Gabriela Guerreiro e Iolando Lourenço
Repórteres da Agência Brasil
Brasília - O Senado Federal parou hoje para comemorar os 20 anos do fim da ditadura militar no país. Em 15 de março de 1985, o último general presidente, João Batista Figueiredo, deixava o comando da nação nas mãos dos civis. Coube ao então vice-presidente José Sarney a tarefa de iniciar a redemocratização do Brasil, em um clima de incerteza e insegurança diante do momento político - o presidente eleito pelo Colégio Eleitoral, Tancredo Neves, não pôde tomar posse na Presidência devido a uma diverticulite, que acabou por levá-lo à morte em 21 de abril de 1985.
Hoje, 20 anos depois, Sarney revelou em discurso a um plenário lotado de políticos da atualidade e de seu governo, o temor que sentiu ao ser comunicado às três horas da madrugada do dia 15 de março que teria de assumir a Presidência. "Fui um presidente que assumiu com todas as condições para não terminar meu mandato. Eu não tinha um grande partido, não compus o meu ministério, não conhecia os acordos. Eu dizia ao Tancredo que era um vice-presidente fraco para um presidente forte. E assumi com todas essas fragilidades. Fui quase levitando jurar a Constituição", lembrou o atual senador pelo PMDB do Amapá.
A intimação para que Sarney tomasse posse partiu do futuro ministro do Exército de seu governo, general Leônidas Pires Gonçalves. Sentado hoje na primeira fila do plenário do Senado, o general acompanhou, emocionado, as lembranças do episódio que marcou a posse de Sarney. "Eu disse a ele que nós tínhamos que cumprir o texto da Constituição, que eu conhecia muito bem. Nos Artigos 76 e 77, estava bem claro que era ele quem devia assumir. Foi questão de obedecer ao texto da lei. Naquele momento de crise, eu estava na hora e no lugar certo, no momento necessário para participar e ajudar na solução do problema", afirmou o general Leônidas.
Sarney lembrou hoje que Tancredo Neves só aceitou ser operado depois de ter a garantia de que seu vice-presidente seria empossado na Presidência da República. O presidente João Figueiredo, no entanto, deixou o Palácio do Planalto sem passar oficialmente a faixa presidencial a José Sarney. "Era apenas um detalhe pessoal: a não-preferência do presidente Figueiredo de passar o governo ao vice-presidente José Sarney", disse o general Leônidas.
A decisão de Figueiredo foi motivada pelo fato de Sarney ter abandonado seu partido, o PDS, pouco tempo antes do fim do regime militar. A polêmica sobre quem assumiria o poder com a internação de Tancredo Neves se arrastou por horas. Alguns políticos e militares defendiam que o então presidente da Câmara dos Deputados, Ulysses Guimarães, deveria tomar posse. No entanto, prevaleceu a leitura da Constituição feita pelo general Leônidas, com o aval de Ulysses Guimarães.
Emocionado, Sarney recordou durante a homenagem no Senado realizações do seu governo, em especial os feitos na área social, com distribuição de leite, e a universalização da saúde no país. "Eu acho que cumpri com o meu dever, e fui apenas um instrumento da vontade de Tancredo Neves, e nós conseguimos realizar uma transição plenamente exitosa. O Brasil caminha hoje com uma sociedade democrática. Precisamos ainda, evidentemente, que ela seja também democrática, sob o ponto de vista social, mas as bases foram lançadas como bases definitivas", ressaltou.
A homenagem foi uma iniciativa do presidente do Senado Federal, Renan Calheiros (PMDB-AL), que, por meio de requerimento, convocou sessão solene pelos 20 anos da redemocratização no Brasil. O governador de Minas Gerais, Aécio Neves, neto de Tancredo, representou a família do ex-presidente. O ministro de Coodenação Política, Aldo Rebelo, representou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Também esteve presente, como representante do Poder Judiciário, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STJ), Nelson Jobim.
A sessão contou também com a presença de grande parte dos ex-ministros do governo de José Sarney, como Fernando Lira (Justiça), Iris Resende (Agricultura), Sepúlveda Pertence (ex-procurador-geral da República), Pedro Simon (Agricultura), Marco Maciel (Educação), Antonio Carlos Magalhães (Comunicações), e o então líder do governo na Câmara, Pimenta da Veiga.
Além de José Sarney, sete senadores ocuparam a tribuna para falar sobre o início do regime democrático no país. O senado Pedro Simon (PMDB-RS), um dos ex-ministros de Sarney, ressaltou a importância do legado deixado com a consolidação da democracia no país, mas criticou as desigualdades sociais ainda presentes no país. "Se a nossa geração entregou um Brasil livre, até hoje temos a dívida do social. E a dívida continua. Os jovens estão muito preocupados com tantas coisas, com a escolha de cargos para ministro, mas (torço para) que eles consigam levar ao povo brasileiro, que já tem liberdade, pão e justiça", defendeu.
O presidente do Senado, Renan Calheiros, ressaltou a necessidade de o país refletir sobre os 20 anos da redemocratização. "É preciso lembrar o processo pacífico que foi a transição, a persistência e confiança do povo, e a capacidade das lideranças políticas, que possibilitou a transição pacífica", disse.