Recurso da Nestlé não deve ter sucesso, acredita ex-conselheiro do Cade

24/05/2005 - 16h42

Keite Camacho
Repórter da Agência Brasil

Brasília – O professor de Finanças Públicas da Universidade de Brasília (UNB) e ex-conselheiro do Cade, José Matias Pereira, acredita que as decisões do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), têm sido acatadas em sua maioria pelo poder judiciário.

"A experiência tem mostrado isso, mas a gente tem que analisar caso a caso. Neste caso da Nestlé, a decisão foi custosa, difícil de ser tomada, mas foi feita com base em interesses da sociedade brasileira. Interesses menores não podem prevalecer sobre esse interesse maior. Não tem sido atendido na essência este tipo de pedido, porque ninguém melhor que o Cade para examinar questões como essas", afirmou.

O professor explicou que não seria conveniente para a sociedade a criação de condições para se formar um monopólio. "Esse caso da Garoto/Nestlé é um caso emblemático. Nós estamos tratando de um setor que aparentemente não teria significado para a economia, mas quando olhamos com profundidade, verificamos que tem sim, e que é tão importante como qualquer outro setor econômico", considerou.

Quem explica a matemática da decisão é o conselheiro do Cade Luís Fernando Rigato Vasoncelos, que foi relator de um dos recursos impetrados pela empresa junto ao conselho. Rigato diz ter ouvido críticas de que o Cade não aprovou a fusão da Nestlé/Garoto, que tinha uma concentração de 60% do mercado de chocolates sobre todas as formas, mas que aprovou operações que geram 80% de concentração.

"O que se deve notar é que não é só a concentração que é importante, mas também todas as demais condições de mercado de uma determinada indústria. Se há concentração alta, mas há facilidade de entrada no mercado, pode aprovar com concentração alta. Nesse mercado de chocolates, não é fácil entrar. As empresas demoram cinco ou seis anos para ter um produto que caia no gosto do consumidor e emplaque", afirmou.

Com a aquisição da Garoto, a companhia suíça Nestlé passou a deter 58,4% do mercado de todos os produtos de chocolate. A Lacta ficou com 33,15%, seguida de Ferrero (3,4%) e Arcor (3,4%).

Para o professor da UNB, embora o Cadê tenha dado a sua decisão final, a legislação brasileira prevê o direito de recorrer à Justiça. "No nosso sistema jurídico isso está previsto e a decisão do Cade é administrativa. Por conta disso, a empresa tem o direito de recorrer no poder judiciário. O nosso sistema jurídico, em qualquer instância administrativa, entende que cabe sempre ao poder judiciário dar a palavra final", disse.

Matias Pereira afirmou que a sua avaliação é que a Nestlé terá dificuldade para reverter a decisão do conselho. "Eu entendo, e essa é a minha avaliação pessoal, que a empresa Nestlé vai ter muita dificuldade em obter sucesso caso impetre a ação. Isto porque os votos do Cade são votos amadurecidos e que mostram que o que está em jogo é o interesse da sociedade. O que acaba acontecendo é que as empresas, com base na própria consistência das decisões do conselho, acabam se convencendo de que vão fazer um esforço enorme, vão gastar muito dinheiro e não vão ter sucesso", considerou.