Brasília - O deputado Luiz Alberto Silva (PT/BA) é o presidente da Frente Parlamentar em Defesa da Igualdade Racial. Em entrevista à Rádio Nacional AM (Brasília), Silva explicou os avanços e objetivos da frente, que procura ser a representação da comunidade negra brasileira no parlamento. Além disso, ele afirmou que o Congresso pretende votar o Estatuto da Igualdade Racial ainda este ano. Confira os principais trechos:
Agência Brasil: É grande a demanda por projetos que atendam os anseios da comunidade negra no Brasil?
Deputado Luiz Alberto Silva: Nós temos hoje no Brasil, conquistado muito das questões demandadas pela população negra em nosso país. E hoje, como um dia que foi consolidado como Dia Nacional da Consciência Negra, o país inteiro, de norte a sul, reflete sobre essa situação. Nós no Congresso Nacional criamos a Frente Parlamentar em Defesa da Igualdade Racial para as questões do racismo, do combate ao racismo, da discriminação racial e do preconceito. Não é tarefa só dos parlamentares negros, que tenham identidade com esses interesses, mas também envolvendo parlamentares não negros e parlamentares de vários partidos. Nós temos essa frente composta por cerca de 200 parlamentares, como disse de todos partidos, até no Congresso esse debate se estabeleceu. Nós temos uma série de iniciativa legislativa, tanto o próprio legislativo como o executivo que aponta para construção de políticas públicas para população negra.
Agência Brasil: O senhor poderia citar um exemplo
Deputado Luiz Alberto Silva: Eu tenho dois exemplos, um do legislativo, que é o estatuto da igualdade racial que é uma proposta do senador Paulo Paim, na época deputado, que nós já aprovamos o substitutivo. Está na pauta já para ser votado; e no legislativo nós temos o projeto de lei que estabelece a política de reservas de vagas, as chamadas, popularmente, cotas nas universidades públicas federais, para os estudantes afro-brasileiros e indígenas.
Agência Brasil: Já há uma definição sobre a criação do Fundo para inclusão social dentro desta política de cotas raciais?
Deputado Luiz Alberto Silva: Veja só, no substitutivo que nós aprovamos na Câmara dos Deputados, está colocada a proposta da criação do Fundo Nacional. Nós entendemos que o fundo é quem vai garantir os recursos financeiros para desenvolver as políticas propostas pelo Projeto de Lei, chamado Estatuto da Igualdade Racial. Evidentemente que tem divergências como parte do Executivo, dentro do Governo, tem um debate, na Fazenda, na Casa Civil, ou com setores do Movimento Social. Estamos tentando com fé formar um acordo, para que nós possamos ainda este ano votar o Estatuto da Igualdade Racial.
Agência Brasil: Agora a falta de consciência em torno da discussão do Fundo para a inclusão social para as cotas raciais nas universidades, gira em torno do percentual destinado das receitas da União?
Deputado Luiz Alberto Silva: Não, na verdade o Ministério da Fazenda tem argumentado que não quer concordar com a criação do Fundo, porque o Fundo independente do percentual proposto e impede que o governo possa contingenciar recursos, por exemplo, como tem sido feito em algumas áreas em situações circunstanciais. O Fundo então seria um recurso carimbado, que o governo não poderia contingenciar. Essa é uma visão do Ministério da Fazenda. Ele quer impedir que você tenha recursos orçamentários já destinados de forma que o Governo não possa trabalhar com ele, porque tem outros objetivos. Essa é uma polêmica que nós estamos tentando conversar com o executivo para que possamos promover um acordo acerca desse ponto específico. Mas também tem uma outra divergência, a questão do capítulo das terras remanescente dos quilombos. É uma das divergências também, não especificamente só com o governo, o capítulo que trata da questão da religiosidade.
Agência Brasil: Mas na questão dos quilombolas há discussão em torno da homologação das terras?
Deputado Luiz Alberto Silva: Veja só, é mais complicado porque o PFL entrou com uma ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal questionando o Decreto do presidente Lula que estabelece um procedimento administrativo do reconhecimento e da delimitação da questão das terras dos quilombolas. Evidentemente que isso incorpora um outro debate que são conceitos que estão lá colocados no Projeto de Lei e que alguns setores não concordam com alguns desses conceitos, por exemplo. Nós defendemos que as comunidades de remanescentes quilombos tenham direito ao título da terra, enquanto outros setores acham que não, quem tem direito à titularidade seriam os indivíduos os sujeitos das comunidades e não as comunidades como um coletivo. Então, são questões que nós estamos tentando superar as divergências para tentar aprová-las.
Agência Brasil: São questões mais jurídicas do que sociais?
Deputado Luiz Alberto Silva: Também, mas que implica numa compreensão do que seja o retrato histórico que a dívida social que se tem com a população negra.
