Olga Bardawil
Repórter da Agência Brasil
Fortaleza - Instalada no coração de um dos bairros mais pobres da capital cearense, a Escola Municipal Creuza do Carmo Rocha é uma entre milhares de escolas públicas espalhadas pelas periferias das grandes cidades brasileiras: paredes cheias de pichações, com a pintura gasta, móveis velhos e grades nas janelas e portas. Há duas semanas, a escola sediou um evento inédito no país: a primeira "Ciranda da Vida", projeto nascido da parceria entre o Ministério da Saúde e Articulação Nacional de Movimento e Práticas de Educação Popular e Saúde (Aneps).
A médica Vera Dantas, que também é educadora popular e uma das coordenadoras da Aneps, explica que a articulação é um movimento que reúne profissionais das áreas de educação e saúde já atuando junto a comunidades. Em 2003, com a criação da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, no Ministério da Saúde, eles viram a oportunidade de transformar em políticas públicas as soluções nascidas das experiências dos movimentos populares em que atuavam. Bastava articular essas experiências. Mas, para isso, o próprio conceito de saúde teve que ser revisto.
"A gente teve que discutir a questão da saúde como uma questão de vida das pessoas. Discutir como essas pessoas estão no seu espaço, com a sua cultura e como elas se organizam no enfrentamento dos problemas cotidianos. Isso tudo é saúde", explica Vera.
Na opinião da médica, é preciso levar em conta a tradição, que inclui praticas e cuidados de saúde propriamente ditos, como os das rezadeiras e das parteiras, mas também as manifestações culturais como as danças, as festas, o teatro, o circo etc. No Ceará, ela diz que a arte tem sido o eixo do trabalho da Aneps, usando como referência a "casa de farinha", construção comum nas pequenas propriedades rurais, onde se fabrica a farinha de mandioca.
"A casa de farinha é o espaço de trabalho, de fazer, de brincadeira, de solidariedade. É onde se faz a farinha, mas é onde se contam as histórias, onde se começam os namoros. Então, tem uma simbologia muito forte que nós usamos nos nosso encontros. A gente tem uma atividade cultural e a partir dela a gente discute os temas", conta ela.
Por isso, segundo a médica, a Ciranda da Vida dá visibilidade a essas experiências, por ser uma política pública de saúde que vai além do que ela chama de "paradigma centrado na doença".
"A gente sai desse paradigma para o paradigma da saúde, como um processo que é determinado socialmente, que inclui a espiritualidade, a afetividade. E que passa por essa discussão tão forte e tão presente nesse momento do Sistema Único de Saúde que é a discussão da humanização e da integralidade", diz ela.
Completamente alheias à teoria, as crianças da Granja Portugal que participaram da Ciranda da Vida, não tiveram dificuldades para apontar suas "situações limites", aquelas que exigem solução imediata. Nos cartazes confeccionados durante a oficina de arte, a figura mais desenhada foi a do revólver. A exemplo do que acontece em bairros na periferia das grandes cidades pelo resto do país, a violência também é o grande tormento daquela comunidade.
Os jovens também têm medo da violência. E como os adultos a incluíram entre os problemas mais graves do bairro, essa foi a "situação limite" tida como prioritária. A ciranda começou a girar. Maria Lucena, 78 anos, é quem puxa o canto para encerrar o encontro: "É uma casa de farinha, terreiro de animação, vai chegando as moreninha, eeeê... Ceva, ceva, cevador, ceva com muito cuidado..."
Até o próximo encontro, dentro de um mês, a comunidade da Granja Portugal vai trabalhar na busca das soluções para o problema da violência. E, quando voltar a se reunir, será para discutir propostas e tomar decisões para fazer com que as soluções sejam implementadas. E depois a repetir o processo com a segunda situação limite da lista. Como na ciranda.