Mudanças na agricultura visam fortalecer presença brasileira no mercado internacional

05/02/2005 - 9h34

Lana Cristina
Repórter da Agência Brasil

Brasília - Após uma reforma na estrutura de gestão do Ministério da Agricultura, feita para adaptar o setor público aos avanços da área privada, o ministro Roberto Rodrigues diz que a agricultura brasileira tem papel importante na promoção da paz mundial. O agronegócio gera renda, riqueza, diminui a miséria e a violência, conseqüentemente, ressalta Rodrigues nesta entrevista exclusiva à Radiobras. E ele avisa: não há distinção entre agricultura familiar e agricultura empresarial. Tudo é agronegócio. A Embrapa, enfatizou o ministro, continuará, como sempre fez, desenvolvendo tecnologias para ambos os segmentos.

ABr - Como estão as perspectivas para 2005, o ministério passa por uma reforma estrutural no momento com vistas ao futuro?

Rodrigues - Estamos terminando de implantar uma reforma estrutural do Ministério da Agricultura que foi conduzida em comum acordo com o Ministério do Planejamento e a Casa civil. Levamos ao presidente da República a seguinte expectativa, o último grande organizador do ministério foi o fantástico ministro Alysson Paulinelli, a quem devemos muito, a história da agricultura nacional. Desde então, houve pequenas reformas em uma ou outra área específica do ministério. Mas a estrutura ficou parada. Nesses quase 40 anos de história brasileira, a agricultura viveu uma revolução ímpar, a revolução silenciosa, ditada por incorporação de tecnologias novas, por novas formas de gerência, pela agregação de valor, com o crescimento vigoroso da participação brasileira no mercado mundial de produtos agrícolas, e o ministério não mudou.

Então, a área privada evoluiu e o governo ficou estacionado. Com isso, o que ocorreu foi que o ministério acabou se transformando cada vez mais numa amarração que inibia avanços privados. Ao passo que, na visão do presidente Lula, o governo tem que ser estimulador dos avanços privados. Propusemos então uma reforma completa na estrutura e isso implicou em trocas de pessoas, na estrutura. Essa reforma tem uma série de características que seguem o conceito de modernização estrutural com flexibilização e com algumas áreas muito especificamente tratadas. São três áreas relevantes: a primeira é a criação de uma secretaria de relações internacionais. A agricultura é responsável por 43% das nossas exportações e não tínhamos uma área específica que cuidasse disso.

Temos um grupo de técnicos da melhor competência e qualidade, que trabalhava muito isolado. A secretaria terá três áreas: uma de negociação internacional, que funcionará de maneira subsidiária às ações do Itamaraty. Terá um departamento de promoção comercial que é para participar de feiras internacionais, e mostrar em embaixadas e no mundo inteiro a nossa eficiência competitiva e a qualidade dos nossos produtos. E haverá também um departamento de Acordos Santários, hoje uma questão essencial para nossa competitividade. Já temos 140 assinados, mas uma quantidade enorme de acordos por assinar.

E criamos também uma área de planejamento estratégico. É surpreendente que o ministério não tenha essa área. Há 50 anos, o café representava 50% a 60% das exportações do agronegócio nacional, hoje é 3%. Há 50 anos, a soja não existia no país, hoje é 30% das nossas exportações. Houve, então, um conjunto de mudanças na participação brasileira no mercado internacional. Leite, fomos a vida inteira importadores. O ano passado, pela primeira vez na história do Brasil, tivemos um superávit no comercio mundial do leite. Tudo isso implica em olhar melhor o futuro.

Essa área tem que responder uma pergunta: quem é que vai consumir o quê, no mundo, em 2030? Considerando, por exemplo, a mudança de faixa etária, o perfil de demandas por produtos agrícolas, alimentícios, couros, roupas etc vai mudar vigorosamente nos próximos anos. Quero saber os cenários dessas mudanças e qual a expectativa de disponibilidade de terra, de água, de tecnologia e de gente capaz de produzir para especular qual será o papel do Brasil nesse cenário. Em função disso, estabelecer as políticas públicas para orientar o acesso a esses mercados no futuro. Isso implica num planejamento da agricultura, que interfere em outras áreas de governo, como crédito, logístico, infra-estrutura, promoção.

