Especial 2 - No Piauí, grêmio comunitário é gestor do programa de habitação

21/12/2004 - 16h42

Alessandra Schwartz*
Repórter da TV Nacional

Teresina - Hoje, as cerca de sete mil famílias que vivem na Vila Irmã Dulce formam uma aliança política no Grêmio Comunitário. Criado em dezembro de 2002 por um grupo de pioneiros, a entidade se tornou a representação dos moradores na luta por seus direitos sociais. "Temos esse papel dentro da comunidade, mas somos também orientadores, fiscalizadores e organizadores. Nossa relação é com os movimentos popular e sindical. Essa parceria é que o Grêmio vem mostrando que funciona", explica William Ferreira dos Santos, vice-presidente do Grêmio.

A participação popular é considerada essencial para o desenvolvimento da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano, elaborada pelo Ministério das Cidades – aliás, também com ampla participação popular, na Conferência Nacional das Cidades, que teve delegados de quase 3 mil municípios de todo o Brasil. Para garantir a eficiência dessa participação, está prevista na PNDU o trabalho de capacitação com lideranças e organizações comunitárias com auxílio do poder público.

"O conhecimento que as pessoas têm da comunidade, por conviver ali, estarem mais perto da população beneficiada, tudo isso resulta em ganho até mesmo econômico no final do projeto", afirma Marta Garske, gerente de projetos na Secretaria Nacional de Habitação do Ministério das Cidades.

No projeto do PSH em Irmã Dulce, o Grêmio se tornou o próprio gestor, em parceria com a Cohab do Piauí, explica Marta. São os moradores que compram o material de construção e acompanham o andamento das obras. "É o valor do olho do dono. As pessoas acompanham, às vezes o pedreiro é o vizinho do futuro morador."

Conquistas

A luta organizada dos moradores já trouxe várias conquistas. "A principal foi a terra onde moramos; conseguimos a construção da escola Dom Helder Câmara, do posto de saúde, da creche municipal. Além disso, na área de infra-estrutura, já temos a adutora, o sistema de energia elétrica e o Programa de Subsídio Habitacional", lembra William, do Grêmio.

Uma das principais preocupações do Grêmio é diminuir o desemprego no local. Para isso, buscam parcerias com os programas do Governo Federal implementados na Vila. O Grêmio incentiva que a mão-de-obra utilizada em programas como o PSH (construção de casas) e na construção da adutora – que trouxe água para a Vila – seja da própria comunidade. "Nós nos preocupamos com a geração de renda, então, estamos voltados para suprir essa necessidade. Queremos ver o pai de família ter o seu trabalho e o seu pão de cada dia", afirma José Levi Almeida Lima, presidente do Grêmio Comunitário.

Iniciativas pessoais dos moradores se somam ao poder da mobilização coletiva. Maria do Rosário Rocha, 48, ensina, há quatro anos, às crianças da comunidade o que fez durante 22 anos: jogar futebol. Em um campo de terra e sem marcação, Maria do Rosário reúne a meninada durante todo o dia. Para participar, todos têm de estudar e tirar notas boas nas matérias, sob penalidade de ficar uma semana afastados do jogo. "Essas crianças significam muito para mim. Eu sei que eu não vou consertar o mundo, mas estou fazendo a minha parte. Conheço o dia-a-dia daqui, sei como a situação é difícil", diz a treinadora. O esforço esbarra na falta de apoio. "Temos muito material humano, mas apenas uma bola. Os coletes foram doados com muita luta. Para continuar, tem que ter muita força de vontade".

Desde que começou, em novembro de 2000, a escolinha improvisada acolheu quase 400 crianças. Hoje, treina cerca de 65 meninos e meninas, que vêem, no futebol, a esperança para um futuro melhor. "Eu acho que é uma diversão e, além do mais, uma maneira de passar o tempo com uma coisa boa, sem ocupar a mente com coisas ruins, que podem prejudicar o meu futuro", afirma Maria Francisca Soares, de 15 anos. Cláudio Roberto Júnior, 11 anos, concorda com a colega. "Prefiro jogar bola que ficar na rua, ‘vagabundando’ por aí igual aos outros meninos".

Maria Zenaide da Costa Lima, 46, é outra moradora que juntou seus esforços pessoais à mobilização comunitária. Logo no início da ocupação, ela criou uma creche para atender crianças de 3 a 6 anos. O lugar, que antes era de taipa, foi construído por pessoas da comunidade e vive de doações. O lanche é subsidiado por um convênio com o Programa de Merenda Escolar e o salário dos professores é um auxílio da Secretaria de Educação do Piauí.

"Criei a creche porque percebi que as crianças precisavam estudar, e as mães – a grande maioria é de mãe solteira – precisavam deixar os filhos em algum lugar para poder trabalhar. A creche municipal não consegue atender a tanta demanda. Considero as crianças que estudam aqui, meus filhos, meus netos... eles são tudo pra mim", diz "Tia Zenaide", como é chamada pelas crianças.

Os jovens também participam na comunidade. Grupos de dança como o Coisa de Nêgo, o MC Rap e o Street Dance foram criados para dar uma alternativa às crianças para sair das ruas. "Ensinamos percussão, dança e vocal. O que queremos é tirar os meninos da rua e ensinar algo sobre a nossa cultura", afirma Francisca Marina de Moura Costa, 15, uma das coordenadoras do Coisa de Nêgo.

"A dança é um meio de melhorar os pensamentos e atitudes. Procuramos mostrar o que é certo e o que é errado, mas cada um faz a sua escolha. Também fazemos acompanhamento escolar. Vários pais já vieram me agradecer, porque seus filhos estão melhor na escola e mais calmos em casa", completa Maciel de Sousa Barboza, coreógrafo e coordenador do Grupo Street Dance.

*colaborou Spensy Pimentel