Ana Lúcia Caldas
Enviada especial
Porto Alegre - Norte-americanos e europeus se opuseram a assumir a importância do papel do poder público na reforma agrária, durante a elaboração do documento final da 2ª Conferência Internacional sobre Reforma Agrária e Desenvolvimento Rural, afirmou o cientista politico Edélcio Vigna, do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc). Vigna foi um dos integrantes da comissão internacional responsável pela redação do documento oficial do evento, que termina hoje (10). "A reforma agrária de mercado foi defendida pelos Estados Unidos e Europa", disse ele à Agência Brasil.
Segundo Vigna, o Brasil defendeu na negociação do documento que a reforma agrária deve ir além da simples compra e venda de terras. "É uma questão de justiça social, que vem resolver não só a questão da pobreza, mas da dignidade do homem que trabalha no campo", explica ele. Na chamada reforma agrária de mercado, não está prevista a desapropriação, apenas a negociação da venda das terras com o proprietário.
Outra questão defendida pelo Brasil, afirma Vigna, foi uma mudança nos critérios utilizados para calcular índices de pobreza. Ele explica que existem povos que são "economicamente" pobres, mas "culturalmente" ricos, como os índios e quilombolas. "Essa visão, apoiada pela Argentina, em parte pela África do Sul e por outros países, prevaleceu em grande parte do documento."
O cientista político diz que o documento final prevê o seguimento do debate internacional sobre o assunto. "O documento traz recomendações, entre elas a de que a FAO continue tratando do tema e que crie um grupo de trabalho que elabore diretrizes voluntárias, uma espécie de manual de orientações para que os governos estabeleçam em seus países programas e orçamentos e políticas para implementação da reforma agrária. É uma orientação em termos globais que nunca houve", afirma ele.
Vigna conta que o tema do acesso à terra foi foco de conflitos na negociação do documento. "Os Estados Unidos aceitavam que poderia haver o uso da terra, o beneficio sobre a terra, mas não o controle sobre a terra", explica. Segundo ele, ao final, acabou aprovado o termo "uso e controle da terra". "É impossível você ter o uso e o acesso da terra, sem ter o controle dela, ou ter o controle da forma como se dá esse acesso".
Para se ter uma idéia da atualidade dessa discussão, em países como a Namíbia está sendo discutida a possibilidade de desapropriar terras para a reforma agrária. Até agora, o Estado só podia comprar terras para a reforma se algum proprietário quisesse vender.
A aprovação do documento final da conferência internacional está prevista para hoje (10), pouco antes do encerramento do evento.