Professor defende auditoria e divulgação dos termos do acordo com FMI

28/03/2005 - 20h26

Brasília, 28/3/2005 (Agência Brasil - ABr) - Especialistas que estudam dívida externa defendem uma ampla auditoria da dívida brasileira e consideram que o anúncio de que o Brasil não vai mais renovar o acordo de 1998 com o Fundo Monetário Internacional (FMI) é insuficiente para ter reflexos na sociedade. Segundo João Luiz Pinaud, professor de Direito e integrante da Comissão de Direitos Humanos do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), não há transparência quanto aos termos dos acordos assinados com o FMI desde o regime militar.

Pinaud defende a realização de uma auditoria da dívida e que os termos sejam divulgados amplamente para toda a sociedade, a fim de que todos opinem. "Os acordos são assinados de maneira unilateral até hoje, como sempre foram. Teria que haver consentimento do povo e do Congresso", argumentou. Para o advogado, o endividamento brasileiro foi contraído de forma ilegal. "A dívida, em si, é questionada dentro do Direito Internacional porque é sigilosa e lacunosa e é também ilegítima à luz do direito constitucional brasileiro", reitera.

A socioeconomista Sandra Quintella, do grupo Políticas Alternativas para o Cone Sul (Pacs), alerta para a importância de se avaliar como a dívida será tratada de agora em diante e o que representará a decisão de não renovar o acordo na definição da política macroeconômica. "Até que ponto isso garante a autonomia na definição da política macroeconômica, sempre permeada pelo rigor fiscal, alta carga tributária e uma participação cada vez maior das receitas tributárias no PIB (Produto Interno Bruto)?", questiona.

O governo, na opinião de Sandra Quintella, precisa sanar, em primeiro lugar, a dívida social. "Onde fica a reforma agrária, a reforma urbana? O ajuste fiscal é o câncer que corrói as contas públicas, porque não é um ajuste fiscal que retorna em melhor serviços que o servidor público tem que prestar à sociedade, para que a universidade faça mais pesquisa, para que o hospital atenda melhor. Ao contrário, corta-se o orçamento do ministério do Desenvolvimento Agrário para fazer a reforma agrária, retira-se constantemente dinheiro das universidades e por aí vai", queixa-se.

No ano passado, lembra, o Brasil gastou R$ 280 bilhões só para pagamento das dívidas interna e externa. É um valor alto, na avaliação da economista, se for considerado o orçamento de ministérios como o da Sáude, sempre o dono da maior fatia do orçamento, e o da Educação, que disputa com o Desenvolvimento Social o segundo lugar na lista. O orçamento para a pasta da Saúde, aprovado para 2004, foi de R$ 36 bilhões e para a Educação, de R$ 6,3 bilhões.

Sandra Quintella diz acreditar que os acordos com o FMI sejam sempre injustos com a sociedade e imponham ao Brasil uma agenda desfavorável ao povo. "A agenda prevista na carta de intenções que o governo brasileiro assinou com o Fundo prevê a aprovação de projetos como o das parcerias público-privadas, a Lei de Falências, as reformas previdenciária e tributária", observa. Além disso, a dívida externa brasileira está sempre condicionada aos bancos, que são os donos dos títulos da dívida pública e atrelada a uma taxa de juros extremamente alta.

O Fundo, na avaliação da economista, pode ainda explorar em favor próprio a decisão brasileira de não renovar o acordo. "O Fundo sai do Brasil num momento em que o dólar está estabilizado e atrai investidores internacionais. O FMI é uma instituição desgastada junto ao meio acadêmico no mundo todo, todos fazem críticas à política que usa a mesma receita para qualquer país de quem é credor, independentemente de suas diferentes capacidades econômicas", explica.

O grupo Pacs defende a auditoria da dívida externa brasileira, com um estudo detalhado de todas as revisões, conforme prevê a Constituição. "Queremos rever os contratos. Nos últimos 20 anos, se o Brasil tivesse pago o saldo devedor com uma taxa conservadora de 6% ao ano, teria pago US$ 230 bilhões de dívida e seria credor de US$ 100 bilhões", conta Sandra. Como pelo acordo com o FMI as taxas usadas são flutuantes, houve momentos em que o país pagou juros anuais de 22%, ressaltou a economista. "A dívida externa foi contraída no regime militar e deveríamos usar o argumento da dívida odiosa, como usou Cuba para não reconhecer seu débito com a Espanha", defende.

A Constituição estabelece que auditorias da dívida externa são função do poder Legislativo. De acordo com Sandra Quintella, esse trabalho precisaria ter o controle da sociedade civil, por meio de instituições especializadas como o Sindicato dos Auditores Fiscais (Unafisco). "Estou curiosa, agora, para saber que medidas o Fundo vai estabelecer depois dessa decisão (a de não renovação do acordo)", disse.