Especial 3 – Com Peti, crianças do Norte de Minas podem aprender a brincar

26/09/2005 - 9h06

Marcela Rebelo
Repórter da Agência Brasil

Brasília – "Eu arrumava a casa para a minha mãe, vendia papelão e catava latinha". É assim que S.F., de 9 anos, resume a lista de tarefas que tinha de cumprir todos os dias antes de
participar do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti) em Montes Claros (MG). Atualmente, ele não trabalha mais para ajudar a mãe a pagar as despesas da família. "Hoje eu desenho, faço arte e brinco", diz o garoto, que mora em um bairro pobre da periferia da cidade.

S.F. é uma das 1.200 crianças da zona urbana de Montes Claros que participam do Peti. Cada família cadastrada no programa recebe um benefício mensal de R$ 40 por criança retirada do trabalho infantil. Uma das coordenadoras do programa em Montes Claros, Vânia Mota, explica que as crianças, no turno em que não estão na escola, vão para um dos nove centros de convívio, onde freqüentam aulas de reforço escolar, esportes e artes.

"Em geral, as crianças eram vendedores ambulantes, engraxates, pediam esmolas em sinais de trânsito, catavam sucata", afirma Vânia. Ela explica que, no município, a coordenação do Peti resolveu desenvolver também um trabalho com os pais das crianças que estão no programa.

Segundo a coordenadora, a ação foi chamada Escola da Paz. "Queremos levar um pouco de cultura para as famílias para elas poderem educar melhor seus filhos", destaca Ivana Quintino, coordenadora do programa em Montes Claros. Segundo ela, as famílias também vão para os centros de convívio debater e estudar diversos assuntos. "Criamos isso para que as mães possam construir o conhecimento junto com gente", explica.

Em Salinas (MG), município com cerca de 36 mil habitantes, o Peti beneficia 201 crianças na zona urbana e 59 na zona rural. Margarete Costa, que trabalha na Secretaria de Assistência Social do município, explica que o número de vagas é pequeno para atender as crianças que vivem no campo. "Solicitamos uma ampliação para mais 150 vagas na zona rural", afirma.

Margarete diz que, na zona rural de Salinas, é comum as crianças trabalharem na lavoura ou fabricando caixas de tomates. "As crianças nascem com uma enxada na mão, as meninas nascem e crescem em cima de um fogão, a questão é muito séria. As crianças são vaqueiros, peões, agricultores em potencial", ressalta Margarete.

Ela explica que o município é muito pobre e, por isso, os pais colocam as crianças para trabalhar e ajudar a pagar as despesas da casa. "As crianças nascem já com esse espírito de ter que trabalhar para ajudar as famílias. Por ser Norte de Minas, existe muita carência. Então as crianças aprendem a trabalhar muito cedo", diz.

Para ela, o trabalho infantil em Salinas já é uma questão histórica. "É uma questão de cultura e até de princípios do povo sertanejo. O que é uma injustiça, uma loucura a gente imaginar crianças perdendo sua infância, sua capacidade e seu direito de crescer e de estudar", afirma Margarete. Ela ressalta ainda que, para acabar com o trabalho infantil, são necessárias políticas de geração de renda.

"O maior desafio é proporcionar a inserção dessas famílias dentro de um processo de produção e geração de emprego e renda. A criança trabalha porque muitas vezes os pais estão desempregados. Eu acredito que é necessário estruturar uma política de geração de emprego e renda que atenda prioritariamente os casos das crianças, das famílias atendidas pelo Peti", conclui Margarete.

O Peti concede para as famílias carentes um benefício mensal de R$ 40 para a área urbana e R$ 25 para a zona rural por cada criança retirada do trabalho infantil. Pelas ações educativas desenvolvidas fora do horário escolar, o governo federal repassa aos municípios R$ 10, na zona urbana, ou R$ 20, na rural, por beneficiário. Para receber a bolsa, as famílias têm que garantir uma freqüência mensal mínima de 75% das crianças na escola e nos centros de atividades. Também é preciso afastar definitivamente do trabalho as crianças e adolescentes menores de 16 anos do trabalho e fazer com que elas participem das ações educativas adicionais. As famílias também devem integrar-se às atividades de geração de renda proporcionadas pelos municípios.

Montes Claros e Salinas são municípios do semi-árido brasileiro. Um estudo do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) mostra que 10,9 milhões de crianças e adolescentes, até 17 anos, vivem no semi-árido – o que representa quase 41,3% da população dessa região. De acordo com os dados, na área, cerca de 350 mil crianças e adolescentes, entre 10 e 14 anos, estão fora da escola. Além disso, uma a cada seis crianças do semi-árido brasileiro, entre 10 e 15 anos, trabalha. O problema, segundo o estudo, é mais grave na zona rural. A pesquisa é de 2003.