Criamos também uma área específica, a agricultura energética, produção de produtos energéticos a partir da agricultura, como é o álcool, o biodiesel, a biomassa, carvão vegetal e tantos outros produtos que servirão para produzir energia alternativamente à petróleo. A maior insanidade coletiva da história da humanidade foi ela ficar dependente de petróleo, em poucas décadas do século 20, se é um produto que vai acabar um dia. Como a humanidade se entregou à esse produto e se transformou na civilização do petróleo? Hoje, o mundo já olha a expectativa de combustíveis alternativos com mais clareza porque os produtos são ecológicos, menos poluentes e porque geram empregos, renda e riqueza nos países em que são produzidos. E são países em desenvolvidos e mais pobres e com isso diminuirá a distância entre ricos e pobres.

Isso me leva a uma consideração sobre o papel da agricultura no desenvolvimento da paz. A única vez que a agricultura mundial ganhou um prêmio Nobel da Paz foi nos anos 60, século 20, quando o engenheiro agrônomo americano Norman Bourlaug, fez a revolução verde no México. Ele plantou trigo numa área desértica e gerou emprego, renda e alimento, eliminado miséria e violência. Por isso, ele ganhou o prêmio Nobel da Paz, porque garantiu a paz.

Ora, o Brasil é o grande país do mundo capaz de criar um padrão tecnológico no setor energético porque já temos a tecnologia do etanol, temos terra e temos sol o tempo inteiro e as condições essenciais para ser a grande locomotiva da agricultura energética do século 21. E, com isso, alguém na área técnica ou de pesquisa, ou até mesmo o país, pode representar um novo momento de paz universal. Porque, com energia mais barata, mais ecológica e gerando emprego e renda para produtores agrícolas do mundo menos desenvolvidos, temos a chance de reduzir as ameaças à paz e democracia garantindo uma nova expectativa para paz mundial.

ABr - E a agricultura orgânica?

Rodrigues - Nos países desenvolvidos, particularmente na União Européia, já existe um mercado para produtos hortícolas, do setor orgânico, da ordem de 20%. Praticamente 20% do consumo de produtos hortícolas, como hortaliças e verduras, nos países nórdicos, particularmente, vem da agricultura orgânica. O Brasil tem uma agricultura orgânica que representa apenas 2% do total da agricultura. É muito pouco. Temos um mercado imenso para crescer. Para isso, tomamos uma série de medidas desde 2004.

Primeiro, regulamentamos uma legislação sobre agricultura orgânica, moderníssima. Segundo, criamos a câmara setorial de produtos orgânicos e incorporamos todos os agentes que operam nessa área. Terceiro, criamos uma divisão específica para cuidar de agricultura orgânica dentro de um departamento de sustentabilidade da agricultura. É uma visão moderno, de caráter sustentável para a agricultura. Essas ações chamaram a atenção do mundo todo a tal ponto que a Biofach (maior feira mundial de produtores e agroindústria orgânica), que se realiza em fevereiro, em Nuremberg, na Alemanha, terá o Brasil como estudo de caso. Vamos levar para lá essa visão para a agricultura brasileira, que é importante para o pequeno produtor, porque gera um produto de valor agregado mais alto. São novas oportunidades de negócio e de renda porque o mercado é ávido por esse tipo de produto.

ABr - Esse ano promete ser melhor para o crédito rural?

Rodrigues - Gostaria de falar sobre as expectativas para 2005 de uma maneira mais ampla, porque crédito rural é um capítulo dentro desse cenário. Estamos vivendo um cenário diferente de 2004. Cinco commodities agrícolas principais que são algodão, soja, trigo, arroz e milho têm, neste ano, no mundo todo, safras recordes e, portanto, uma oferta mundial, com excedentes. Este fato derrubou as cotações dos preços no mundo todo. Simultaneamente, o Brasil tem recorde, neste ano, na produção de soja, arroz e algodão. Não tem recorde de trigo, nem de milho, mas os excedentes de 2004, somados à produção deste ano, também são recordes para esses produtos. Ou seja, preços caem no mercado internacional e a oferta brasileira é grande.

