Rachid diz que governo quer tornar impostos mais eficientes e melhor distribuídos

01/02/2005 - 17h07

Edla Lula
Repórter da Agência Brasil

Brasília - Desde que teve início o atual governo, a Secretaria da Receita Federal vem fazendo um exercício de reacomodação para realizar aquilo que o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, chama de justiça tributária. Segundo o secretário da Receita, Jorge Rachid, a idéia é tornar os impostos mais eficientes, incentivando o crescimento econômico, e distribuindo melhor o peso de taxas e tributos, de maneira que quem pode mais pague mais e quem não pode, pague menos.

Essa equação, entretanto, não tem sido percebida pelos vários setores da economia e da sociedade, que há alguns meses – e de maneira mais intensa em janeiro – cobram a redução da carga tributária, que segundo os últimos dados oficiais foi de 34,88% em 2003. Os críticos também acusam o Fisco de, ao contrário, empacar a economia.

Em entrevista à Agência Brasil, Rachid reconheceu que o brasileiro paga muito imposto, mas descartou uma redução desse volume a curto prazo. Ele reclamou da "interpretação equivocada" dos que acusam o governo de elevar a carga tributária e combatem a Medida Provisória 232, que ampliou a base de cálculo da Imposto de Renda e da Contribuição Social sobre Lucro Líquido das empresas prestadoras de serviços que optam pelo lucro presumido. Rachid prometeu que, caso a proporção entre os impostos e o Produto Interno Bruto aumente, "medidas serão tomadas" para reduzir a carga. Quando o assunto foi a criação da Supersecretaria da Receita Federal, Rachid preferiu ser cauteloso e não aprofundar o tema.

Agência Brasil – Como o senhor responde a essas cobranças sobre a carga tributária?

Jorge Rachid - Nós temos a necessidade do Estado. O tamanho da carga é o tamanho da despesa e há uma preocupação deste governo com a carga tributária. Ela realmente está no limite. Um limite que nós não podemos mais elevar. Mas neste momento temos dificuldade em reduzi-la, porque há necessidade de investimentos muito grandes deste país. O governo necessita de recursos para atender às necessidades, além do cumprimento das suas funções sociais.

ABr - Desde que o ministro Antonio Palocci assumiu a Fazenda, em 2003, vem falando do compromisso de não aumentar a carga e também diz que não é possível reduzi-la. Mas vem falando na possível trajetória de redução. Quando vamos poder contar com a redução da carga?

Rachid - Esse trabalho vem sendo desenvolvido. Algum avanço nós tivemos. Interrompemos o processo de alta que havia. Houve uma interrupção no ano de 2003. Havia um processo de elevação em torno de 1 ponto ou 1,6 ponto percentual no crescimento da carga. Em 2003 houve uma interrupção e uma queda de quase um ponto percentual na carga nacional (União, estados e municípios). No ano passado, tivemos uma boa arrecadação, fruto do crescimento econômico, fruto do aperfeiçoamento da legislação e da eficiência da máquina arrecadadora, não só da Receita, mas também da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional. Foi possível, com base nessa arrecadação, adotar medidas voltadas para a redução em determinados setores, dessa pressão tributária. Tivemos medidas voltadas para desoneração, com as chamadas 21 medidas que ocorreram durante 2004 e que terão reflexo nos próximos anos também. É difícil precisar quando a carga vai cair. Mas, ao longo de um determinado tempo, essa tendência de redução haverá de ter.

ABr - Esse "determinado tempo" seria ainda neste governo?

Rachid - É difícil precisar. Mas o mais importante, o principal ponto é não haver elevação. É claro que, eventualmente havendo, medidas serão tomadas para retomar um patamar de controle. Estamos falando num âmbito do Ministério da Fazenda e da Receita Federal. Nós não podemos também, por conta, direcionar para os outros tributos que são de competência dos estados e municípios.

ABr - Mas enquanto o governo afirma que está tomando medidas para diminuir a carga, analistas, empresários e instituições da sociedade, como a OAB, fazem campanha dizendo o contrário disso. O exemplo é a MP 232, que, se por um lado corrigiu a tabela do Imposto de Renda, de outro atingiu boa parte de profissionais liberais da classe média, empresas de serviços. O que há de errado na leitura dos analistas?

