Entrevista 3 – Facções do crime são para jovens apoio que Estado e família não dão, explica Maggessi

13/10/2005 - 11h37

Vitor Abdala
Repórter da Agência Brasil

Rio - Leia a seguir a terceira parte da entrevista exclusiva à Agência Brasil da inspetora da Polícia Civil Marina Maggessi, ex-coordenadora de Inteligência Policial e do Setor de Investigações da Polícia Interestadual do Rio (Polinter).

Nessa parte da conversa, Maggessi fala sobre as causas e implicações sociais do tráfico no Rio. Ela diz que as facções criminosas que controlam o varejo das drogas hoje no Rio são resultado de problemas relativos à infância e a adolescência, não apenas nos bairros pobres da cidade. E explica que, em tempos de desestruturação familiar, as facções são hoje a única referência de sociabilidade para muitos jovens.

Agência Brasil — Qual seria a melhor forma de combater o narcotráfico nas duas frentes, tanto internacional como interna?

Marina Maggessi — São duas formas completamente distintas. Para o tráfico internacional, o caminho da lavagem de dinheiro parece ser o melhor de todos. Um trabalho conjunto da Receita Federal e dos órgãos fazendários com as delegacias de entorpecentes com certeza vai dar mais agilidade a esse combate.

Quanto ao tráfico do Rio de Janeiro, que é o tráfico da violência, o tráfico das facções, há todo um trabalho estrutural que tem que ser feito. Não é o discurso do problema social. É a realidade que já não tem mais para onde explodir. É preciso remodelar as prisões. O sistema carcerário todo está falido. As pessoas saem de lá piores do que entraram. E isso vai se acumulando dia após dia, mês após mês.

E há essa infância abandonada – não só na favela, mas também na classe média, o pai e mãe não sabem o que ele está fazendo e onde está indo. São pais separados, há falta de estrutura na família. Há a falência das instituições: da igreja, da escola, da família.

O promotor Marcio Mothé (do Ministério Público Estadual do Rio) tem uma definição muito interessante. Ele diz que isso que a gente vive hoje no Rio é produto de três fatores: uma infância abandonada, uma adolescência sem limites e uma juventude sem perspectiva. Essas coisas não têm classe social, e estão crescendo. Filhos de classe média, sem a desculpa social do abandono e da necessidade, se tornam bandidos porque se viciam na cocaína e não têm limites, os pais não impõem limites. Não conseguem, não sabem ou não querem educar seus filhos de uma maneira responsável.

Há fragilidade nas ligações das pessoas. Tudo isso e mais a pobreza, a miséria e a disputa social contribuem. Se você me perguntar o que hoje contribuiria para a violência do Rio diminuir, eu não saberia responder. Vejo muita iniciativa, vejo ONGs, vejo pessoas de boa vontade que esbarram na violência e principalmente no consumo das drogas, que é a grande desgraça do nosso país, do nosso mundo.

ABr — E de que forma o Estado poderia atuar para encarar esses problemas dos jovens?

Maggessi — A nossa atitude no Rio é que tem que ser diferente, porque não existe modelo importado que se encaixe na nossa realidade. O que acontece no Rio é diferente do que acontece em São Paulo. Essa coisa de facção e de guerra é coisa de torcida de futebol. É paixão.

Os integrantes das facções não pertencem a nada. Não têm família, escola nem religião. Então, qual a instituição a que eles pertencem? A facção criminosa. Eles só se sentem pertencendo a alguma coisa por causa dessa facção que os protege, mas que também os manda para a morte.

É preciso fazer aquele trabalho de base da criança de cinco anos, aquelas medidas a longo prazo como a educação e o saneamento. É necessário acabar com aquela idéia de que a gente está lutando contra um grande crime organizado. Isso é mentira. A gente está lutando contra hordas de miseráveis. A gente vive uma guerra de pobre contra miserável.

Os caras que estão aí são bandidos maus e sanguinários porque não têm nenhum tipo de instituição que os defenda e que os proteja. Eles nunca tiveram família, escola, religião, Estado, nada. Eles pertencem a facções para pertencerem a alguma coisa.

ABr – Então, tem que haver um trabalho social muito mais amplo do que a ação policial...

Maggessi – A ação policial, em qualquer lugar do mundo, é a última. A última instituição que entra em qualquer lugar é a polícia, depois que todas as instituições falharam. O cara não quer saber da família, da igreja, do Estado, da educação, então ele vira um marginal. Ele fica à margem da sociedade. E daí existe um aparelho da sociedade, que é a polícia, que vai combatê-lo e tirá-lo do convívio social. Ele não pode conviver com ninguém porque ele escolheu ser marginal.

Aqui não. Aqui é o contrário. Ele não tem escolha. Ele é obrigado a ser marginal ou nada. As chances são muito pequenas. A falta de perspectiva da juventude é absurda. Se você for considerar os últimos dez anos. Só quem abriu emprego na favela, foi o tráfico. (continua...)