Agência Brasil: Quem é que apóia essa proposta do PFL na titularidade da terra dos quilombolas?
Deputado Luiz Alberto Silva: Não identifiquei ainda um deputado especificamente do PFL que tenha opinião contrária à decisão do seu partido, que questiona no Supremo o decreto. Portanto, nós vamos abrir uma discussão, a frente vai chamar um debate com diversas lideranças em particular o PFL, para tentar demovê-lo dessa idéia e o Supremo pode tomar uma decisão favorável a ADIM. Ele na verdade encerra totalmente a possibilidade de se promover essa justiça, esse resgate histórico da população remanescente de quilombos no país.
Agência Brasil: É uma conquista que não pode ser perdida?
Deputado Luiz Alberto Silva: Não pode, até porque já virou uma reverência internacional essa questão dos quilombolas no país. Nós temos comunidades semelhantes a essa, por exemplo, na Colômbia eles têm tido um debate colocando como referência exatamente esse Artigo 68.
Agência Brasil: Quem são os principais ativistas, vamos chamar assim, os ativistas parlamentares dessa causa, a causa do negro?
Deputado Luiz Alberto Silva: Nós temos vários ativistas negros, por exemplo, nós temos o senador Paulo Paim, que é um grande defensor dessa nossa causa, é um ativista bastante importante para a nossa luta. Nós tínhamos o senador Eurípedes Camargo que substituiu o senador Cristovam Buarque, quando então ministro da Educação. Na Câmara nós temos além de mim, o deputado Gilmar Machado, o deputado João Grandão, o deputado Carlos Santana do Rio de Janeiro, o deputado Vicentinho de São Paulo e o deputado Dr. Hélio que agora foi eleito prefeito de Campinas. Alguns parlamentares não negros também têm desenvolvido ações muito importantes para fortalecer a nossa luta no parlamento.
Agência Brasil: O cidadão que quer encaminhar uma proposta, um pedido à Frente Parlamentar em Defesa da Igualdade Racial, ele pode encaminhar isso diretamente?
Deputado Luiz Alberto Silva: Pode e deve e ele tem vários caminhos. Ele pode mandar um e-mail diretamente para mim, que sou presidente da Frente. Pode mandar direto também para a ouvidoria da Câmara, que é um canal de comunicação importante criado pelo presidente João Paulo Cunha na sua gestão, como pode também telefonar par ao gabinete de qualquer um dos integrantes da Frente , em particular para mim que como presidente tenho a tarefa de organizar as discussões na Frente e encaminhar no coletivo.
Agência Brasil: A Frente Parlamentar em Defesa da Igualdade Racial realizou audiências públicas para discutir essas propostas, essas demandas da população?
Deputado Luiz Alberto Silva: Na verdade, quando o Estatuto estava sendo debatido, não existia ainda a Frente Parlamentar. O único órgão dentro da Câmara para debater esta questão era o Núcleo de Parlamentares Negros do PT, que hoje é coordenado pelo deputado João Grandão do Mato Grosso do Sul. Mas durante a tramitação inicial do projeto de lei do Estatuto, nós tivemos várias audiências públicas com especialistas, com representantes das comunidades remanescentes dos quilombos, com ativistas do movimento negro, com parlamentares, com instituições internacionais e o que saiu dali foi um amplo processo do entendimento daquilo que era possível até aquele momento. Então, é um Estatuto amplamente debatido. É evidente que quando a população interessada tem acesso a este debate, ela também identifica a possibilidade de contribuição e tem chegado muitas contribuições para enriquecer o nosso Estatuto. O projeto de lei está na Câmara e é provável que entre na pauta assim que esta for destrancada por causa das medidas provisórias e assim que ele for aprovado nós faremos o mesmo trabalho de convencimento para os senadores o votarem imediatamente.
Agência Brasil: Sobre o Dia da Consciência Negra, comemorado neste sábado, 20 de Novembro, a Frente Parlamentar vai apoiar alguma mobilização?
Deputado Luiz Alberto Silva: Claro. No país inteiro nós temos várias mobilizações. Na Bahia nós temos uma manifestação que reúne muitas pessoas, no ano passado reuniram-se mais de cem mil de pessoas. Todas as entidades do Movimento Negro da Bahia se reúnem. Na Câmara dos Deputados nós estamos desenvolvendo a Terceira Jornada Brasil-África, que é uma série de ações como debates, palestras, exposições, seminários e amostras de filmes da temática negra, enfim, uma troca de experiência entre cultura africana com a afro-brasilera. Então, a Frente tem feito uma série de incursões não só em nível nacional como também, na experiência importantíssima que nós estamos desenvolvendo agora, já caminhando para o terceiro encontro de parlamentares afro, americanos e caribenhos que ocorrerá ano que vem na Costa Rica.