Rachid - Eles estão falando em carga tributária numa medida em que de um lado o governo abre mão de R$ 2,5 bilhões do Imposto de Renda e do outro aperfeiçoa a máquina e a legislação no sentido de mais uma vez reduzir o espaço da sonegação. Por exemplo, tem medidas para melhorar o contencioso administrativo. Esta medida provisória permite a retenção na fonte em alguns setores, como o agrícola, o de transporte, a engenharia. Isso é mera antecipação. No limite, nós teríamos implicação de fluxo. Para quem cumpre a obrigação tributária não tem nenhum impacto, mas quem não cumpre é que está preocupado, porque vai ter que pagar, com esse mecanismo de fonte. Outro bloco da MP 232 está relacionado aos prestadores de serviços que optam pelo lucro presumido. Estamos corrigindo uma distorção entre a tributação da pessoa jurídica e os demais trabalhadores que estão na pessoa física. Estamos reduzindo essa distorção. O objetivo da medida é esse. Enquanto a MP beneficia o universo de pagantes pessoas físicas, com uma renúncia de R$ 2,5 bilhões, por outro lado ela pega 230 mil contribuintes da pessoa jurídica, num universo menor do que 10% de todo o universo de empresas. O efeito disso, neste ano, está em torno de R$ 300 milhões. O discurso não está coerente. Nessa medida, o balanço é negativo para o governo.

ABr - O senhor explica o aumento da arrecadação pelo crescimento econômico. Mas em 2003 o crescimento foi pífio e, em 2004, foi de 5%, metade do aumento da arrecadação, que foi de 10,6%. A arrecadação passou de R$ 243 bilhões em 2002 – ano em que houve muita receita extraordinária - para R$ 322,5 em 2004. Não há algo de errado?

Rachid - Espaços para sonegação estão sendo reduzidos. Nós estamos avançando na coleta de informações e, hoje, praticar a evasão fiscal está mais difícil. Podemos verificar, por exemplo, alguns comentários a respeito da própria Cofins. Digamos que hipoteticamente retiramos a Cofins do sistema tributário. Vamos ver que tivemos um crescimento real em torno de 7,5% na arrecadação. Nos demais tributos, não tivemos elevação, tivemos, efetivamente, queda. No IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) outros tivemos um crescimento real de pouco mais de 9%, havendo inclusive redução de alíquotas para os bens de capital, de 5% para 2%. Esse aumento na arrecadação se explica pelo crescimento econômico. Está certo que em 2003 o crescimento estava muito voltado para a área agrícola, mas em 2004 foi sensível o crescimento na área industrial.

ABr - Não é contraditório o governo dizer que este é o ano do desenvolvimento e manter elevadas tanto a taxa Selic quanto a carga tributária, ambas onerando bastante o setor produtivo?

Rachid - Essa preocupação em termos de carga tributária existe. Existe uma diferença entre carga e pressão: a arrecadação pode subir em relação ao PIB. Mas esse aumento pode não ser por força de aumento de impostos ou alíquotas, mas por força de uma melhor eficiência, do cumprimento de uma obrigação tributária, cumprimento de um pagamento em atraso pelo contribuinte, por exemplo. Por esse motivo não podemos culpar o governo pelo fato de a carga ter subido. Se todos pagarem, se os que devem, pagarem, os demais pagarão menos. Quanto ao crescimento, as medidas estão sendo tomadas a partir do momento em que a arrecadação passa a ser sustentável, mantida, satisfazendo as necessidades do Estado. Desde o último trimestre de 2003 a arrecadação vem num sentido sustentável. Medidas foram tomadas para ajudar. Na parte tributária, as medidas estão sendo tomadas em busca de incentivar o investimento.

ABr - O governo está contando com medidas que vão incrementar a arrecadação por meio da melhoria na administração tributária, criando o que está sendo chamado de "supersecretaria" da Receita Federal. Como vai funcionar e quais as atribuições dessa nova estrutura?

Rachid - Não temos ainda uma posição sobre essa questão. A Receita aguarda uma posição do ministério sobre essa questão.

