Paulo Machado
do Núcleo de Pesquisa da Radiobrás
Brasília – Para o professor de Economia da Universidade de Brasília (UnB), Décio Munhoz, o Brasil está preso em uma "armadilha" financeira. E o que levou o país a essa situação foi o endividamento externo. Em entrevista à Agência Brasil, Munhoz explica como o Brasil contraiu uma divida que hoje ultrapassa R$ 1 trilhão e estimula o debate sobre as alternativas.
Munhoz foi um dos participantes do Seminário Internacional Sobre o Endividamento Externo: Ilegitimidade da Dívida – Um Caso de Auditoria, realizado no Congresso Nacional. Parlamentares, especialistas e membros de organizações da sociedade civil discutiram durante dois dias as dividas públicas de seus países e a necessidade de realização de auditorias que analisem a legitimidade dos contratos em vigor.
ABr: Como o Brasil contraiu sua dívida?
Décio Munhoz: Nas décadas de 70 e 80 diversos países do chamado terceiro mundo se endividaram, quando os países centrais do sistema capitalista empurraram a conta da elevação dos preços internacionais do petróleo para os países em desenvolvimento pagarem. Era uma dívida financiada por bancos, com contratos de prazos longos, juros fixados previamente e um spread adicional razoável. No inicio dos anos 90, essa divida estava congelada e seu pagamento, equilibrado – apesar de ter sido uma divida que nos foi empurrada de fora para dentro, devido à piora nas condições internacionais. A dívida dos anos 90 é diferente. Ela surgiu quando países como o Brasil não tinham mais problemas de endividamento. Ela surgiu em programas como o do Menen na Argentina e o Plano Real do governo Fernando Henrique, que criaram o endividamento ao fazerem importações baratas para estabilizar os preços artificialmente. Essa é uma dívida nova e, o pior, decorreu de decisões autônomas de política econômica interna, de países como Brasil, Peru, Argentina e México. Essa dívida não foi financiada nos moldes dos anos 70, 80, como uma dívida bancária. Ela passou a ser financiada a partir de capital especulativo de curto prazo de agiotas internacionais. Capitais que entram e saem da noite para o dia, capitais agitados porque vêm em busca de alta rentabilidade garantida pelos juros astronômicos que pagamos.
ABr: Como isso foi feito?
Munhoz: Para atrair esse tipo de capital, o governo elevou a taxa de juros e quebrou o Tesouro Nacional. Quebrou, também, os estados e os municípios financeiramente. O governo a partir daí ficou preso numa armadilha, dependente desses capitais não só para pagar a dívida velha, como também a dívida nova. Nós dependemos de capitais especulativos que entram no país para cobrir vencimentos da dívida antiga e a necessidade de financiamento da divida nova. Estamos presos nessa armadilha há dez anos e não conseguimos sair dela. A cada ano o Fundo Monetário Internacional faz um grande empréstimo para o Brasil. Mas o empréstimo você não pode usar. O empréstimo com uma condição diferente: não é para suas necessidades, é um empréstimo para você manter depositado no banco, para que os capitais especulativos se sintam garantidos de que você tem dólares. Mas você não pode usar esse dinheiro e ainda tem que pagar juros para mantê-lo lá, depositado.
ABr: Mas o que isso significa?
Munhoz: Isso significa que você é obrigado a manter um alto nível de reservas, que custam caro, e que você só pode usar isso para pagar o próprio Fundo. Na medida em que você usa esse empréstimo do Fundo, que dá garantia aos capitais financeiros, para pagar o Fundo, você baixa o nível de reservas: o seu saldo bancário diminui e, nesse momento, o capital especulativo fica nervoso, porque essa garantia vai indo embora e você tem que fazer novo acordo com o Fundo para acalmar o mercado. Ou seja, caiu preso numa armadilha.
ABr: E como se enfrenta essa situação?
Munhoz: Como você vai enfrentar essas questões à base de negociação? Só há uma possibilidade de você sair dessa armadilha, como fez a Tailândia em 97, 98: controlar o fluxo, a entrada e saída desses capitais especulativos. Esse que entra e sai à hora que quer e que coloca o país em permanentes dificuldades para determinar políticas econômicas internas, em dificuldades junto ao sistema financeiro e em dificuldade para manter uma taxa de câmbio que tem de ficar solta para especulação, obrigando a manter a taxa de juros elevada. Isso significa que não temos o que negociar nem com quem negociar, porque não se pode fazer uma negociação com esse tipo de capital de curto prazo e capitais especulativos. O pior é que uma parte desse capital foi registrada no país como se fosse investimento direto, como se fosse para montar uma fábrica e gerar empregos, produção e renda, mas na verdade não existe fábrica nenhuma. É um capital financeiro que entra hoje e sai amanhã e nos deixa extremamente vulneráveis e sem condições de ter um interlocutor para discutir cara-a-cara, como no final dos anos 70, início dos anos 80. Ou seja, ou tomamos medidas unilateralmente e estabelecemos um sistema de controle. A partir daí, passamos a determinar saídas e entradas, taxas de câmbio e a taxa de juros, ou, fora disso, ficamos como estamos: "com o rabo abanando o cachorro".
ABr: E como o governo Lula tem enfrentado essas questões?
Munhoz: Há uma ação pragmática do governo. Como você seguiu uma linha de não conflito com o capital internacional, ou seja, você não forçou uma busca para solução da questão do endividamento, você teve que se submeter aos condicionamentos do Fundo Monetário Internacional (FMI). A partir desse momento, você adotou uma política que, não confrontando o capital financeiro, acaba tendo apoio e cobertura do capital financeiro. Só que isso não dá uma saída para a economia e nem uma saída para o país. Ou seja, nós continuamos avançando na terceira década de estagnação econômica. Agora, de fato, se nós tivéssemos adotado uma posição de enfrentamento do capital internacional, a fim de tentar uma solução para nossos problemas, uma solução que viabilizasse o crescimento econômico, nós estaríamos enfrentando uma resistência muito grande no nível internacional e, possivelmente, estaríamos incluídos no chamado "eixo do mal" e nos dariam um tratamento a pão e água. Então, acho que foi uma opção política do governo, só que infelizmente mantém o país numa situação de estagnação, com o agravamento das questões econômicas e sociais – nos metemos em nosso próprio "eixo do mal".