Cientista político diz que caixa 2 é generalizado e significa 90% dos recursos eleitorais no Brasil

18/07/2005 - 18h22

Michèlle Canes
Da Agência Brasil

Brasília - Para o cientista político David Fleischer, da Universidade de Brasília, o financiamento irregular de campanhas eleitorais no Brasil (o chamado "caixa dois") é um fato amplamente conhecido e alcança ampla parcela dos gastos reais dos candidatos. "Todo mundo sabe, e o Roberto Jefferson colocou isso muito claramente, que todos os candidatos, de todos os partidos usam caixa dois e que o caixa dois é mais ou menos 90% dos gastos", disse Fleischer, em entrevista à Agência Brasil, referindo-se a depoimentos recentes do ex-presidente do PTB na Câmara.

No sábado, o secretário de Finanças licenciado do PT, Delúbio Soares, admitiu em entrevista à TV Globo que o partido faz uso de recursos "não contabilizados" em suas campanhas eleitorais. Soares disse que o problema é generalizado.

A avaliação de Fleischer segue nessa direção: "Isso (o "caixa dois") é um fato, vale e todo mundo aceita, só que não tem como comprovar porque é muito bem escondido". O cientista político diz que as denúncias feitas a respeito dessas irregularidades em geral acarretam apenas que o partido faça uma "retificação" em suas prestações de contas. "De vez em quando aparece algum caso em que jornais descobrem algum gasto que o candidato fez que não está na contabilidade, e aí o candidato ou o partido tem direito de fazer uma retificação nas declarações que foram entregues para a Justiça Eleitoral."

Para Fleischer, avançar na resolução do problema é difícil. "Ninguém quer jogar a primeira pedra porque o seu telhado pode ser de vidro também", diz ele, em referência tanto às acusações de Roberto Jefferson de que o PT teria se comprometido a repassar dinheiro irregular para o PTB em 2004, como a informações publicadas pela imprensa de que o empresário Marcos Valério também teria envolvimento com fundos irregulares utilizados pelo PSDB em Minas Gerais.

Segundo o professor, o crime de utilização de recursos "não contabilizados" tem dois lados, envolvendo uma dupla violação da lei fiscal e da lei eleitoral. De um lado, envolve as empresas que não declaram seus lucros reais e sonegam impostos aplicando o dinheiro desviado em contribuições políticas. De outro tem-se o partido, que aceita e faz uso desse dinheiro sem colocá-lo na declaração de contas. A associação entre as duas partes, lembra ele, está muitas vezes ligada à aprovação de projetos de lei e outras medidas públicas que beneficiem os doadores.

Quanto às penalidades para esse uso irregular de recursos, Fleischer explica que podem se aplicadas de várias maneiras. O TSE decide qual seria a mais adequada para cada caso. "Pode haver uma multa, uma suspensão da legenda por algum tempo e, no caso mais pesado, ainda pode ser a cassação do partido ou a legenda deixar de existir como partido". Ele lembra ainda que, no caso da comprovação de que um determinado político foi eleito para um cargo com esses recursos irregulares, pode haver também a cassação do mandato.

Com relação às declarações feitas por Delúbio Soares de que o uso de recursos "não contabilizados" seria justificado pelo atual sistema eleitoral brasileiro, o professor disse que concorda. Segundo ele, o sistema eleitoral está cada vez mais caro. "Muitas vezes quem contribui com esse dinheiro, no setor privado, não quer que seu nome conste como doador porque tem problemas com o fisco e com evasão fiscal. Quando doador, ele faz questão de não constar o nome. O nosso sistema eleitoral é cada vez mais caro nas eleições, então o candidato e o partido procuram dinheiro em todas as fontes. O nosso sistema não tem rigor suficiente para comprovar origem de todos esses recursos".

Ainda sobre as declarações de Soares, o professor acredita que o fato de ele assumir pessoalmente a responsabilidade pelo uso irregular de recursos não vai livrar o PT de prestar contas à Justiça. "Mesmo assim, quem seria penalizado seria o PT, porque, por mais que o Delúbio Soares declare que tenha agido sozinho, ele agiu em nome do partido, que é uma entidade".