Conceitos de soberania e de segurança alimentar são debatidos em conferência no Sul

09/03/2006 - 18h45

Spensy Pimentel
Enviado especial

Porto Alegre - Os conceitos de "soberania alimentar" e de "segurança alimentar" foram debatidos hoje (9) por representantes da sociedade civil internacional e de governos de diferentes países durante sessão especial da 2ª Conferência Internacional sobre Reforma Agrária e Desenvolvimento Rural. O encontro vai até amanhã (10), promovido pela FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação), em parceria com o governo brasileiro.

No plenário principal da conferência falaram, por cinco minutos cada, sete representantes de governos e sete da sociedade civil, escolhidos de forma a contemplar as diferentes regiões do mundo de forma eqüânime. O conceito de soberania alimentar é central para os movimentos sociais de 67 países reunidos no encontro paralelo à conferência, o Fórum Terra, Território e Dignidade.

Soberania alimentar, como explicou o ativista hondurenho Rafael Alegria, da Via Campesina Internacional, é entendida, de forma geral, como o direito dos povos e comunidades a produzirem sua própria alimentação, de acordo com suas tradições e técnicas, e de também manterem suas próprias políticas para a produção e o mercado agrícola. "Não há soberania alimentar se não há reforma agrária", defendeu Alegria. Ele lembrou o papel que os conhecimentos indígenas tradicionais podem operar no desenvolvimento rural, por sua tradição de sustentabilidade.

Já a idéia de segurança alimentar é, também de forma simplificada, menos abrangente. No debate, o representante da Comissão Européia, Marco Morettini, expôs as linhas principais do conceito. Para a Europa, a questão central das políticas agrícolas e de alimentação é garantir disponibilidade de alimentos, por meio do aumento da produção e de "políticas comerciais adequadas", além de acesso a alimentação, por meio de "redes de proteção social", que devem ser adequadas, segundo critérios de nutrição.

A explicação do representante da sociedade civil do Senegal, Ndiogou Fall, sobre as reivindicações dos pequenos agricultores africanos expôs as divergências: "Não queremos que os Estados Unidos nos alimentem. Nós queremos produzir nossos alimentos e queremos nos alimentar com esses produtos". Fall disse que a África teria condições de produzir todos os alimentos de que precisa, caso não houvesse a interferência de produtos importados que levam à falência os agricultores locais.

Ele criticou a União Européia, por geralmente oferecer o acesso dos produtos agrícolas da África a seu mercado em troca de vantagens que lhe interessam. "Nós não queremos vender na Europa, queremos vender no nosso próprio mercado e ter o direito a nos proteger", disse. Segundo Fall, "a reforma agrária não é um fim em si – ela deve estar inscrita num sistema global, que tem de mudar a partir de agora".

O Brasil, como revelou na terça-feira (7) o ex-ministro José Graziano, poderá servir como modelo para a revisão dos programas de ajuda internacional a países pobres que envolvem distribuição de comida. Nesta semana, Graziano passa a chefiar o escritório da FAO para América Latina e Caribe. Ele informou que esses programas envolvem, muitas vezes, o envio de gêneros alimentícios produzidos nos países ricos, com o pretexto de ajudar a combater a fome em países pobres. "Isso gera mais fome do que resolve o problema da fome. Tira empregos e impede o pequeno agricultor de se manter", explicou Graziano.

O indiano T. Haque, junto com o representante da China – e o Brasil, que já defende o conceito, inclusive nas negociações comerciais internacionais –, foi o único participante governamental a destacar também o conceito de soberania alimentar. Segundo ele, diante do ritmo de crescimento da produção agrícola, por enquanto, não é possível para a Índia obter a soberania – apenas a segurança alimentar: "Nâo temos perspectiva de atingir a soberania alimentar em curto prazo. A segurança alimentar é necessária para termos soberania alimentar. Sem uma não há a outra".

Haque afirmou, porém, que a Índia tem outro objetivo, intermediário no processo de obtenção da soberania alimentar: a garantia do direito ao trabalho para todos os adultos na zona rural. Segundo ele, uma lei recente do país estabelece que todo desempregado no campo deve receber uma proposta de trabalho do governo. Se o governo não puder obter trabalho para ele, terá de, mesmo assim, pagar-lhe um salário mínimo mensal.