Marli Moreira
Repórter da Agência Brasil
São Paulo – Em entrevista à Agência Brasil, o ex-presidente da Varig e da Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer), Ozires Silva, defende a criação de uma agência reguladora para o setor e o modelo de alterações estabelecido pelos norte-americanos. Leia abaixo os principais trechos:
Agência Brasil: A criação de uma agência reguladora seria a saída?
Ozires Silva: Creio que sim, dependendo das formas ou dos termos em que essa agência for criada. Mas de qualquer maneira, é importante levar em consideração que com o serviço, sobre tudo no nível de segurança, requerido pelo passageiro moderno, [o setor] requer uma estrutura experiente com técnicos formados ao longo do tempo, com espírito de prestação do serviço público, espírito de corpo muito forte das empresas, entusiasmo. E tudo isso não estamos conseguindo, embora o transporte aéreo no Brasil seja bastante seguro, nivelado com o que está acontecendo no mundo. Mas precisamos fazer com que essas companhias tenham uma saúde financeira, lucrativa, operacional extremamente adequada porque, afinal, estamos lidando com vidas humanas.
ABr: Como seria na prática a flexibilização ideal?
Ozires Silva: Graças a Deus nós não temos problemas operacionais no sentido de que nossas companhias funcionam bem, são muito seguras, as equipes estão trabalhando bastante bem, os aviões decolam, razoavelmente no horário, temos uma rede de linhas não tão grande quanto desejaríamos, mas sob certo aspecto satisfatório. A questão fundamental é cuidar dos custos, que envolvem a tributação, juros altos, preço do combustível, que é o mais elevado do mundo, regulamentação sobre a compra de peças para reposição, revisão de componentes, autorização para novas linhas, nível de competição, programa de marketing, enfim, ações que dependem, essencialmente, do governo.
ABr: Mas alguns desses itens envolvem questões complexas da macroeconomia e não seriam apenas decisões específicas para o setor aéreo?
Ozires Silva: Acontece que o transporte aéreo tem características internacionais, então tem de ser tratado como tal. Eu não busco exceção para o transporte aéreo. Talvez as únicas coisas que nós não podemos mexer, especificamente, sejam a taxa de juros e o câmbio, mas a tributação sim, e trazê-la a níveis de competição. Isso impediria, por exemplo, a situação que temos hoje em que as companhias norte-americanas vêm ao Brasil, operam no Brasil com tributação média de 12%, enquanto as brasileiras arcam com 36%.
ABr: Dá para imaginar concorrência aberta ou sem limitação no número de linhas?
Ozires Silva: A limitação de empresas estrangeiras é fixada por resolução internacional. Há cerca de dez anos, o governo brasileiro autorizou quatro empresas nacionais a voarem para o Exterior e, por isso, os países que voam para o Brasil têm o direito de colocar o mesmo número de companhias voando para cá. O que aconteceu é que a Transbrasil e a Vasp não conseguiram se sobrepor à crise internacional, saíram do mercado e, agora, não se pode mais impedir as concorrentes de operar aqui. Então há um claro desequilíbrio. As únicas sobreviventes no transporte internacional são a Varig, que é a mais experiente e concentra a maior porcentagem das operações, e a TAM, que tem somente linha para Paris e para Miami. Quanto à entrada das chamadas empresas de baixo custo, que é política da Gol, por exemplo, e que é vitoriosa para determinadas empresas, não pense o consumidor brasileiro que há uma sobrevivência somente com as companhias de baixo custo porque elas têm de conviver com "empresas normais", de longo curso, e há diferentes tipos de demanda.
ABr: Ainda assim, é uma tendência esse tipo de política de baixo custo?
Ozires Silva: Essa é uma tendência internacional e existem vários tipos de passageiros, os que preferem pagar mais por um conforto maior e aqueles que, quanto menor a tarifa, mais voam.
ABr: É possível conceber o setor sem crise e quais são os fatores que o senhor considera essenciais para que haja uma estabilidade nas companhias aéreas?
Ozires Silva: É possível, mas de vez em quando há fatos que afetam o setor. Por exemplo, os Estados Unidos adotaram uma nova regulamentação, em 1995, que permitiu o florescimento das empresas atuais e fizeram um trabalho fantástico, inclusive, carreando, uma quantidade de resultados financeiros, de várias dezenas de bilhões de dólares. É claro que o 11 de setembro de 2001 (refere-se aos atentados terroristas às torres gêmeas do World Trade Center), provocou um retrocesso nisso e, até hoje, o próprio governo norte-americano não conseguiu ainda encontrar um fator de equilíbrio das companhias sobreviventes. Aqui no Brasil, a coisa permanece a mesma e é preciso entender que tipo de setor é esse, é muito regulado. É preciso ser mais flexível, acho que o setor pode progredir porque há demanda. Hoje, ninguém pode imaginar uma pessoa sair de São Paulo e fazer um negócio em Manaus de ônibus, por exemplo, ou de navio, que sequer existe. O avião passa a ser o único meio para essa integração.
ABr: Que medidas foram essas adotadas pelos norte-americanos?
Ozires Silva: A legislação que entrou em vigor, em 1995, surgiu de uma proposta encaminhada ao congresso americano pelo ex-presidente Bill Clinton, fundamentada em três aspectos: uma indústria mais competitiva, mais avançada e muito mais segura. O congresso americano olhou para o panorama nacional e entendeu a mensagem do executivo, fazendo com as empresas conquistassem 40% do tráfego aéreo mundial. Quando falo isso não é com a intenção de criticar o governo A ou B, ou autoridade A ou B. É simplesmente que o Brasil precisa nivelar o setor às regras internacionais, para que se possa cada vez mais permitir esse tipo de transporte, cuja velocidade é pelo menos dez vezes maior do que de qualquer outro tipo de meio do sistema do tráfego de superfície. E para o industrial moderno, o homem de negócio, a variável que mais importa hoje é a economia de tempo.
ABr: E quanto à incorporação de tecnologia a cada nova geração de aeronave, que eleva os custos de cada nova unidade. É um caminho sem volta?
Ozires Silva: Bom, isso é verdade. Muitas companhias têm como política operar somente aviões novos, ainda dentro do prazo de garantia, requerendo menos manutenção. Então, isso funcionaria por meio do sistema de leasing e esse é um sistema dificultado por causa dos juros altos, excesso de burocracia etc. É uma atividade lucrativa para empresas dos Estados Unidos e Irlanda, por exemplo.
ABr: Crises como as provocadas pelo 11 de setembro e pela gripe asiática, já teriam sido superadas?
Ozires Silva: Os impactos por problemas sanitários, são muito rapidamente absorvidos. Na década de 60, por exemplo, antes de descer em solo americano, as comissárias de bordo e demais ocupantes tinham de aspergir inseticida dentro ainda do avião para que pudessem descer esterilizados. Quanto aos ataques terroristas, isto implicou em um custo maior para as empresas e deveria ser bancado pelo estado, como inspeção em procedimentos nas oficinas, porão do avião e manuseio quando a aeronave ainda está em preparo para decolagem.