Atualização de índices de produtividade é dívida do governo, dizem movimentos rurais

06/03/2006 - 6h00

Spensy Pimentel
Enviado especial

Porto Alegre – A indefinição quanto à atualização dos índices de produtividade das propriedades rurais no país deverá ser um dos principais pontos de discussão entre o governo brasileiro e os movimentos sociais rurais integrantes da rede internacional Via Campesina, integrada no Brasil por entidades como o Movimento dos Sem Terra (MST) e a Comissão Pastoral da Terra (CPT).

Os movimentos da Via consideram que a atualização dos índices foi um compromisso assumido em maio de 2005, ao final da Marcha Nacional pela Reforma Agrária. Os índices de produtividade são um dos principais critérios observados pelos técnicos do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) ao analisar se uma área pode ou não ser desapropriada.

Os atuais índices de produtividade foram estabelecidos em 1980, a partir de dados estatísticos de 1975. De lá para cá, por causa dos avanços tecnológicos, os produtores passaram a conseguir rendimentos muito maiores nas atividades agrícolas e pecuárias.

Com a atualização, segundo o MDA e os movimentos sociais, milhares de hectares de terra hoje considerados produtivos vão se revelar aptos a serem desapropriados para a reforma agrária em regiões de alto nível de conflito fundiário, como o Sul e o Nordeste. Ainda segundo o MDA, a nova portaria com os índices atualizados está pronta, sob análise da Presidência da República.

Para João Pedro Stédile, outro dos coordenadores do MST, o governo está em dívida com os movimentos por ainda não ter decretado a mudança nos índices. "Nos disseram que isso seria resolvido em poucas semanas. Isso já faz meses", disse ele hoje a jornalistas. Stédile isenta o ministro Miguel Rossetto, do Desenvolvimento Agrário, pelo atraso. Para ele, o problema é que o governo é realmente comandado por interesses das elites financeiras, industriais e do agronegócio.

Para outros militantes pela reforma agrária, o problema não está na questão dos índices, mas na própria legislação constitucional, que impediria avanços mais profundos na reforma agrária. Francisco Urbano, ex-presidente da Contag e sindicalista desde 1961, diz que o conceito de produtividade é um retrocesso em relação à antiga noção de latifúndio que era aplicada pelo Estatuto da Terra, em vigor de 1964 a 1988.

Mesmo reconhecendo que a lei, apesar de boa, pouco era aplicada pelo regime militar, Urbano lembra que ficava clara no texto a noção de latifúndio – que podia ser "por extensão", ou "por exploração". Assim, pelo Estatuto, segundo ele, poderia ser desapropriado para a reforma agrária qualquer área onde se encontrasse trabalho degradante, ou desrespeito ao meio ambiente (exploração), além de, independente da produtividade, qualquer propriedade acima de 600 módulos rurais. "Hoje temos essa dificuldade porque convivemos com uma linguagem feita pela direita, na Constituição de 1988."

Urbano lembra ainda que duas reações conservadoras importantes na história política do país nas últimas décadas deveram-se ao medo das elites de um aprofundamento do processo de reforma agrária: o golpe militar de 1964 e a formação do "Centrão" na Constituinte de 1988.