Campanha educativa desestimulará atitudes que configurem racismo

14/04/2005 - 20h28

Brasília, 14/4/2005 (Agência Brasil - ABr) - O governo vai pedir às autoridades de administração esportiva do Brasil e do exterior que adotem medidas para acabar com manifestações de preconceito, discriminação racial e xenofobia (nacionalismo exagerado, com aversão a estrangeiros) nos campos de futebol. De acordo com o secretário-executivo da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, da Presidência da República, Douglas Martins de Souza, uma campanha conjunta com o ministério do Esporte vai tratar do tema, de maneira educativa, para desestimular atitudes que configurem racismo e mostrar a importância da ética étnico-racial.

Em nota conjunta divulgada nesta quinta-feira, o ministro do Esporte, Agnelo Queiroz e a ministra Matilde Ribeiro, da Secretaria de Igualdade Racial, repudiaram as manifestações como a que ocorreu ontem (13) no Morumbi, quando o jogador argentino Leandro Desábato ofendeu o são Paulino Grafite. Na nota, eles lamentam o incidente e o classificam de grave. "É mais uma passo na escalada de preconceito que vem tomando os estádios de futebol no mundo", dizem na nota. O ministro e a ministra dizem que a "a atitude racista do argentino vai contra os valores de igualdade, respeito e união que o esporte promove".

Abaixo, a íntegra da entrevista que o secretário-executivo de Igualdade Racial concedeu à Agência Brasil e à TV Nacional:

Agência Brasil – Que medidas o governo pode tomar para evitar esse tipo de situação?

Douglas Martins de Souza – Medidas educativas. Nós estamos pensando em iniciativas conjuntas com o Ministério do Esporte para, por oportunidade dos jogos, abordar esses temas, através de campanhas com a participação, se possível, dos próprios atletas. Serão campanhas contra esse tipo de manifestação, que é absolutamente anacrônica e não tem nada a ver com os tempos atuais. Principalmente o esporte que, por excelência, é uma atividade de congraçamento de todos, a despeito de alguém torcer para esse ou aquele time, essa ou aquela seleção.

ABr – Como o governo vai acionar entidades esportivas no Brasil e no exterior, medida anunciada na nota?

Souza – Já chegou a hora. Porque todos nós sabemos dos constrangimentos sob os quais os atletas brasileiros têm atuado, principalmente os atletas negros, nos campeonatos europeus de futebol. Nós sabemos também que no nosso país há uma campanha, um esforço para que iniciativas desse tipo desapareçam do nosso convívio social. E nós sabemos, fundamentalmente, que as instituições que promovem o esporte são comprometidas com a paz, com a tolerância, com a diversidade e com uma competição sadia, saudável, que tem por princípio, única e exclusivamente, a satisfação de atuar num determinado certamente. Mas sempre num clima de amizade e de congraçamento. Então, essas instituições tem por propósito também promover a integração dos diferentes seres humanos, e de suas diferentes potencialidades. São comprometidas institucionalmente com isso. Então, é natural que num momento desse, o governo brasileiro procure essas autoridades para que nós possamos promover campanhas que coloque a perniciosidade desse tipo de situação. O Ministério do Esporte tem uma campanha já em andamento que é Paz nos Estádios. E a paz está fundamentada em vários aspectos, e um deles é o da tolerância também e o de você não agredir o seu semelhante, quer diretamente, de maneira física, ou até de maneira, como no caso (do jogador argentino) injuriosa, como é o caso dessas expressões racistas. O racismo é uma forma de violência e nós não temos nenhuma tolerância com isso e por isso estamos conversando com os promotores desses eventos para poder destacar esse sentimento e esse princípio.

ABr – Atenua o fato do jogador ser argentino em função da velha rivalidade entre brasileiros e argentinos, inclusive argumento usado pelo cônsul argentino em São Paulo?

Souza – Não, não atenua de forma alguma. A rivalidade entre argentinos e brasileiros é uma rivalidade que pode ficar muito bem no âmbito do esporte, como uma rivalidade entre flamenguistas e corintianos, e entre quem torce pro Santos ou outro clube. Mas, no fundo, todos nós precisamos ser cidadãos, precisamos estar em paz para poder entrar no estádio e ter o direito de assistir o jogo. Brasil e Argentina, no âmbito do terreno político-institucional, tem somado esforços convergentes na defesa das economias regionais, da inclusão dessas economias e de seus respectivos povos no desenvolvimento com justiça social. Essa é uma posição do presidente da República do Brasil, do presidente Lula, do presidente da Argentina, Kirchner, e não há nenhuma rivalidade quando se trata dos sentimentos éticos e de propósitos de desenvolvimento social. Então, isso não se justifica em absoluto. Racismo é injustificável e, entre nós, é crime. E é por isso que essa pessoa está respondendo nos termos da lei. E acredito que o sentimento, em última instância do povo argentino, assim como do povo brasileiro, é um sentimento de paz, de convivência social que nos possibilite desfrutar do desenvolvimento, do lazer, do esporte, sempre em paz e em condições de fazê-lo com segurança. Até porque esse é uma condição pra que se possa fazer isso em conjunto, com nossos familiares inclusive.

ABr – O fato de racismo não ser crime em outros países colabora para que entidades como a Federação Espanhola de Futebol e outras federações européias não sejam mais duras na aplicação de sanções contra jogadores e torcidas que manifestam racismo durante as partidas?

Souza – Sempre que se tem a ausência de uma norma que retribua na mesma proporção agressão empreendida por qualquer pessoa, tem-se talvez uma margem de impunidade. A impunidade é um fator de estímulo para que as pessoas continuem praticando atos perniciosos, achando que têm esse direito. Agora, todo o país minimamente desenvolvido, trata da questão da convivência, da tolerância étnico-racial como um direito fundamental dos seres humanos, que é um direito de não ser discriminado, de não ser segregado e é nesse contexto que estamos. Então, não acho que na Europa, cujos países são signatários dos diferentes pactos na comunidade internacional de promoção da igualdade racial, e eu destaco aqui a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial das Nações Unidas, que quase todos os países são signatários. Não acho que se possa falar apropriadamente da ausência de norma, existem normas. Agora, mesmo que não existissem normas, existe a ética e o sentimento do bom-senso. E é de bom-senso que você não deve segregar, nem agredir uma pessoas pelas características étnico-raciais dela. Não me parece que isso justifique uma conduta desse tipo.