Brasília - A redução dos conflitos agrários é uma das prioridades do governo federal, segundo o ministro Nilmário Miranda, da Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Nesta quarta-feira (2), ele estará em Rondon do Pará para participar de audiência pública sobre denúncias de violência contra trabalhadores rurais, sindicalistas e sem-terra na região. A audiência será realizada às 11 horas na Escola Dom Pedro de Rondon do Pará.
O presidente do Incra, Rolf Hackbart, o deputado federal Paulo Rocha (PT), o ministro interino do Ministério do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, membros do Ministério Público, representantes de sindicatos e de movimentos sociais também participarão do encontro.
Com menos de 40 mil habitantes, Rondon do Pará está nas páginas de um relatório levado à Organização dos Estados Americanos (OEA) em razão das graves violações de direitos humanos que ocorrem na cidade. Seis líderes dos sem-terra estão jurados de morte e apenas uma líder camponesa está sob proteção policial. A idéia da reunião é discutir os principais problemas do local, como os conflitos agrários, a violência no campo, a reforma agrária, a impunidade dos assassinatos no campo, a grilagem de terra, o trabalho escravo e as formas de proteger os defensores dos direitos humanos, os trabalhadores rurais sem-terra e os líderes sindicais ameaçados de morte.
Em entrevista à Rádio Nacional da Amazônia, o ministro fala sobre a violência na região, a exploração sexual infanto-juvenil e o trabalho escravo.
Nacional da Amazônia: Como está a situação da violência no estado do Amazonas?
Nilmário Miranda: O governo Lula tem feito enorme esforço para reduzir a violência e as mortes no campo decorrentes de conflitos sociais. Em 2003, infelizmente nós tivemos 43 mortes no campo, quase todos de sem-terra, mas também de alguns fazendeiros, e em 2004 esse número caiu para 19 pessoas. Ainda acho muito e neste ano queremos reduzir mais, seja pelo avanço da reforma agrária, em que vamos cumprir a meta de 115 mil assentamentos. Dos 20 mil que ainda não foi possível fazer em 2004, nós vamos cumprir tudo, há orçamento para isso, o Incra está preparado, mas também estamos fazendo grande esforço de prevenção da violência, o que faremos em Rondon do Pará.
Rondon do Pará tem muito conflito, em vários acampamentos, em vários assentamentos, tem muita disputa de terra, mas houve algumas mortes. Infelizmente em 2000 foi morto o sindicalista Zezinho, que era presidente do Sindicato dos Rurais, o processo dele está quase em fase de julgamento, depois outras pessoas foram assassinadas. E agora, sua esposa Joelma, que é a presidente atual do sindicato, continua a luta, está ameaçada de morte junto com outras pessoas. Então vamos lá fazer audiência pública e pedir para a população que nunca resolva os problemas com violência, que em uma democracia as disputas são resolvidas pela justiça, pelo diálogo e pela negociação. Há vários estados brasileiros que têm muitos conflitos sociais e não têm nenhuma morte, como São Paulo, Rio Grande do Sul, Paraná, muitos outros estados. Nós temos que nos espelhar nesse exemplo, de criar mecanismos de diálogo de mediação pacífica de conflito e não resolver à bala porque isso não é para a democracia e nem do projeto de civilização que o Brasil quer.
Nacional: Como o senhor vê essa questão da exploração sexual no estado do Amazonas em relação ao turismo? Como combater isso?
Nilmário: Em primeiro lugar queria dizer que isso aí é uma prioridade para o governo Lula. No primeiro dia depois da sua posse, ele pediu ao governo que fizesse todo o esforço possível para erradicar essa mancha, essa vergonha na nossa sociedade, que é a exploração sexual comercial das crianças e adolescentes brasileiras, seja pelo turismo sexual, seja em estradas, seja perto de reservas indígenas ou nas fronteiras, onde quer que tenha essa violência contra as crianças. E nós temos feito isso.
