Alta de juros e final de ano explicam queda na criação de empregos, acredita Pochmann

23/10/2005 - 17h04

Keite Camacho
Repórter da Agência Brasil

Brasília – Dados divulgados esta semana indicam uma queda na criação de empregos formais na economia brasileira. Mas, na visão do economista Márcio Pochmann, isso pode ser uma tendência reversível. Pochmann não acredita que a queda seja resultado de um "movimento de descenço da atividade industrial".

Um dos índices que mostrou queda foi a Pesquisa Nível de Emprego Regional, divulgada na última terça-feira, pelo Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp). A pesquisa indicou a criação de 52.506 novas vagas com carteira assinada de janeiro a setembro. No mesmo período em 2004, a pesquisa havia indicado a criação de 90 mil novos empregos.

Para o economista, a queda é resultado da sazonalidade – efeito diferente em cada época do ano. Mas também vê efeitos da elevação da referência básica de juros para a economia, a taxa do Sistema Especial de Liquidação e Custódia (Selic). De setembro do ano passado até maio, o Banco Central aumentou a Selic de 16,25% ao ano para 19,75%.

Especialista em trabalho na academia e na política, Pochmann concedeu entrevista à Agência Brasil sobre o assunto. O economista gaúcho é professor na Universidade de Campinas (Unicamp) dentro do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit). Fora da academia, também atuou no mesmo tema, como secretário de Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade da prefeitura paulistana durante a gestão de Marta Suplicy (2001-2004).

Agência Brasil: As pesquisas mostram que o crescimento do emprego em 2004 foi menor que em 2003. E em 2005, esse crescimento foi menor que 2004. Há uma curva de queda no que se refere às contratações?

Márcio Pochmann: É resultado no meu modo de ver de duas situações distintas. A primeira é que, especialmente no levantamento do Ministério do Trabalho, em geral, há uma sazonalidade na arrecadação das informações. Porque muitas empresas que demitem ao longo do ano, deixam para o final do ano passar as informações ao ministério. Neste sentido, acredito que é muito mais o efeito estatístico de coleta de dados do que um dado de realidade.

Por outro lado, especialmente nos indicadores feitos pelas instituições patronais, chamo a atenção para o fato de que deve haver uma desaceleração nas contratações este final de ano. Nos últimos dois meses dos anos, tradicionalmente a indústria não mais contrata e até demite porque as atividades ao final do ano são mais associadas ao comércio. O comércio contrata e a indústria perde importância.

Do ponto de vista mais geral, a situação do emprego é ainda muito dependente das decisões de investimento. Os investimentos a medida que são postergados justamente porque estamos vindo de um período de alta taxa de juros, e de câmbio valorizado, isto termina, de certa maneira, desestimulando muitas vezes decisões de investimento.

Mas a minha expectativa é que nós possamos ter uma situação melhor porque para decisões recentes do Banco Central de desacelerar, ainda de forma conservadora, a taxa de juros, está criando perspectiva para o ano que vem de um crescimento econômico talvez superior ao que estamos verificando nos dias de hoje.

Evolução da taxa Selic (fonte: Banco Central).

ABr: Pode-se dizer que houve uma queda na geração de empregos?

Pochmann: Não percebo, no momento, materialidade para justificar uma queda na evolução do emprego. Pode até desacelerar a expansão tendo em vista fatores como o final do ano que, em geral, na indústria isso ocorre, e até mesmo situações localizadas que decorrem de setores exportadores que estão sendo desestimulados a exportar em função do câmbio.

Estamos vendo isso, inclusive, na indústria calçadista, sobretudo no Rio Grande do Sul. Mas também em setores importantes como de alimentação e têxtil, que estão encontrando dificuldade de manter a exportação. Mais recentemente, agora com problema da aftosa, isso terá impacto especialmente no setor alimentício, no caso da carne, nos frigoríficos, em termos de evolução do emprego.

ABr: A que o senhor atribui a curva descendente na criação de postos de trabalho no setor industrial?

Pochmann: Não acredito que seja um movimento de descenço da atividade industrial. Percebo que há uma continuidade na recuperação em um ritmo mais lento. Talvez o grande ponto de interrogação seja o que está ocorrendo com o conjunto dos investimentos, as decisões de investimento.

Porque é a partir das decisões das empresas e sobretudo do setor público que se sustenta a atividade econômica e sobretudo o emprego no médio e longo prazo. A situação do país no ano que vem está dependendo, no meu modo de ver, também do que está ocorrendo em termos de investimento. Nós temos anúncios importantes de investimentos no setor público. Mas ainda está por se analisar de forma mais concreta se, de fato, os anúncios feitos se concretizarão.

Evolução da taxa de desemprego (fonte: IBGE)