Conheça a vida de dona Antônia, beneficiada pela reforma agrária em Porto Seguro

28/09/2005 - 17h34

Mylena Fiori
Enviada especial

Porto Seguro (BA) - Antonia Nunes Santos, 57 anos, foi uma das últimas agricultoras sem-terra a deixar o acampamento Luiz Inácio Lula da Silva, o Lulão, localizado entre os municípios de Porto Seguro e Eunápolis, às margens da BR-101, no Extremo Sul da Bahia. Na última segunda-feira (26), depois de dois anos e cinco meses de espera, Antonia fez questão de acompanhar de perto o trabalho do neto registrado como filho, Caio Rian, 15 anos, estudante da 7ª série do ensino fuindamental, que ajudava na remoção dos antigos barracos ao local do futuro assentamento: a Fazenda Cerro Azul, em Porto Seguro.

Lá, os dois dividirão 2.534 hectares de terra com outras 179 das 540 famílias que habitavam o Lulão até a semana passada. Os demais sem-terra foram transferidos para outras quatro áreas, conforme compromisso assumido pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) junto ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

"Eles acham que a gente é desordeiro, mas nós não somos, nós estamos aqui atrás de um futuro pros nossos filhos", diz Antonia. Ex-ambulante, ela se uniu aos sem-terra 30 dias após a criação do acampamento. Com quatro filhas mulheres e dois netos, ela nasceu na roça, onde seu pai trabalhava. Quando tinha 14 anos, foi morar "na rua". "Na rua começou a vida da gente a melhorar, comer uma carninha de cabeça, a vida foi indo..."

Nos últimos anos, Antonia trabalhava vendendo cerveja para turistas em férias, nas ruas de Porto Seguro. "A situação ficou difícil, não agüentava mais a violência, procurei sair da rua e me juntei com o MST para ver se adquiro um pedacinho de terra para ficar com os netos sossegada. A vida tá dura na cidade", conta. O que ela pretende plantar na nova terra? "Tudo de bom que eu já vi o meu pai produzir, eu quero fazer. Mesmo cansada, longe da rua estou sossegada", diz, sem titubear.

Ela conta que a vida no acampamento era "um pouquinho difícil", pois não podia plantar nada ali e dependia de cesta básica e ajuda das filhas. "Minhas filhas trabalham na rua para me sustentar, não me deixam faltar nada. Então estou agüentando aqui para poder ver que amanhã está todo mundo longe da rua, com um pedacinho de terra para plantar, e dizendo: isso aqui foi minha avó e minha mãe, com tanto sacrifício, que fez para mim".

Sobre o futuro assentamento, ainda sem qualquer infra-estrutura e distante da cidade, ela se diz otimista, porque o principal já foi conquistado: "A gente já vai para dentro da área, vai montar o barraco provisório até eles dividirem os lotes. A gente vai sentir um pouquinho de dificuldade porque é longe, mas a gente chega lá, devagarzinho, a gente chega. O pior era a terra, nós já conseguimos, o resto a gente consegue com força e união, não é não?".

Em agosto passado, o Incra entregou a 170 famílias que aguardavam assentamento no Lulão as fazendas Virote, no município de Itabela, e Santa Cruz do Ouro, em Itamaraju, que somam 2.424 hectares. Outras 84 famílias foram transferidas para a Fazenda Bela Vista Movelar, com 1.020 hectares de terras, e 64 aguardam assentamento em instalações provisórias na Fazenda Coroa, com 674,22 hectares – ambas em Santa Cruz de Cabrália, também no Extremo Sul da Bahia.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que hoje (28) entregou título de posse da Fazenda Coroa aos agricultores, visitou o acampamento em janeiro passado, quando também esteve nas obras da Veracel. Ele prometera voltar ao local em julho com as famílias já assentadas. "O Lula teve aqui e prometeu que em julho ia inaugurar o assentamento, só que teve problema com o Incra, mas a gente compreendeu tranqüilo."

O motivo da tranqüilidade, explica ela, é a organização do movimento: "Quando a gente entra nessa organização do MST, eles ensinam o que a gente tem que fazer, a situação que tem que passar, e a gente vai levando a vida...vai confiando neles", diz. "Quando entra [no MST], a gente não sai mais. A gente vai para a terra agora, mas não vamos parar. A gente vai lutar pelo companheiro para ele conseguir também."

Outros três imóveis com capacidade para assentar 332 famílias, em 4.229,22 hectares, estão com trâmites finais de desapropriação e compra, através do Decreto 433, que permite ao Incra a aquisição de imóveis. A Fazenda Cerro Azul, em Porto Seguro, que está em negociações finais de compra, possui 2.534 hectares e tem capacidade para 180 famílias.