Mylena Fiori
Enviada especial
Porto Seguro (BA) - Na mesma semana em que realizam manifestações em todo o país pelo cumprimento de metas do governo na reforma agrária, os trabalhadores sem-terra comemoram o assentamento de 515 famílias em cinco fazendas no Extremo Sul da Bahia.Os sem-terra viviam no acampamento Luiz Inácio Lula da Silva, às margens da BR 101, entre Porto Seguro e Eunápolis, e aguardavam assentamento havia dois anos e oito meses.
Em janeiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva esteve no acampamento, que ficou conhecido como Lulão, e prometeu voltar em julho com todos os agricultores já assentados. Hoje, Lula fez entrega simbólica do título de posse de lotes na Fazenda Coroa, próxima ao antigo acampamento e vizinha à Veracel Celulose, a 68 famílias de sem-terra.
"Fizemos manifestações contra o modelo econômico, que é excludente e não resolve o problema da reforma agrária. Mas é lógico que, quando se desapropriam algumas terras para assentamento, isso é motivo também de alegria e comemoração", diz Weldes Valeriano de Queiroz, da direção estadual na Bahia do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-terra (MST). Segundo ele, além dos 500 novos assentados, outros 500 agricultores de assentamentos da região foram até a Fazenda Coroa para festejar as desapropriações.
O dirigente do MST conta que muitos agricultores foram atraídos para a região de Porto Seguro no final dos anos 80 e início dos 90, atraídos pela promessa de empregos com o turismo. "Só encontraram eucaliptos, e o turismo não dava emprego par todo mundo. Agora estão voltando às origens, ao campo", diz.
Ele lembra que movimento dos sem-terra se fortaleceu na região à época das comemorações pelos 500 anos do descobrimento do Brasil, em 2000, como forma de protesto pela Reforma Agrária e contra o avanço da plantação de eucalipto – de 1997 a 2003 nenhuma desapropriação foi feita no Extremo Sul da Bahia. "Fizemos o acampamento [Lulão], organizamos os trabalhadores, e a vinda do presidente, em janeiro, nos fortaleceu ainda mais e garantiu o assentamento das famílias", relata.
De acordo com o Incra, há 28 assentamentos nos 21 municípios do Extremo Sul da Bahia, com 2.139 famílias assentadas. Outras 3 mil famílias aguardam assentamento em mais de 20 acampamentos. O líder do MST nega que a região tenha sido priorizada devido à promessa de assentamento feita pelo presidente Lula. "Aqui é uma região onde 40% das terras estão voltadas ao eucalipto e obviamente concentra muitos trabalhadores rurais que o eucalipto expulsou do campo. Qualquer governo teria que priorizar também os trabalhadores", afirma.
Ele explica que as plantações de eucalipto demandam menos mão-de obra que outras culturas, pois o ciclo de crescimento e corte é de 5 a 7 anos. Além disso, é uma cultura que utiliza maquinaria especializada. "A mão-de-obra da agricultura, que produzia feijão, milho, arroz e gado, não tem mais trabalho. Agora é maquina, trator, são trabalhos especializados que muitos agricultores não tem capacitação para fazer", revela.
Como os agricultores já assentados, as 515 famílias em processo de assentamento preparam-se para voltar a cultivar produtos como feijão, milho, mandioca, batata, laranja, coco e manga, que serão comercializados em feiras livres nas cidades próximas (Porto Seguro, Eunápolis, Itabela ou Itamaraju).
O próximo passo, nas cinco fazendas destinadas aos antigos acampados do Lulão, será a estruturação do Plano de Desenvolvimento do Assentamento (PDA). É neste processo que os agricultores decidem como será o assentamento – se serão construídas casas, se a divisão de lotes será coletiva ou individual, se será agrovila etc. "É um processo de debate intenso, que envolve o governo, a partir do Incra, e as famílias assentadas", informa o dirigente do MST.