Spensy Pimentel
Enviado especial
Porto Alegre - O documento divulgado hoje (7) pelos movimentos sociais rurais do Brasil ligados à Via Campesina, rede presente em 56 países, traz críticas e reconhece avanços das ações do governo federal em relação à reforma agrária.
Assinam o documento o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), o Movimento das Mulheres Camponesas (MMC), o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e a Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra).
Leia a seguir a íntegra do documento:
"Nós, entidades ligadas à luta social no campo, apresentamos abaixo uma descrição das medidas tomadas ao longo do mandato do governo Luiz Inácio Lula da Silva.
I - Medidas que representaram avanço e acúmulo para a agricultura camponesa no Brasil
1. Implantação do seguro rural: o seguro agora cobre também o trabalho e garante a renda do agricultor em caso de prejuízos pela natureza. No entanto, ainda não é universal. O agricultor precisa ter empréstimos no banco para poder acessar o seguro. Por tanto, das 5 milhões de famílias camponesas, cerca de 1,2 milhões podem acessar o seguro.
2. Aumentou o volume de crédito rural disponibilizado aos pequenos agricultores por meio do programa Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento à Agricultura Familiar). Aumentou de 3 para 8 bilhões de reais por ano (atualmente seria equivalente a 4 bilhões de dólares);
3. O Programa Luz para Todos, que está levando energia elétrica de forma subsidiada para quase todas as famílias que moram no meio rural. Devem ficar de fora apenas as famílias que moram muito longe no norte do país. Todas as demais serão beneficiadas.
4. Ampliação do programa de construção e melhoria de casas para os agricultores.
5. Não reprimiu os movimentos sociais, ainda que a repressão seja realizada pelas polícias militares, que estão sob controle dos governos estaduais. E no caso da Policia Federal, essa sim reprimiu os movimentos indígenas em diversos estados.
6. Ampliação, dos recursos para programas de educação no campo (Pronera).
7. Demarcação da área indígena histórica que é a Raposa do Sol, em Roraima.
8. Programa do Biodiesel, que prevê adicionar 2% de óleo de origem vegetal no óleo diesel e abre portas para a agricultura camponesa produzir o óleo vegetal.
9. Ampliação dos recursos para assistência técnica nos assentamentos, mas o atendimento ainda não é universal nem público, pois prioriza convênios com entidades, em vez de democratizar a Ater pública.
10. Apoio, embora ainda tímido, e aquém das necessidades, para o programa de instalação de cisternas (captação familiar de água) no nordeste semi-árido.
II - Medidas que representaram derrotas para a agricultura camponesa e os movimentos sociais no campo no Brasil
1. A liberação do plantio e comercialização da soja transgênica, por medida provisória, atravessando todo o processo de estudos ambientais. E atual omissão diante da repetição de contrabando de sementes transgênicas proibidas, como de algodão e milho.
2. Elaboração da Lei de Biosegurança, que não tomou em conta as demandas dos camponeses e ambientalistas.
3. Não fiscalização da aplicação da lei que obriga todas as indústrias a colocarem no rótulo do produtos se os alimentos contêm mais de 1% de propriedades transgênicas. Foram comercializadas mais de 8 milhões de toneladas de soja transgênica no mercado interno e não apareceu em nenhum rótulo.
4. Manutenção da Lei Kandir, que isenta de impostos (ICMS, variando de 17% a 25% do valor) todas as exportações de produtos agrícolas. E representa um subsídio e estímulo ao agronegócio exportador.
5. Manutenção do apoio dos bancos oficiais ao credito rural do agronegócio, que passou de 20 para 42 bilhões de reais por ano (ou seja, 21 bilhões de dólares na última safra) e também para as dez maiores empresas transnacionais que atuam na agroindústria, que sozinhas obtiveram ao redor de 8 bilhões de reais de crédito dos bancos oficiais (ou seja, 4 bilhões de dólares).
6. Apoio de crédito do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) para a instalação de fábricas de celulose e matas homogêneas de eucaliptos.
7. Não atendimento ao compromisso de assentar prioritariamente as famílias acampadas.
8. Não implementação de um amplo programa de Reforma Agrária, que de fato representasse atacar a concentração da propriedade da terra e o atendimento de milhares de famílias sem-terra.
