Spensy Pimentel*
Repórter da Agência Brasil
Brasília – Na segunda parte de sua entrevista exclusiva à Agência Brasil, o economista argentino Aldo Ferrer fala sobre a necessidade de os países sul-americanos administrarem seus próprios problemas internos para que seja possível consolidar a integração da região.
Para ele, não existe "ameaça externa" a essa integração maior que as próprias desigualdades sociais que existem nos países. "A integração ajudará, mas não podemos ter ilusões, porque uma parte principal dos problemas é de caráter nacional", diz Ferrer. Leia a seguir a segunda parte da entrevista.
Agência Brasil: Prepara-se agora o ingresso formal da Venezuela no Mercosul. O que isso vai significar para o bloco?
Aldo Ferrer: A eventual incorporação da Venezuela é uma ampliação significativa, porque esse país tem muitos recursos, por exemplo, no setor energético. Suscita, é claro, uma série de problemas de gestão e de harmonização das regras que deverão ser trabalhadas com muito cuidado, mas eu acredito que é algo positivo, que enriquece e amplia os recursos, a dimensão do mercado e, sobretudo, fortalece-o com a incorporação de alguns recursos venezuelanos, como os recursos energéticos e de outras naturezas.
A Venezuela é um país importante, com muitos recursos e muitas possibilidades de cooperação. Durante a recente visita do presidente Kirchner à Venezuela, foram firmados acordos muito importantes de cooperação tecnológica, na construção naval, venda de equipamentos, entre outros.
A concepção de um marco regional dá uma possibilidade enorme de cooperação entre Brasil, Argentina, Venezuela, Paraguai e Uruguai nos campos da tecnologia, da indústria, da energia e na construção de um anel energético sul-americano que permita, por exemplo, aproveitar os recursos da Bolívia em benefício do povo boliviano e que dê uma grande saída aos recursos desse país para o benefício daquele povo e da região.
ABr: Justamente na Bolívia, vê-se agora um exemplo de discussão sobre o uso de recursos naturais nesse contexto da integração regional, tudo isso ligado à emergência de grupos étnicos. Como a integração da América do Sul vai lidar com esse tipo de questão?
Aldo Ferrer: Cada um dos nossos países tem seus próprios problemas. A Bolívia tem os dela, que devem ser resolvidos pelos bolivianos, por meio do processo democrático. Cada um dos nossos países é responsável por o que se passa da sua fronteira para dentro em matéria de emprego, de bem-estar social e de pobreza. São todos problemas que não podem ser trabalhados de maneira regional. Em problemas pontuais como esses da Bolívia, nós, que estamos de fora, devemos cooperar, desde que nos seja solicitado cooperar.
ABr: A integração regional pode colaborar para a redução dessas desigualdades sociais dentro dos países?
Aldo Ferrer: Sim, a integração ajudará, mas não podemos ter ilusões, porque uma parte principal dos problemas é de caráter nacional. O problema do trabalho, da pobreza, da política industrial, da política macroeconômica, da dívida, são todos problemas nacionais que não podem ser resolvidos pela agenda regional, mas que têm que ser resolvidos primeiramente pela qualidade das políticas nacionais.
Ao mesmo tempo, há a harmonização das regras do acordo do comércio inter-regional, da cooperação e depois a projeção internacional, tudo deve ser feito simultaneamente. Mas não se pode pedir ao Mercosul que resolva o problema da pobreza no Brasil ou na Argentina, ou os problemas de ajuste macroeconômico. Esses são problemas que dependem das políticas nacionais.
Quanto melhores forem as políticas nacionais, mais possibilidades haverá de avançar no Mercosul. Temos que avançar simultaneamente, mas os países, da fronteira para dentro, têm que melhorar as regras do jogo do sistema regional e nos projetar juntos em direção ao sistema internacional, nos fóruns internacionais, na Organização Mundial do Comércio (OMC), em tudo o que diz respeito à expressão internacional da América Latina.
ABr: Em 2006, teremos diversas eleições importantes em todo o continente. Está em jogo o futuro do processo de integração? Ele conseguirá avançar a despeito dos resultados em cada país?
Aldo Ferrer: No caso do México, é diferente, porque a situação atual da América Latina é muito diversa. Como eles estão no Nafta (acordo de livre comércio com EUA e Canadá), a relação com os Estados Unidos envolve uma estratégia que só diz respeito aos mexicanos.
No espaço sul-americano, não é de agora que as mudanças políticas influenciam, mas há uma inércia na integração regional. O intercâmbio de alguma maneira resiste às mudanças políticas. Por isso é que, por exemplo, apesar das extraordinárias mudanças políticas que ocorreram na Argentina nos últimos 20 anos, desde o acordo inicial do Mercosul, apesar de todas as vicissitudes, o sistema sobreviveu. Não alcançou as metas que esperávamos porque aconteceram conflitos muitos sérios, mas está vivo.
A geografia é muito significativa. Compartilhamos um espaço, problemas, uma história. É muito importante no mundo moderno, neste mundo globalizado, que os países que compartilham o mesmo espaço configurem estratégias de desenvolvimento e de integração que nos fortaleçam frente ao resto do mundo.
ABr: Há uma outra estratégia de integração apresentada pelos Estados Unidos, a Alca. Como ela deve caminhar?
Aldo Ferrer: È conveniente continuar conversando, porque é um projeto de caráter continental, mas nossa prioridade é o Mercosul, e isso é o que nós temos que fazer. O tema da Alca corresponde à visão da potência hegemônica, que sempre teve a idéia que deve haver regras uniformes para todos, mas os desiguais não podem jogar com as mesmas regras. Nossa prioridade deve ser o Mercosul
ABr: Os Estados Unidos também têm ampliado sua presença física, militar na região, vide o recente exemplo das bases militares no Paraguai. Os EUA podem barrar um processo de integração latino-americano autônomo, diverso do que pretendem implantar?
Aldo Ferrer: Eu creio que os limites da integração não são impostos pelos Estados Unidos, somos nós que os colocamos, em função do que sejamos capazes de fazer. Nós não somos atrasados ou temos pobres porque externamente nos fizeram pobres, mas porque não fomos capazes internamente de construir projetos nacionais mobilizadores e criadores de desenvolvimento.
Nosso principal problema não está fora, está dentro. Dentro de cada um dos nossos países e na região. Eu acredito que não há nenhuma ameaça externa que freie, frustre e que sabote o Mercosul. Se nós fizermos aquilo que temos que fazer, vamos ter uma relação construtiva com os Estados Unidos, com a China e com a Europa. Depende essencialmente de nós mesmos.
* colaborou Érica Santana (tradução)