Para professor, atual sistema político satisfaz eleitor e crise não o invalida

12/08/2005 - 12h59

Spensy Pimentel
Repórter da Agência Brasil

Brasília – Para o cientista político Fabiano Santos, do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), existe uma "correlação espúria" que é feita no Brasil em relação às crises políticas. "É como se dissessem que, se existe crise e ao mesmo tempo existem instituições, então as instituições são a causa da crise", afirmou ele, durante a Conferência Internacional sobre Desafios e Perspectivas do Fortalecimento das Instituições Políticas Brasileiras, evento que terminou nesta quinta-feira, no auditório Nereu Ramos, da Câmara dos Deputados.

Ele disse que crises relacionadas ao financiamento de partidos e campanhas eleitorais estão presentes nas mais diversas democracias, inclusive as de países desenvolvidos da Europa. Como exemplo, Santos destacou a atual crise no governo socialista do Chile, ocasionada pelo suposto pagamento a parlamentares de propinas resultantes de dinheiro desviado de empresas estatais, um esquema que seria coordenado pelo ministro chileno da Casa Civil. O especialista lembrou ainda o caso da Espanha, país parlamentarista, com sistema de votação baseado na chamada lista fechada, mas que, mesmo assim, vê constantes denúncias de corrupção.

Para Santos, pesquisas acadêmicas e também o resultado das consultas populares realizadas em 1963 e 1993 mostram que a população brasileira apóia elementos do atual sistema eleitoral e político. Isso inclui pontos que podem ser modificados com o projeto de reforma política que atualmente tramita no Congresso, como a votação em lista aberta nas eleições proporcionais.

Atualmente, o eleitor escolhe o deputado ou vereador de sua preferência, nominalmente ou pela legenda. Com a introdução da lista fechada, prevista no projeto, passará a escolher uma lista, organizada pelo partido. O primeiro da lista terá prioridade para ganhar cadeira no Congresso ou na Câmara. Se a lista tiver x votos, entra apenas o primeiro. Se tiver 2x, entram o primeiro e o segundo. E assim por diante. Para Santos, se o partido passa a ser responsável pela lista, na prática acontece uma "transferência de soberania".

O cientista político também repele a relação de críticas à composição do Congresso Nacional com o sistema eleitoral. Para ele, é "preconceituoso" dizer que o Congresso piorou nas últimas legislaturas, porque o que ocorreu foi uma popularização do voto nos últimos anos no país. Leia a seguir os principais trechos da entrevista à Agência Brasil, concedida logo após a participação de Santos no evento.

Agência Brasil - O que o sr. pensa sobre a proposta de mudança do sistema de lista aberta para lista fechada nas eleições proporcionais, conforme está no atual projeto de reforma política?

Fabiano Santos - Uma pesquisa que eu fiz no Rio de Janeiro, perguntando a respeito dos modos e modelos de votação para deputados, revelou que a preferência do eleitor brasileiro incide preponderantemente sobre esse modelo que temos, no qual existe uma proporcionalidade.

Os eleitores entendem que é importante uma certa proporcionalidade. Os direitos das minorias também são uma coisa que é entendida pelos eleitores. Ao mesmo tempo, eles preferem manter a oportunidade de escolher nominalmente seus candidatos. Distribuir poder é uma característica da nossa formação social. O sistema de lista aberta está absolutamente consagrado na preferência popular.

Do ponto de vista técnico, a passagem da lista aberta para a lista fechada implica uma transferência de soberania, porque vai se retirar um direito de o eleitor escolher o nome do seu candidato. Uma outra instancia irá definir a ordenação e os candidatos que vão ser donos das cadeiras, caso esses partidos realmente tenham cadeira. Então, tecnicamente, vai haver uma transferência de soberania, se o projeto for aprovado tal como está.

ABr - Tendo em vista tudo isso, o que o sr. considera que deveria ser feito em relação a esse projeto?

Fabiano Santos - O que se teria que ser discutido é o aperfeiçoamento da lista aberta, no sentido de se aproveitar mais os votos que são dados para os candidatos. Hoje, existe um desperdício muito grande, uma reclamação legitima, no sentido de que grande parte das vezes os votos dados aos candidatos não são aproveitados, os candidatos não são eleitos.

Isso ocorre por conta de um problema fundamental: as alianças e as coligações para as eleições proporcionais. A alteração desse ponto é uma coisa que está prevista no atual projeto de reforma política. Somente essa mudança, proibindo alianças e coligações, pode produzir efeitos fantásticos no que diz respeito ao aperfeiçoamento da representação política.

Com a mudança, os votos dados aos candidatos dos partidos serão mais bem aproveitados, porque somente os partidos que possuem uma densidade na opinião pública, sem as alianças e coligações, vão ter acesso à Câmara dos Deputados. As distorções vão ser reduzidas de forma dramática.

ABr - Durante o evento, vários participantes disseram que o Congresso vem piorando, em função do sistema de lista aberta. Isso corresponde à realidade, na sua avaliação?

Fabiano Santos - Esse é um mito, porque existe uma imagem de que o Congresso deveria ser formado por quadros brilhantes da elite brasileira. Só que o Congresso é uma instituição que tende a ser cada vez mais a reprodução da sociedade.

Às vezes se ouve dizer que o sistema educacional público brasileiro era muito melhor nos anos 40 e 50. O que aconteceu nas últimas décadas com o sistema eleitoral é algo semelhante ao que aconteceu na educação: o eleitorado se massificou, hoje, 76% dos brasileiros são eleitores.

À medida que a população participa mais e se educa politicamente mais, os partidos procuram apoio dessas camadas populares, eles precisam recrutar, cooptar membros da população, que tenham contato com a população. Esse processo acaba criando modificações importantes na composição, no perfil do parlamento. Então, se fala "ruim" – pode se dizer que o Congresso hoje é menos educado, mas ele é mais representativo.

ABr - Mas, existe também o desequilíbrio na atual representação no Congresso entre os estados, com o limite mínimo de 8 deputados e máximo de 70. Isso não precisaria ser mudado?

Fabiano Santos - O único problema em relação a isso é o seguinte: os estados que seriam desfavorecidos com essa mudança não vão concordar. Então, você chegou a um desequilíbrio, em que existe uma certa distorção, principalmente prejudicando São Paulo, mas qualquer tentativa de modificação, dando mais cadeiras para São Paulo e retirando cadeiras de estados pequenos, vai esbarrar no seguinte problema: eles não vão concordar.

Não é uma modificação fácil, é uma modificação de soma zero. Existe um conflito distributivo forte aí. Isso pode criar problemas na federação. Tem que ter muito cuidado e responsabilidade nessa discussão.

ABr - O sr. vê alguma maneira de resolver esse impasse?

Fabiano Santos - Seria preciso dar compensações no âmbito federativo, tributário, no campo dos investimentos. Os estados têm que ser compensados pela perda de poder político, caso isso realmente venha a entrar na agenda.