ABr - É idéia do seu antecessor, Everardo Maciel, a criação de um ministério da Receita Federal, um guarda-chuva sob o qual estariam congregadas a Receita, a arrecadação e fiscalização da Previdência, e a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional. Seria algo nessa linha?

Rachid - Não posso adiantar. Eu também não sei...

ABr - Mas o que o senhor acha da idéia do ex-secretário da Receita?

Rachid - Uma integração de órgãos e instituições, principalmente voltadas para a arrecadação tributária, é importante. Hoje aqui no Brasil administração tributária e aduaneira são integradas, porque estão num órgão, a Receita Federal. Estamos fazendo esse trabalho de integração com os estados e municípios. Realizamos em julho passado o encontro nacional de administradores tributários, envolvendo a Receita e os secretários de Fazenda dos estados. Firmamos dois protocolos, um estabelecendo a integração dos cadastros, a sincronização dos contribuintes, o que vai facilitar a vida da empresa, porque ela não vai mais precisar se dirigir a diversos órgãos. O outro protocolo foi a troca de boas práticas em matéria de administração tributária. Toda vez que integramos atividades e integramos organizações voltadas para a coleta de impostos, o contribuinte ganha.

ABr - O senhor falou sobre a função social da arrecadação. Mas existe uma cobrança e até uma acusação de que o governo seja um tanto perdulário e de que os impostos, na verdade, não estejam cumprindo essa função social. A CPMF, por exemplo, está sendo destinada ao que deveria? A própria Cofins, que seria usada para o financiamento da seguridade social, está cumprindo esse fim?

Rachid - A Receita Federal administra tributos voltados para a seguridade social e impostos mais específicos, como o Imposto de Renda e o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), que, por força constitucional, fazemos a partilha com os estados e municípios. Temos na nossa página na Internet o ícone "veja onde está sendo aplicado o seu imposto". Isso é cidadania tributária. Um ponto que deve ser destacado, por conta dessa função social do imposto, é o exemplo do que foi feito no ano passado, dentro desse conjunto das medidas adotadas: desoneramos uma série de impostos, como o IPI de bens de capital. O objetivo foi estar centrado no investimento, com estímulo à produção. Isto é, não só para manutenção do emprego, mas também para gerar emprego. Gerando emprego, geramos renda e, conseqüentemente, arrecadação. Tivemos medidas voltadas para o alongamento da poupança, para o pequeno empreendedor, uma proposta projeto de lei complementar para microempreendedor. Outro ponto, voltado para as famílias, é a desoneração de PIS e Cofins dos produtos da cesta básica, como arroz, feijão, farinha de mandioca, fubá, leite. Essa medida beneficia as populações de baixa renda. Mais recentemente tivemos a desoneração do livro. Essa é a preocupação do governo. Quando falamos em imposto de renda da pessoa física, existe um número pequeno da população que paga, apenas 6%. A preocupação do governo é com os outros 94% da população que nem renda suficiente tem para pagar imposto. Quando o governo desonera produtos dessa natureza, está beneficiando as camadas da população menos favorecidas.

ABr - E quanto aos gastos do governo que, apesar do ajuste fiscal, cresceram entre 2003 e 2004? Não há como reduzir a carga sem reduzir os gastos. Qual seria sua fórmula para melhorar a administração dos gastos públicos?

Rachid - Essa preocupação o governo tem e vem sendo adotado. Vide os contigenciamentos do início do governo. É papel da Fazenda e do Planejamento se preocupar com esse controle. No âmbito da Receita também estamos com a preocupação em termos de gastos.

ABr - Quando o senhor acha que o governo vai ser compreendido nisso que chama de justiça tributária? Quando acha que essa justiça vai chegar realmente à casa dos mais pobres?

Rachid - Temos uma realidade no país, em que a concentração de renda é muito grande. A desigualdade social é muito grande e, nesse sentido, temos que voltar sempre ao Imposto de Renda da Pessoa Física, quando tocamos nesse assunto. É uma minoria que paga, por força da desigualdade. É nesse contexto que no país o limite de isenção é uma vez e meia a renda per capita. Nos demais países, o limite está na renda per capita. A desigualdade é muito grande. Devemos levar em conta essa questão.