Porto Alegre deve ser palco de debate entre governo e Via Campesina sobre crédito fundiário

06/03/2006 - 5h59

Spensy Pimentel
Enviado especial

Porto Alegre – Um dos debates entre o governo federal e parte dos movimentos sociais rurais durante a 2ª Conferência Internacional sobre Reforma Agrária e Desenvolvimento Rural deve se dar em torno dos programas de crédito fundiário. A Rede Terra de Pesquisa Popular, ligada à Via Campesina, convocou entrevista coletiva para divulgar um estudo com dados que condenam a aplicação da chamada "reforma agrária de mercado" no Brasil.

O conceito, desenvolvido no Banco Mundial, alvo preferencial das críticas da Via, por seus estímulos à liberalização da agricultura em todo o mundo, nos anos 90, apareceu no país durante o governo Fernando Henrique, por meio do programa conhecido como Banco da Terra. Quem conta a história é o ex-presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) Francisco Urbano.

Até 1998, ele participou diretamente de negociações com integrantes do governo FH, como Clóvis Carvalho, Raul Jungmann e Xico Graziano. "Eles diziam que a reforma agrária com desapropriação era lenta, onerosa e conflituosa, enquanto, se fosse pela compra da terra, seria barata, rápida e pacífica", conta ele. "A intenção, dava para perceber, era que, se o programa desse certo, ia substituir completamente a reforma agrária por desapropriação".

O Banco da Terra possibilitava o financiamento das terras que o pequeno agricultor quisesse comprar, de forma direta, sem instâncias para o controle social. Ainda em 2002, ele foi modificado. Surgiu o programa de Crédito Fundiário, aperfeiçoado no atual governo, com taxas de juros menores, financiamento também para infra-estrutura e conselhos locais e estaduais para análise dos projetos. De 2003 a 2005, foram atentidas 27,3 mil famílias, e mais de 63 mil outras estão à espera do benefício, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento Agrário.

Cerca de metade dessas famílias foram atendidas a partir de projetos encaminhados por entidades sindicais rurais, filiadas à Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), ou às Federações de Trabalhadores da Agricultura Familiar (Fetrafs). A criação de um programa de crédito fundiário era uma aspiração da Contag desde 1972, segundo Urbano.

As entidades que integram a Via dizem que as políticas de crédito fundiário são impostas pelo Banco Mundial e não reconhecem a legitimidade que ele tem junto a parte dos movimentos sociais do campo no Brasil. "É uma questão de princípio. A terra não pode ser uma mercadoria", disse hoje Egídio Brunetto, coordenador nacional do MST e representante da Via no Brasil.

"É uma visão distorcida da realidade. Querem que a realidade se encaixe de qualquer forma naquilo em que acreditam", diz o secretário de Reordenamento Fundiário do Ministério do Desenvolvimento Agrário, Eugênio Peixoto, a respeito das críticas ao crédito fundiário. Ele diz que o atual plano de reforma agrária brasileiro busca a complementaridade entre os programas de desapropriação, titulação e crédito fundiário. Existe dinheiro do Banco Mundial entre os R$ 500 milhões aplicados nos últimos três anos no Crédito Fundiário, explica Peixoto. "Mas a definição da política nem de longe passa por eles. Estamos apenas aproveitando um dinheiro barato, que nos é oferecido a 6% ao ano".

"O crédito só opera nas áreas onde o Incra não pode operar por questões legais", diz ele. Pela legislação atual, só pode ser desapropriada uma área que esteja acima de 15 módulos fiscais (unidade que varia de região para região do país) e que seja comprovadamente improdutiva. Propriedades menores ou que sejam produtivas têm de ser compradas para servir à reforma agrária, daí a importância do programa, segundo o secretário.

A 2ª Conferência Internacional sobre Reforma Agrária e Desenvolvimento Rural, evento organizado pelo Fundo das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), em parceria com o governo brasileiro, começa hoje (6) e vai até sexta (10), na capital gaúcha.