Presidente interino da AEB lembra que desde 1961 Brasil investe em pesquisas espaciais

30/03/2006 - 2h48

Alessandra Bastos
Repórter da Agência Brasil

Brasília - Minutos antes da decolagem da nave russa Soyuz TMA-8 da Base de Baikonur, no Cazaquistão, ontem (29) à noite, o presidente interino da Agência Espacial Brasileira (AEB), Himílton Carvalho, conversou com a Agência Brasil sobre as expectativas da equipe com a primeira viagem de um brasileiro ao espaço. Ele disse que desde 1961 o Brasil investe em pesquisas e no desenvolvimento de tecnologia espacial. Atualmente, são destinados à área US$ 100 milhões por ano. Carvalho contou como é aplicado esse dinheiro e falou dos experimentos que o astronauta Marcos Pontes está levando ao espaço.

Agência Brasil: Esta é a primeira vez que um brasileiro vai ao espaço, mas há quanto tempo começou a preparação?
Himílton Carvalho: O programa começou em 1961 com a criação da Comissão Nacional de Atividades Espaciais. Logo depois do primeiro astronauta ser lançado, o Brasil entendeu que a atividade espacial tinha que ser uma atividade de governo. A partir daí, começou a criar toda uma infra-estrutura e a se preparar com a capacitação de pessoal para a área. Fomos o terceiro país a receber imagens de sensoriamento remoto, imagens de satélite [em 1971, depois de Estados Unidos e Canadá]. Hoje temos uma grande estrutura em laboratórios de testes, bases de lançamento, dois satélites de coleta de dados em funcionamento, dois grandes satélites que fazem imagens da terra em cooperação com a China, que já distribuíram mais de 160 mil imagens gratuitamente, mostrando que existe uma demanda grande por informação de satélites. Há também os grandes projetos de autonomia no acesso ao espaço, o VLS e o Cruzeiro do Sul.

ABr: O Brasil está indo agora para o espaço em um acordo com a Rússia. O senhor citou um satélite brasileiro feito em cooperação com a China. Há também um foguete que está sendo construído em parceria com a Ucrânia. Como funcionam, na prática, os acordos?
Carvalho: A atividade espacial é, em geral, muito cara e envolve muito risco. [Em 2003, 22 pessoas morreram em acidente na base brasileira de Alcântara, no Maranhão]. Uma maneira de repartir os custos e mitigar e reduzir esse risco é que os projetos sejam divididos entre os países, em acordos de cooperação. A base de Alcântara é uma, senão a melhor, localização do mundo para se lançar satélites [a base fica a dois graus do Equador]. A própria estação espacial é um grande projeto de cooperação, envolvendo Estados Unidos, Japão, Canadá, a Agência Espacial Européia e o próprio Brasil. A cooperação é sempre necessária nesses grandes empreendimentos que são muito custosos e muitas vezes arriscados.

ABr: A base de Alcântara vai mesmo voltar a funcionar no ano que vem?
Carvalho: Provavelmente até meados do ano que vem a torre de lançamento vai estar reconstruída. [A torre foi destruída no acidente de 2003]. Até o final do ano que vem ou, no máximo, em 2008, teremos o primeiro lançamento de teste de foguete. E esperamos também, na mesma época, concluir as obras relativas ao acordo com a Ucrânia para tentar lançar também o foguete ucraniano por essa época.

ABr: Onde se encaixa a primeira viagem de um brasileiro ao espaço. De que forma isso pode ajudar o Programa Espacial Brasileiro?
Carvalho: A Agência tem, por meio de um programa chamado "Microgravidade" [gravidade próxima de zero], preparado a comunidade científica para a utilização da Estação Espacial Internacional. Isso é a realização de toda essa atividade que vem sendo trabalhado há muito tempo. Ele vai levar oito experimentos. O resultado deles terá aplicações muito terrenas. O experimento com proteínas vai servir para o desenvolvimento de medicamentos de rápida absorção e atuação. O de enzimas vai servir para a criação de reatores de geração de energia mais eficientes. O experimento com germinação de sementes vai servir para o estudo do metabolismo dessa germinação, que pode ajudar o aumento da produção de sementes aqui na terra. Há também estudos de calor que vão servir para a indústria fazer equipamentos para a área espacial, como satélites. Há ainda um estudo sobre os danos que o ambiente espacial causa no DNA, voltado para os homens que vão ficar longo tempo no espaço.

ABr: Há também dois experimentos de estudantes?
Carvalho: Sim. Um de germinação de grãos de feijão, como se faz na escola plantando grãos no algodão. Eles vão comparar os grãos crescidos aqui na terra com os grãos crescidos no espaço. O segundo é um experimento voltado para a clorofila e suas reações em um ambiente de microgravidade. Os resultados não vão ser tão importantes quanto os outros. Mas é uma maneira de atrair a atenção da juventude para essa conquista espacial, mostrar que podemos sonhar em mandar experimentos pro espaço, sonhar em ser astronautas. E essa capacidade de sonhar é algo que aumenta a qualidade de vida de uma nação, de um povo. Queremos trazer esses jovens e essas futuras gerações que vão nos substituir daqui a pouco na conquista espacial.

ABr: Dá pra prever em que as experiências e a microgravidade estarão sendo usadas na prática daqui a uns anos? Que áreas já estarão usando o resultado dessas pesquisas?
Carvalho: Já dá para imaginar bastante coisa. Em medicamentos, fármacos. Num futuro mais distante, as próprias estruturas espaciais, como laboratórios e foguetes de grandíssimo porte, vão ser construídos no espaço. Fica mais fácil. As partes vão ser enviadas ao espaço e a partir de lá os foguetes vão ser lançados.

ABr: Imagino que muitos países queiram mandar seus astronautas. Como o Brasil conseguiu estar nessa viagem? O que significa essa vitória para o país?
Carvalho: Primeiro veio a decisão do Brasil de participar do Programa da Estação Espacial, que envolve os maiores atores do cenário espacial internacional. Tomada essa decisão, em 1997, no ano seguinte começou o treinamento do astronauta que, em princípio, seria lançado por uma nave norte-americana. Depois do infortúnio com a nave americana, já não havia mais muitas previsões de lançamento para astronautas. Foi quando surgiu essa oportunidade de lançar com a Rússia, que é um outro país com foguetes que vão até a Estação Espacial. Aí começaram os contatos e hoje estamos vendo se concretizar esse sonho.

ABr: E como fica o coração da equipe brasileira e de todo o pessoal da Agência Espacial Brasileira?
Carvalho: Todo mundo fica nervoso e com bastante expectativa, mas temos certeza que vai dar tudo certo. Estamos com bastante confiança. O nosso astronauta foi muito treinado. Desde o ano 2000, ele já estava para ser lançado. No treinamento específico para a nave russa, ele tirou as melhores notas, teve um aproveitamento excelente. Então, temos total confiança de que ele está completamente preparado para qualquer situação que ocorra. Temos certeza de que vai ser um grande sucesso.

ABr: Mas ainda assim dá um friozinho na barriga...
Carvalho: Ah, dá um friozinho na barriga. Provavelmente ele [Marcos Pontes] está com um friozinho ainda maior.