9. Não atualização dos índices produtividade, utilizados pelo Incra para determinar se uma fazenda é improdutiva para efeito de desapropriação, que são ainda de 1975. O governo havia se comprometido a fazer a mudança em semanas. E basta apenas uma portaria administrativa.
10. Aprovação de lei que transfere para os municípios a arrecadação do imposto sobre a propriedade da terra, e desvincula assim de todo processo de Reforma Agrária.
11. Manutenção da política orientada pelo Banco Mundial e programas como Banco da Terra ou Crédito Fundiário, em que o camponês compra a terra à vista e fica devendo no banco.
12. Não mobilizou sua base parlamentar para aprovar a lei que expropria as fazendas que tem trabalho escravo.
13. Não mobilizou a base parlamentar majoritária para impedir a CPMI da Terra e para impedir também a aprovação de relatório final que considera ocupação de terras um "crime hediondo".
14. Não tomou nenhuma iniciativa de pressionar e articular o Poder Judiciário para julgar e punir os responsáveis pelos diversos massacres do campo, como Corumbiara (1995), Carajás (1996) e Felisburgo (2004).
15. Diante da inoperância do governo para dar uma demonstração clara de combate a violência no campo e seus responsáveis, como o latifúndio, a Polícia Militar de alguns estados e o agronegócio, o resultado infelizmente foi o aumento da violência no campo.
16. O governo não tomou nenhuma iniciativa parlamentar e administrativa para remover leis e medidas de governos anteriores, que emperram e prejudicam o processo de reforma agrária.
17. Não demarcação de diversas áreas indígenas históricas, de diversas etnias, em especial Xavantes (MT) e Guaranis, no Mato Grosso do Sul, e Pataxós, na Bahia.
18. O estímulo e prioridade ao agronegócio "moderno" aumentou o desemprego no campo. Estima-se que mais de 300 mil famílias perderam emprego no meio rural nas últimas safras.
19. O governo não teve nenhum controle sobre o avanço da lavoura de soja e algodão para áreas da Amazônia e do cerrado, que podem trazer graves conseqüências ambientais para o futuro.
20. O governo tomou a iniciativa de criar uma lei que arrenda florestas nacionais em áreas públicas para empresas explorarem a madeira.
21. Não cumprimento da promessa de dobrar o poder de compra do salário mínimo em quatro anos, que elevaria para 566,00 reais por mês (e não apenas os 350,00 reais atuais), o que representaria uma ampla política de distribuição de renda para as populações que vivem no meio rural e dependem de salário mínimo como assalariados rurais ou como aposentados.
22. A manutenção da política de parceria com empresas estrangeiras na construção de hidrelétricas, que não respeitam os direitos das populações que vivem nas margens dos rios atingidos e que exigem terra por terra.
23. Não teve coragem de intervir no mercado do leite, que é controlado por algumas empresas transnacionais (como Nestlé, Danone, Parmalat) e abastecidas por milhares de pequenos agricultores. O preço do leite caiu em 50% em alguns meses.
24. Não implementou, conforme prometido, um amplo programa de instalação de agroindústrias cooperativadas para os camponeses.
25. A posição defendida pelo governo brasileiro na última reunião da Organização Mundial do Comércio (OMC), em Hong Kong, representou apenas os interesses do agronegócio e não os dos camponeses.
26. A posição defendida pelo governo brasileiro na rodada de Montreal impediu que a comercialização internacional de produtos transgênicos constasse obrigatoriamente no rótulo, somando-se assim aos interesses das empresas trasnacionais que atuam no setor.
27. Repressão às rádios comunitárias, que beneficiavam comunidades rurais.
28. A política oficial de pesquisa desenvolvida pela Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) continua priorizando os interesses das grandes propriedades e do agronegócio.
29. A manutenção da política econômica neoliberal inviabiliza a melhoria de renda para os pequenos agricultores, não estimula o mercado interno, não distribui renda para o povo brasileiro e, com isso, diminui o consumo de alimentos e diminui os recursos públicos para a reforma agrária e agricultura camponesa."