Luizianne Lins quer manter bom relacionamento com governos federal e estadual

06/12/2004 - 7h17

Brasília - A prefeita eleita de Fortaleza (CE), Luizianne Lins (PT) vai assumir o cargo com a preocupação de manter um bom relacionamento com os governos federal e estadual. A capital cearense, segundo ela, a quinta maior do país, tem muitos problemas e muita desigualdade social. Luizianne constata que a cidade perdeu muito de sua qualidade de vida nos últimos anos, com uma nova realidade urbana que surgiu de dez anos para cá.

Em entrevista à Rádio Nacional AM, Luizianne Lins afirma que pretende ter um bom relacionamento com os governos em todos os níveis, o que não pressupõe abrir mão de divergências quando for o caso, mas que quer trabalhar com eles, ser ouvida e respeitada, pois tudo depende de ajuda mútua.

A prefeita eleita disse que, neste ano, o Nordeste foi brindado com algumas candidaturas muito importantes, que têm capacidade de articulação e merecem destaque. "Estamos criando um diálogo permanente e vamos realizar fóruns a partir de janeiro com os prefeitos da região toda e não só com os do PT", informou Luizianne.

A seguir, a íntegra da entrevista:

Rádio Nacional: Como será o seu relacionamento com a direção nacional do partido? E como será o seu relacionamento com o governo estadual?

Luizianne Lins: Eu acredito que vai ser um bom relacionamento. Antes de tudo, temos que manter um relacionamento institucional, tendo em vista que Fortaleza é a quinta capital do país e, como a maioria das grandes cidades brasileiras, tem muitos problemas e desigualdade social. É uma cidade que perdeu muito de sua qualidade de vida nos últimos anos. Houve intervenção urbana muito brusca nos últimos dez anos, então a cidade foi perdendo a sua delicadeza. São tantos os problemas, que é necessário que busquemos ajuda dos governos federal e estadual. Acredito que teremos um bom relacionamento, pelo menos de muito respeito. Esse relacionamento pressupõe não abrirmos mão de divergências, quando for o caso, mas trabalhar com elas, pois quero ser ouvida e respeitada. Uma relação, acima de tudo, de respeito e também de autonomia e uma ajuda mútua entre os governos municipal, estadual e federal. Esse é o meu espírito.

Rádio Nacional: Primeiro você falou dos desafios que terá que enfrentar em Fortaleza. Quais são esses desafios? E como política, você se sente à vontade no Partido dos Trabalhadores?

Luizianne Lins: Os desafios aqui são os mais diversos. Eu tenho até dificuldade para hierarquizar todos, porque são muitos. Fortaleza é uma cidade com quase dois milhões e meio de pessoas e é a terceira cidade em concentração de renda no país, apesar de ter muita pobreza, como em todos os cantos do Brasil. A quantidade de pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza fica em terceiro lugar no Brasil. Para você ter uma idéia, 150 mil moradores novos chegam à cidade a cada dois anos, vindos do interior ou de outras regiões. Então, Fortaleza tem dificuldade de se planejar, pois cresce muito a cada dois anos.

Outra questão que eu gostaria de destacar é a saúde, pois temos apenas 15,4% de cobertura do chamado Programa de Saúde da Família, que é o programa de saúde preventiva. Houve uma lógica muito cruel na gestão dos tratamentos de saúde. Também temos a questão habitacional e da educação pública e o grande desafio que eu tenho é melhorar a qualidade da educação pública da juventude. É fundamental que os jovens possam sair da escola com capacidade para concorrer no mercado de trabalho com igualdade de condições em relação aos estudantes que vêm das escolas particulares. Isso por aqui está longe de acontecer.

Na questão da habitação, Fortaleza apresenta um débito de mais de 100 mil moradias na capital e se juntarmos com a região metropolitana, esse número aumenta para 163 mil. Então, todas são questões emergenciais que teremos que resolver. O povo vai ter de entender que vivemos em uma sociedade cujo valor principal é o capital, pois vivemos em um sistema capitalista. Será impossível resolver os problemas da humanidade, da população brasileira e dos fortalezenses nessas limitações onde o dinheiro é mais importante que a vida do próprio povo. Então, é difícil uma sociedade dessa trazer a felicidade para as pessoas. Precisamos dizer isso e caminhar tentando fazer uma administração eficiente e competente, criando junto com o povo, superando as dificuldades. Temos que criar uma cumplicidade para que a democracia participativa seja radicalizada nos debates com os vários setores da sociedade.