A Beth Leitão, que é coordenadora da comissão intersetorial que reúne 40 instituições e os 14 ministérios, vem fazendo um belíssimo trabalho, nós temos o disque-violência, abuso, exploração sexual, que está trazendo muitas crianças de volta a suas casas, está desbaratando redes criminosas, mas isso ainda era pouco. Em uma pesquisa em todo o país nós chegamos, para triste surpresa, à constatação de que em 937 municípios brasileiros existe exploração sexual de crianças e adolescentes, ou seja, algum tipo de rede criminosa que explora essas crianças, às vezes, lamentavelmente, com o envolvimento de políticos, às vezes de conivência de policiais, às vezes até de gente do próprio judiciário. Uma minoria de todos esses, mas existe lamentavelmente. E no caso da Amazônia chegamos a 19 municípios, que é muito, nos surpreende. A gente pensava que era só na fronteira, nas estradas federais, perto de alguns garimpos, mas a gente vê que pequenas cidades, de 15, 20 mil habitantes, têm exploração sexual de crianças. Aí nós temos que fazer uma grande cruzada nacional entre prefeituras, estados, União, ministérios públicos, conselhos tutelares, ONG's, judiciário, empresários, mídias, para acabar com tudo isso.
O levantamento sobre a Amazônia mostrou exatamente isso: ao contrário do que a gente pensava, achamos que eram cinco ou seis municípios e o número é maior, lamentavelmente. Mas todos os estados brasileiros estão enfrentando isso. Minas Gerais é o segundo, tem 72 municípios, primeiro é São Paulo com 73 e o terceiro é Pernambuco com 67, o problema é sério mesmo. Agora a solução é buscar de um lado a prevenção. Nós temos um guia escolar que está sendo distribuído a todos os professores do Brasil, ensinando os professores a detectar o abuso, a violência, a exploração sexual e comunicar às autoridades, além de passar valores e ensinar às meninas e aos meninos como enfrentar esse tipo de violência. Nós temos também que fazer repressão, responsabilizar quem se aventura com isso, sobretudo turistas sexuais. Nós temos que acabar porque isso deforma, deturpa o sentido do turismo. Temos que ter também políticas alternativas tipo Bolsa Família, programa Sentinela, programa Sou da Família, o centro de atendimento psicossocial, enfim programas governamentais, federais, estaduais e municipais que possam coibir e tratar das vítimas, tratar para que elas possam voltar a ter uma vida saudável.
Nacional: A lista suja em relação ao trabalho escravo tem feito um bom trabalho, tem resultado em uma diminuição e de fato em alguma punição a essas pessoas que, na maioria das vezes, é reincidente?
Nilmário: A lista suja tem 166 empresas e empresários e eles já estão proibidos de tomar financiamento oficiais no Banco do Brasil, no BNDES, no Banco da Amazônia e no Banco do Nordeste, ou seja, os bancos que lidam com fundos públicos. Além disso, nós estamos estudando a cadeia produtiva e vamos identificar quem compra produtos desses criminosos e vamos pedir que não comprem mais, que escrevam um pacto como nós fizemos com o trabalho escravo infantil há alguns anos e deu resultado. Dessa maneira, perderia o sentido totalmente o trabalho escravo, uma vez que eles não terão para quem vender, seja lá o que for que eles produzam, eles não terão para quem vender, ou seja, nós vamos atuar sobre a cadeia produtiva. Em maio, vamos ter novidades sobre isso no Brasil.
Estamos trabalhando com o Conselho Monetário Nacional para que todos os bancos, inclusive os privados, não façam nenhuma operação com esses criminosos, uma vez que eles poderão perder sua terra. Eu espero que até os próximos 60 dias a Emenda Constitucional que possibilita a expropriação, o confisco da terra do trabalho escravo, esteja completamente aprovada e sendo aplicada. Portanto, seria um risco bancário enorme emprestar para essa gente, isso está dando resultado, muitos estão desistindo de continuar com o trabalho escravo. Eu acredito na nossa meta de, até o final de 2006, erradicar o trabalho escravo, eu disse isso ao presidente Lula.