Coordenador do Nead diz que concentração fundiária dificulta realização da reforma agrária

18/01/2005 - 7h24

Paula Menna Barreto
Repórter da Agência Brasil

Brasília – O coordenador geral do Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (Nead), Caio França, acredita que não há como resolver imediatamente um problema historicamente crônico como o da reforma agrária. Oriundo dos movimentos sociais – atuou no universo sindical, principalmente em trabalhos com a Central Única dos Trabalhadores (CUT) – França, que é agrônomo com mestrado em sociologia, atribui a dificuldade de realizar a reforma agrária à extrema concentração fundiária brasileira.

Ele destaca, no entanto, que mesmo que a política caminhe em uma velocidade e a demanda social em outra, os dados sobre famílias assentadas, estoque de terras e qualificação dos assentamentos demonstram que existe uma estratégia do governo federal para a execução da reforma agrária no país e que ela está sendo bem sucedida.

Responsável por contribuir com o desenvolvimento rural, a partir da realização de estudos e pesquisas para avaliar e aperfeiçoar as políticas públicas voltadas para a reforma agrária, a agricultura familiar e o desenvolvimento rural sustentável, o Nead, núcleo que França dirige, tem sido fundamental para a realização dessa política.

Em entrevista exclusiva à Agência Brasil, França defende mais integração com os centros de pesquisa e maior participação dos movimentos sociais nos espaços de gestão das políticas de reforma agrária, de fortalecimento da agricultura familiar, de promoção da igualdade e de atendimento às comunidades rurais tradicionais. Leia a seguir os principais trechos da conversa.

Agência Brasil Na sua avaliação, quais são as prioridades da política agrária para 2005?

Caio França: Acredito que o Ministério do Desenvolvimento Agrário deve ter dois focos prioritários: a agricultura familiar e a reforma agrária. Hoje, uma série de produtos da agricultura familiar é responsável pelo resultado internacional na balança comercial. É responsável por 77% da ocupação na área rural e pela maior parte da produção dos alimentos consumidos pela população brasileira. Todas as atividades econômicas vinculadas à agricultura familiar correspondem a 10% do PIB do Brasil. É uma força econômica. Cresceu mais que a economia brasileira, que a agricultura e mais que o total do agronegócio.

Agência Brasil: E quanto a Reforma Agrária? O senhor avalia que ela seja vista positivamente pela sociedade?

Caio França: O tema da reforma agrária recuperou uma valoração positiva na sociedade. E vai dinamizar a vida econômica da região onde está inserida. Um ponto positivo importante da reforma agrária é que restabelece o horizonte de vida para a população excluída e marginalizada no meio rural, melhora a qualidade de vida e contribui para uma ocupação mais equilibrada do território brasileiro. A reforma proporciona novas possibilidades sociais e econômicas.

Agência Brasil: Qual a maior dificuldade na reforma agrária?

Caio França: O governo está coordenando e integrando as políticas, mas ainda não foi atingido o total de beneficiários que considera necessário. Ainda temos uma longa caminhada. Na assistência técnica, por exemplo, pretendemos até 2006 universalizar o acesso. Mas uma das maiores dificuldades está nos assentamentos. Nos últimos 40 anos foram 650 mil famílias assentadas. Entretanto, enfrentam dificuldades semelhantes às da agricultura familiar como acesso ao crédito, acesso à assistência técnica, e a mecanismos de comercialização, depois que conquistam a terra. A agravante é que os assentamentos se constituem em novos espaços de socialização e não têm infra-estrutura social estabelecida como, saúde, educação e energia. A agenda dos assentados é uma agenda de acesso aos direitos produtivos e sociais. Para 2005 a prioridade deve ser facilitar o acesso à energia elétrica.

Agência Brasil: O que falta ser feito?

Caio França: A terra deve ser de fato o momento de um início de uma nova vida produtiva e social, a garantia de infra-estrutura nos assentamentos, recuperando os antigos e dando aos novos a infra-estrutura desde a fase inicial. Isso é o que garante que tenhamos uma reforma agrária de qualidade. Essa é a vontade do governo federal. A reforma agrária de qualidade é a família entrar na terra e ao mesmo tempo ter acesso ao conjunto de políticas que garantam qualidade de vida, infra-estrutura social e produtiva. Esse pilar é fundamental. Mas temos de ampliar o acesso ao crédito para as regiões Norte e Nordeste que são as regiões que tradicionalmente tem o menor acesso. Em números absolutos ainda tem de crescer muito o acesso ao crédito. Na atual safra, especialmente nos próximos meses quando começa a safra de fato no Nordeste e no Norte, o grande esforço é permitir que um universo expressivo de agricultores tenha o acesso ao crédito. A região é bastante heterogênea, mas não tem uma história de acesso às políticas públicas.

Agência Brasil: E com relação aos movimentos sociais, que têm questionado essa política, principalmente no que se refere ao acesso à terra e à política de assentamentos?

Caio França: Os movimentos sociais reconhecem a existência de uma mudança importante no tratamento do tema pelo atual governo. Há uma expectativa natural dos movimentos que as amplitudes das ações do governo sejam equivalentes ao tamanho da demanda social. Eles gostariam que o ritmo fosse mais rápido, mas reconhecem que houve mudanças significativas. Não há como resolver imediatamente um problema historicamente crônico como o da reforma agrária. O país é um dos que têm maiores índices de concentração fundiária. E isso é um indicador muito importante para deixar claro o grau de desigualdade no acesso à terra.

Agência Brasil: Por que o tema ainda gera polêmicas?

Caio França: Gera fortes reações porque resulta em uma alteração da estrutura fundiária. A concentração da terra é a base para concentração do poder político e econômico nas regiões, então a reforma agrária democratiza o acesso à terra e também democratiza a vida política da região. Isso significa romper com laços históricos de subordinação entre grandes proprietários de terra, chefes políticos locais e essa população mais pobre. Assim, a reforma mexe com a estrutura de poder e por isso gera tantas reações. A reforma agrária permite a um setor importante da população rural fortalecer a autonomia política.