Com relação à outra pergunta, eu me sinto bem à vontade porque eu estou no PT há 14 anos. Nesse tempo, já fui secretária da juventude do partido e secretária da mulher, já fui presidente do diretório do partido em Fortaleza, estou na segunda gestão do diretório nacional e sempre tive a visão de que um partido político de esquerda socialista precisa manter o espaço vivo do debate e do diálogo. As pessoas têm que estar à vontade também para exporem as suas criticas, suas divergências e suas concordâncias, porque senão mataremos as idéias de um partido plural, democrático e que foi construído no debate político. Dessa maneira o PT chegou ao poder central do país com apenas 25 anos.

Rádio Nacional: Quanto aos programas sociais do governo federal, como o Bolsa Família, você já traçou uma diretriz de ação?

Luizianne Lins: Eu estive em Brasília e aproveitei para fazer alguns contatos nos ministérios. Tive notícia de que muitas emendas, inclusive emendas de bancadas, foram feitas no ano de 2003 e 2004 e a prefeitura não teve o menor interesse em buscá-las. Por isso, estamos correndo risco de perder algumas dessas emendas, porque não foram procuradas pela prefeitura. Eu já comecei a contactar os ministérios para tentar liberar essas emendas ou, pelo menos, contingenciá-las. Porque uma cidade pobre como a nossa, no sentido econômico, não pode deixar de buscar recursos federais, além dos repasses constitucionais, nas emendas que já foram aprovadas e em que só falta a liberação. No caso dos programas sociais, também já estou buscando as informações junto ao Ministério do Desenvolvimento Social, procurando inclusive os repasses desses programas como o Bolsa Família. Temos que reconhecer que nunca houve uma relação tão aberta e democrática entre os ministros. Nunca nenhum ministro tinha andado tanto por esse país, nunca havia estabelecido essa relação de mais abertura com os prefeitos e de diálogo com a sociedade. Acho que isso aí é uma coisa que é muito positiva, e nesse sentido acho que aproximamos mais o poder do povo. Eu vou buscar essas parcerias porque Fortaleza precisa e eu estou disposta a lutar muito por isso.

Rádio Nacional: Prefeita, a senhora coordena a criação de uma frente de prefeitos do PT no Nordeste. Como vai ser a atuação desse grupo?

Luizianne Lins: Este ano, o Nordeste foi brindado com algumas candidaturas muito importantes, que eu considero que têm capacidade de articulação e serão administrações que vale a pena ressaltar. No quadro de prefeitos do PT no Nordeste, nós ainda contamos com o João Paulo, de Recife, e com o Marcelo Déda, de Aracajú. Eu brinquei com eles que agora é a vez de o Nordeste ser finalmente visto. E junto a isso, nós podemos dizer que dos nove estados do Nordeste, oito capitais ficaram com o PDT, o PSB e o PT. Só em Teresina, capital do Piauí, o governo é do PSDB.

Eu acredito que esses prefeitos eleitos têm grande capacidade de se articular, tendo em vista que o Nordeste, como é uma região que tem muitas diferenças em relação ao resto do Brasil, precisa ser tratado de forma diferente, ou seja, onde a gente possa estar criando políticas afirmativas que contribuam para a diminuição da desigualdade. Por isso, estamos criando um diálogo permanente, devemos fazer fóruns, a partir de janeiro, dos prefeitos da região Nordeste toda e não só os do PT. Eu ofereci Fortaleza para sediar a primeira reunião dos prefeitos. A data ainda não foi marcada. Vamos discutir o Nordeste e, em especial, o PT, porque acho que assim chegaremos com mais forças na luta pelas verbas e para que o Nordeste seja priorizado em muitas questões, como por exemplo, a agricultura familiar.

O reflexo da não manutenção do homem e da mulher no campo está diretamente relacionado à qualidade de vida das pessoas aqui. E principalmente com o deslocamento das pessoas do interior para as capitais de uma forma geral, já que não se tem sustentabilidade no campo e assim o povo vai tentar a vida nas capitais.