Temos um horizonte de perda de renda. Some-se a este fato, mais um conjunto de problemas. Primeiro, os custos de produção subiram muito do ano passado para este ano porque o petróleo aumentou de preço, o aço aumentou de preço e a demanda mundial por insumos cresceu muito. Fertilizantes tiveram um aumento médio de 15%. Então, temos o pior dos mundos na agricultura para esses cinco produtos. Custos subindo e preços caindo. Do ponto de vista do país, não é um problema porque vamos ter um recorde na produção de grãos. A maior safra de todos os tempos nossa foi em 2003, quando produzimos uma safra de 122 milhões de toneladas e esse ano devemos superar as 130 milhões de toneladas.

Embora os preços caiam, o volume de produção compensará a perda de preço. Por outro lado, produtos como açúcar, etanol, café terão aumento de preço, assim como suco de laranja. E as carnes se não tiverem aumento de preço, terão redução de custo porque milho e soja estão muito mais baratos. Então, o faturamento global do agronegócio brasileiro não deve cair muito em 2005 e as exportações estarão também crescentes. Agora, temos dois problemas, o dólar está ruim para a exportação na agricultura e segundo a renda dos agricultores que produzem aqueles cinco produtos vai cair.

Então, estamos trabalhando, antecipando estas questões, elaborando um conjunto de propostas que levarei ao ministro Palocci, no próximo dia 11, para tentar minimizar os efeitos negativos desta crise localizada na agricultura e encontrar soluções. Aí, entra a questão do crédito, porque dentro das soluções que estamos buscando, a ênfase que estou adotando é a de criar mecanismos que viabilizem a comercialização até o fim da safra, é fazer o produto sair dos armazéns e ir para o consumo interno ou externo. Criar mecanismos flexibilizados para não haver pressão de venda, que regula mais ainda os preços. Para isso, preciso de tempo porque os recursos para este fim são ou para o empréstimo para cooperativas e produtores rurais, e cabem às indústrias irem comprando a produção e desovando aos poucos. Ou é preciso um mecanismo de crédito para que o governo faça, por exemplo, leilão de opções ou reforçar o prêmio de escoamento do produto, como o PEP. Esse prêmio subsidia uma parte do transporte de um produto de uma região para outra. Criamos um prêmio de escoamento para fazer com que o milho chegue ao consumidor nordestino com uma condição favorável de preço. Para isso, é preciso de recursos financeiros que não temos disponíveis hoje no país. Essa questão que vou negociar com o ministro Palocci.

ABr - Há uma negociação para o Brasil aumentar as exportações de etanol?

Rodrigues - Há. Estive em países asiáticos em 2004, e ficou evidente que, pelos preços do petróleo, e a expectativa que existe hoje com dificuldade no abastecimento mundial de petróleo, exige uma alternativa energética e o etanol é uma alternativa mais viável num curto prazo. De modo que cresce no mundo inteiro a expectativa do Brasil ser o maior produtor mundial de etanol para exportação. No ano passado, exportamos 2,3 bilhões de litros de etanol e, em 2003, exportamos 700 milhões de litros. Nesse capítulo, o céu é o limite. O Brasil tem cerca de 5,5 milhões de hectares cultivados com cana-de-açúcar, de um total de 62 milhões de hectares agricultáveis. Temos pelo menos 200 milhões de hectares de pastagens e, desses, 90 milhões podem ser ocupados pela agricultura. Há estudos muito sérios que indicam que nos próximos 10 ou 15 anos o país vai incorporar 30 milhões de hectares usados com pastagens para agricultura. E aí a cana-de-açúcar e os produtos para biodiesel como mamona, girassol, amendoim, soja e algodão têm um espaço de crescimento fantástico. E o Brasil tem a chance de ser o grande supridor mundial de biocombustível. O etanol é a porta de entrada para esses produtos.

ABr - É possível retomar convênios com empresas como a Monsanto, por exemplo?

