Alana Gandra
Repórter da Agência Brasil
Rio - A chamada violência estrutural é o principal fator determinante do encaminhamento de crianças e adolescentes brasileiros para abrigos. Essa é uma das constatações do Levantamento Nacional de Abrigos para Crianças e Adolescentes, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que analisou o perfil das crianças e jovens abrigados nessas instituições e o motivo desse abrigamento. A violência estrutural engloba uma série de fatores: desemprego, falta de recursos financeiros da família, desajuste dos pais, maus-tratos, entre outros.
A coordenadora-geral da pesquisa, Enid Rocha, revelou à Agência Brasil que "o perfil é notadamente de exclusão social". As crianças e adolescentes abrigados são em sua maioria meninos (58,5%), negros (63%) e estão nessas instituições por motivos relacionados à pobreza e carência material (24,1%). Por faixa etária, o estudo do Ipea identifica que os abrigados são em geral crianças mais velhas, que apresentam mais dificuldade para a reinserção familiar e para adoção.
Nos 589 abrigos que recebem recursos do governo federal, incluídos no levantamento, o Ipea verificou a existência de 20 mil crianças e adolescentes abrigados, com a maior concentração na região Sudeste e, por estados, em São Paulo. Enid Rocha informou que a maioria dessas crianças tem família (87%) e a maior parte (58,2%) mantém vínculo familiar, ao contrário do que a sociedade imagina: que se trata de crianças órfãs.
Apesar da continuidade desse relacionamento, a carência de recursos materiais da família é o motivo alegado para o abrigamento, frisou a pesquisadora, destacando que pela legislação brasileira essa não é uma razão para que os pais levem seus filhos para abrigos. "Pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, a carência material não pode levar à destituição ou perda do poder familiar". Enid Rocha observou porém que o quadro de carência material, de precariedade domiciliar e desemprego não pode ser dissociado de uma situação de violência intrafamiliar. "É impossível a gente dissociar esses 2 fenômenos", assegurou.
A coordenadora-chefe do levantamento do IPEA indicou a necessidade de se disciplinar a entrada nos abrigos. "Os dados mostram que é necessário a gente regular essa porta de entrada porque, pelo Estatuto (da Criança e do Adolescente), não se pode fazer o abrigamento por motivos de carência material, e o abrigo é uma das últimas medidas a serem aplicadas", esclareceu.
A legislação estabelece uma série de medidas antes do abrigamento, como por exemplo orientação familiar e exigência da matrícula da criança na escola. Caso se trate de uma situação de violência, de maus-tratos, o agressor deve ser retirado do domicílio. "Tudo isso a nossa legislação prevê no princípio da convivência familiar, para adiar e evitar o abrigamento. Mas o que a gente observa é que há uma aplicação indiscriminada dessa medida", disse.
Além da carência material, as crianças vão parar em abrigos por abandono pelos pais e responsáveis (18,8%), por violência doméstica (11,6%) e pela dependência química de pais e responsáveis (11,3%). Do total de crianças e adolescentes internados pesquisados pelo Ipea em 2003 nos 589 abrigos em todo o país, 32,9% estavam abrigados por um período entre dois a cinco anos e somente 10,7% tinham condições de ser adotados. A comparação foi feita com dados do ano anterior.