Brasília - A situação das mais de 120 mil famílias que estão acampadas no país é muito delicada, informa João Paulo Rodrigues, integrante da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Muitos agricultores, segundo o dirigente, vivem em barracas de lona com cobertura de palha: "Você imagina essas chuvas aí pela região Sul e Sudeste do país: cada vento que dá leva embora todas as lonas da companheirada."
Rodrigues também destacou a falta de trabalho e alimentos como problemas sérios vividos pelos acampados. "Mesmo com todo o empenho do governo Lula no programa Fome Zero as cestas básicas tem muita dificuldade de chegar, por exemplo, no interior do Pará e do Piauí", diz. "Então acaba ficando dois ou três meses sem conseguir uma cesta básica". Leia a seguir o primeiro trecho da entrevista que ele concedeu à Rádio Nacional (Brasília) na manhã desta sexta-feira.
Agência Brasil: Quais são as condições de vida, em geral, dessas 120 mil famílias acampadas?
João Paulo Rodrigues: É uma situação muito delicada. Primeiro, porque a grande maioria mora em situação totalmente complicada. Em barracas de lona, cobertura de palha. E você imagina essas chuvas aí pela região Sul e Sudeste do país, cada vento que dá leva todas as lonas embora da companheirada. O segundo motivo é a falta de alimentação. Mesmo com todo o empenho do governo Lula no programa Fome Zero, as cestas básicas têm muita dificuldade de chegar, por exemplo, no interior do Pará e do Piauí. As famílias ficam dois ou três meses sem conseguir cesta básica. E, por último, não têm um local para trabalhar. São acampamentos próximos a rodovias e a cidades – e essas famílias não têm um local para trabalhar.
ABr: E o que é preciso ser feito para solucionar esse problema?
Rodrigues: Apesar do esforço do governo para assentar, deve ser feito um mutirão para assentamento dessas famílias que estão em condições totalmente complicadas, situações delicadas, e que precisam da terra. Mas há uma confiança muito grande por parte das famílias acampadas que continuam lá. Porque se estas famílias saem desses acampamentos, não têm para onde ir. O mais provável é que sejam desempregados, vão para as periferias, para as favelas e entrem no mundo do crime. Diante disso, nós só temos uma alternativa: lutar e aguardar que a terra saia.
ABr: O acesso às cestas básicas por parte dessas famílias de acampados é possibilitado pelo governo federal, que compra parte da produção da agricultura familiar e repassa isso aos acampados?
Rodrigues: São as duas coisas. É por parte do governo federal, parte da produção vem de assentamentos e alguns produtos são um pouco mais complicados. O azeite e o óleo de soja da cesta básica, o açúcar, o próprio leite são produtos que não temos nos assentamentos e isso faz com que a cesta básica acabe demorando tanto. Todos esses produtos têm de passar por um processo de licitação, são compras centralizadas e podem demorar até três meses para serem efetivadas. É um processo extremamente burocratizado que limita o programa de distribuição de cestas às famílias acampadas.
ABr: As cestas básicas são apenas uma das reivindicações pela maior parte do grupo. Já a infra-estrutura é uma questão mais crítica?
Rodrigues: Esta é uma situação mais delicada para as famílias que estão em acampamentos. Mas nós achamos que para resolver o problema das famílias acampadas não basta cesta básica. É preciso garantir a terra. Com terra e crédito as famílias começam a produzir, começam a criar escolas, começam a criar condições para de fato terem uma vida digna e começarem a trabalhar.
ABr: Isso já ocorre nos assentamentos?
Rodrigues: As famílias que já conquistaram as suas terras dão exemplo disso. Hoje, o custo para assentar uma família está em torno de R$ 35 mil, mas elas vão ficar naquela terra para o resto da vida e possivelmente um lote de seus hectares gera três empregos. Então isso é um dos empregos mais baratos que existem no Brasil e ninguém tem dúvida disso. Entendemos que para resolver o problema do desemprego e ao mesmo tempo diminuir as concentrações de terras no Brasil, seria mais fácil e até mais barato ter um programa de reforma agrária massiva. Mas é lógico que não pode ser só terra – tem de ter infra-estrutura, tem de ter assistência técnica, tem de ter escola, senão amanhã ou depois a família vai voltar para a cidade. Porque não dá para viver como minhoca, só da terra. Tem de ter outras condições mínimas para o ser humano sobreviver no meio rural.