Especial 7 - Fies e ProUni são investimento público no setor privado, criticam especialistas

18/03/2005 - 17h10

Juliana Andrade
Repórter da Agência Brasil

Brasília - "O ProUni não pode ser pensado como instrumento que gere mais lucros para os empresários do ensino superior e nem dívidas futuras para os estudantes carentes, que terão grandes dificuldades de pagar, pois nem sempre serão absorvidos pelo mercado de trabalho cada vez mais competitivo e restritivo", avalia o professor Pablo Gentili, do Laboratório de Políticas Públicas, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

O professor se refere à medida do ministério da Educação que, diante da baixa procura inicial pelo Programa Universidade para Todos (ProUni) - que financia até 50% da mensalidade - propôs aos estudantes que não tivessem condições de pagar a outra metade que utilizassem o crédito do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies). O Fies poderá financiar mais 25% da mensalidade do estudante do ProUni. Hoje, aproximadamente 170 mil alunos recebem apenas o financiamento do Fies – sendo que 42.638 deles fizeram suas inscrições no programa no ano passado.

O ProUni oferece bolsas de estudo para 112.416 vagas em 1.142 instituições de ensino superior privadas a estudantes de baixa renda, professores da rede pública que não têm curso superior, negros e indígenas. Mais de 110 mil alunos preencheram o cadastro para concorrer às bolsas. Em 2004, o orçamento das universidades federais ficou em R$ 6,3 bilhões.

O secretário de Ensino Superior do ministério, Nelson Maculan, explica que a articulação entre o ProUni e o Fies foi uma resposta rápida à demanda dos alunos que não têm condições de pagar as bolsas parciais. "O programa do presidente Lula disse que ia incluir as pessoas. E onde há vagas ociosas hoje? O sistema privado tem mais de 400 mil ociosas, enquanto há pouquíssimas no sistema público, acho que menos de sete mil vagas em todo o Brasil", diz Maculan.

Na avaliação do professor Pablo Gentili, as mudanças sofridas pelo programa durante sua tramitação no Congresso tentaram transformá-lo em financiamento público para o ensino superior privado. "O Prouni deve ser instrumento de distribuição da renda educativa, que está altamente concentrada, para beneficiar os setores que estão à margem do ensino superior de qualidade. No Brasil, o crescimento do ensino superior privado foi enorme por causa da estagnação da oferta de vagas nas universidades públicas."

Até ser sancionado pelo presidente Lula no dia 13 de janeiro, o ProUni sofreu diversas modificações no Congresso. A medida provisória elaborada pelo governo previa oferta de 20% das vagas em instituições filantrópicas e de 10% em instituições privadas, com ou sem fins lucrativos. Na Câmara dos Deputados, o texto foi modificado por emendas que reduziram de 10 para 7% as vagas no programa. Com isso, o MEC calculou que o ProUni perderia mais de 30 mil bolsas. No Senado, a medida sofreu novas alterações e aumentou o percentual de vagas para 8,5%.

As instituições que aderem ao Prouni têm isenção do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica, Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e o Programa de Integração Social (PIS). De acordo com a assessoria de imprensa do MEC, se todas as instituições de ensino superior privadas aderissem, seriam R$ 250 milhões de isenções por ano.

Para o professor da Universidade de São Paulo, Otaviano Helene, "do ponto de vista da educação em todos os níveis, o setor público é muito mais eficiente; quer do ponto de vista de qualidade dos cursos, dos tipos de cursos que oferecem ou da região em que oferecem. Contribuem para o desenvolvimento nacional, enquanto que o setor privado não. A principal questão dele é a planilha de custos. Temos um déficit enorme de professores e o setor privado não está preocupado com isso. Ele é como qualquer setor privado, que tem que olhar se fechou a conta no final do mês", afirma.

O secretário Nelson Maculan diz que o financiamento das mensalidades em instituições privadas não é uma forma de priorizar o ensino privado em detrimento do público. "Pelo contrário, como diz o ministro Tarso Genro, estamos estatizando vagas privadas", disse. "Houve um cálculo aqui no MEC mostrando que o que as universidades privadas deixam de pagar alguns encargos sociais é mais barato que o investimento, naquele momento, na educação pública".

Para o presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Gustavo Petta, a articulação entre o Fies e o Prouni é positiva. Ele alerta, porém, para o risco de as instituições elevarem o preço das mensalidades. Dessa forma, avalia Petta, o valor da bolsa parcial também seria maior.

"Se não houver um processo de fiscalização rígido por parte do MEC, há a possibilidade de fraude na adoção dessas bolsas. Hoje, por exemplo, a gente tem uma grande dificuldade em fazer com que as casas de cinema e de espetáculos cumpram a lei de meia-entrada para os estudantes. Em muitos casos, cria-se um valor fictício para a inteira, dobrando o preço, e dando meia-entrada para todo mundo. É uma forma de burlar a lei", diz. "Temos a preocupação de que isso também seja adotado no ProUni e as instituições passem a ter valores fictícios de mensalidade".

Colaboração de Priscila Rangel

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