Rodrigues - Já existem esses convênios. O que não existe é um trabalho de pesquisas mais fortes. A Embrapa tem feito pesquisa nessa área, mas sempre com reservas porque não se pode vender a produção final, plantar os produtos sem licença prévia, de modo que, enquanto a legislação não for votada, o trabalho fica um pouco restrito na área de pesquisa. Mas a expectativa é que se vote ainda no primeiro trimestre a Lei de Biossegurança no Congresso e, aí, libere essas amarras para o país avançar em pesquisas e ser tão eficiente quanto outros países nessa área.

ABr - E as mudanças de diretoria na Embrapa, isso muda o foco da empresa?

Rodrigues - A mudança na Embrapa se insere nesse contexto das grande modificações. Preocupa-se muito com a Embrapa, mas mudei, por exemplo, o secretário-executivo do ministério, dois secretários, o de defesa sanitária e o de desenvolvimento rural e cooperativismo. Criei uma outra secretaria, uma assessoria de planejamento, mudei a diretoria da Conab, mudei a diretoria da Embrapa. Tudo se insere nesse grande arcabouço, dessa nova visão da agricultura, como um instrumento de avanço do país.

ABr - Há quem diga que o senhor mudou a diretoria da Embrapa justamente por achar que a anterior só enfocava a agricultura familiar, como se fosse um contraponto ao agronegócio. O senhor compartilha dessa visão que separa a agricultura do pequeno produtor e a do grande?

Rodrigues - Isso me dá a chance de deixar muito clara essa questão. Isso é uma bobagem e um falso dilema. Em primeiro lugar, a agricultura é uma só. O agronegócio é um só. O agronegócio é o conjunto das cadeias produtivas cuja coluna dorsal é a agricultura. E a agricultura começa com o pesquisador científico. Depois, passa pelo produtor rural, pelo trabalhador rural, pelos insumos agrícolas, depois passa pelos serviços (seguro, crédito), depois passa pela produção propriamente dita, depois pela colheita, armazenagem, industrialização, embalagem e distribuição. Quer dizer, uma cadeia produtiva começa na pesquisa e acaba na gôndola do supermercado. E a soma das cadeias produtivas é o agronegócio. Portanto, todos os agricultores, pequenos, médios, grandes, familiares, empresários, o que for, fazem parte do agronegócio.

Todos os trabalhadores rurais e empresas que produzem ou industrializam produtos agrícolas fazem parte. Serviço, banco na área agrícola, também faz parte. Então, essa divisão de que produtor familiar é uma coisa e empresarial é outra, é tola e completamente antiga. Óbvio que diferentes estratos de tamanho de produtores usam diferentes tecnologias e demandas diferentes, e também de gestão. Por isso, tem que ter políticas diferentes, mas agricultura é uma só, o agronegócio é um só. Assim, o Brasil tem o Ministério do Desenvolvimento Agrário, que cuida do setor porque precisa de políticas específicas. Mas é uma estupidez colocar uma contra a outra, quando ambas são complementares e se somam e fazem parte do mesmo complexo.

Segunda questão, a Embrapa, a vida inteira, fez pesquisas para agricultura familiar. Tenho livros da empresa que a mostram pesquisando e produzindo tecnologia para agricultura familiar nos anos 90. A Embrapa sempre trabalhou com a agricultura familiar e a empresarial. E não foi essa última diretoria ou a que entra agora, que cuidará mais disso ou daquilo. A Embrapa tem uma linha de trabalho que independe do que o presidente da empresa queira fazer. E aí ficam numa especulação artificial em torno de um assunto que não existe. A Embrapa sempre trabalhou para todo o agronegócio e o ministério da Agricultura fez uma reforma que incorporou as mudanças da Embrapa dentro de um novo padrão de fortalecimento do ministério da Agricultura. Isso sem nenhuma conotação ideológica, ou revolucionária, ou de preocupação com nomes. A idéia é um novo padrão de comportamento da agricultura nacional.

ABr - A Embrapa continuará então investindo em biotecnologia?

Rodrigues - Essas pesquisas em biotecnologia ajudarão fundamentalmente a agricultura familiar, porque reduzirão os custos de produção e darão uma chance adicional de competitividade aqueles que, por alguma razão, estão marginalizados dos mercados.