo, ao conhecerem mais a África, elas passam a se interessar e podem dar uma contribuição muito grande para resolver os problemas da África que são muito sérios, um continente que não conseguiu ainda se recuperar do período de espoliação, que foi a colonização. Esse encontro poderia ser uma conferência de governos, de estado, mas só é possível, na minha opinião, que esse processo comece pelos intelectuais, não deve começar pelos governos.
ABr: E os brasileiros, como estão nesse contexto?
Macedo Soares: No Brasil, as comunidades têm crescentemente, há várias décadas e isso se vê muito na Bahia, principalmente na religião afro-brasileira, uma consciência de uma origem de uma cultura ancestral. Ao observar índices de educação salário, saúde, nós vamos ver que há sempre uma diferença desfavorável em relação a eles (afrodescendentes no Brasil), mas não é só isso. As pessoas buscam uma identidade. Para quem vive isso no seu dia-a-dia, ter clareza da sua personalidade, da sua família, seus ascendentes, é muito importante. Para a África, a idéia de que existe uma grande população africana espalhada pelo mundo e para essa população como, por exemplo, a do Brasil, a idéia de que existe a África, uma espécie de segunda pátria, é muito bom.
ABr: Quais são as estratégias de cooperação do governo brasileiro com a África?
Macedo Soares: Hoje, o tipo de cooperação que se faz, que certamente vai gerar conseqüências importantíssimas, é na área da agricultura. Estamos abrindo em Gana uma sucursal da Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária] para a África. Ao invés de virem só profissionais africanos aqui fazer cursos, desenvolvemos projetos em vários países na África, levando tecnologia, E podemos fazer, como estamos fazendo com os países africanos de língua portuguesa na área de educação: bolsas de estudo, cursos. Há ainda um trabalho intenso que tem se tornado possível pelo aumento da presença do estado brasileiro na África através de um número crescente de embaixadas. Até o final do ano esse número deve se elevar a 30 embaixadas. Poucos países do mundo têm tantas representações na África.
ABr: A conferência foi organizada pelo governo brasileiro em parceria com a União Africana (entidade que reúne 53 países africanos). Essa relação saiu fortalecida?
Macedo Soares: Certamente. Nós reabrimos depois de mais de 30 anos nossa embaixada em Adis-Abeba, na Etiópia, que é a sede da União Africana. Ela é uma solução para que os países se unam, não se tornem um só país, mas que pouco a pouco se tornem uma federação. Algo como os Estados Unidos da África. Mas esses processos são longos e difíceis e são dificultados por processos de natureza econômica.
ABr: Em termos comerciais e políticos, muda alguma coisa? O Brasil pode começar a fazer seus acordos junto à África via União Africana ou permanece tendo essa relação país a país?
Macedo Soares: Não. A União Africana ainda está caminhando. É um processo. Por isso, ainda é essencial a relação bilateral.