Líder explica motivos de novas ocupações do MST

12/11/2004 - 17h58

Brasília - O país assistiu nesta semana a uma série de mobilizações de trabalhadores rurais em diversos estados. Eles pedem agilidade na reforma agrária. De acordo com o Ministério do Desenvolvimento Agrário, até agora o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) já assentou 66 mil famílias. Outras 26,7 mil estão com o processo de assentamento encaminhado. No entanto, a meta estabelecida pelo Plano Nacional de Reforma Agrária para 2004 é assentar 115 mil famílias.

Na coordenação das principais ações políticas ocorridas esta semana está o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Em entrevista, hoje, à Rádio Nacional, João Paulo Rodrigues, da coordenação nacional do movimento, explicou os motivos da nova onda de ocupações.

O dirigente afirma que o latifúndio é o grande inimigo do MST. Segundo ele, mais de 46% das terras brasileiras estão nas mãos de 1%. "São terras extremamente ociosas que poderiam estar destinadas para a reforma agrária e na sua maioria são usadas para especulação como se fosse um carro, como se fosse um objeto qualquer", diz.

Leia também:
Situação de acampados é delicada, afirma líder do MST

Agência Brasil: Como é que o movimento se articula atualmente no país ?
João Paulo Rodrigues: O nosso movimento está organizado praticamente em 23 estados e há uma grande quantidade de famílias acampadas. Mais de 120 mil famílias estão acampadas, e parte delas está há mais de dois anos aguardando um pedaço de terra. E em função das dificuldades encontradas pelo governo Lula e da possibilidade de não cumprimento da meta aprovada pelo governo e negociada pelos movimentos sociais – de assentar 115 mil famílias neste ano –, nesse momento há um conjunto de mobilizações simultâneas acontecendo em todo o Brasil. São movimentações nas capitais, atividades feitas no interior, ocupações de terra, mas tudo pacificamente, tudo dentro da maior tranqüilidade. São pressões naturais do MST para garantir que as famílias possam o quanto antes conseguir a sua terra.

ABr: E onde o movimento tem obtido mais êxito nas suas ações?
Rodrigues: O movimento tem conseguido avançar em nível nacional. Porém, nós temos encontrado muita dificuldade para fazer novos assentamentos na região Sul e Sudeste. Por dois fatores: o primeiro, porque lá as terras são próximas aos grandes centros e às rodovias, e isso eleva o valor da terra significativamente. Só para você ter um exemplo, a cada família que eu assento no estado de São Paulo dá para assentar cinco no estado do Piauí ou sete no estado do Pará. Então é um custo muito alto. O segundo é no Poder Judiciário. Há uma dificuldade muito grande para essas regiões onde ainda há uma grande concentração de latifúndio próxima à região urbana, terras boas para a reforma agrária no Sul e Sudeste. São áreas em que os proprietários, geralmente, são grandes fazendeiros, políticos, grandes empresas, e isso tem dificultado a ação do Incra para garantir área e tem ficado anos no Poder Judiciário. Essas duas regiões têm tido muitas dificuldades.

ABr: Onde o MST tem obtido avanços?
Rodrigues: Nós temos avançado muito na região Nordeste e Norte do país. Temos conseguido áreas importantes. Nós podemos dizer a todos que o Movimento dos Sem Terra tem garantido uma produção significativa nos seus acampamentos. Há ainda muitos problemas por falta de assistência técnica, porque o crédito ainda é bastante limitado, mas o nosso movimento está confiante que no governo Lula vamos conseguir dar um salto de qualidade e garantir que em todos os estados poderemos ter uma mostra dos produtos. Como essa que está aqui em Brasília, no Parque da Cidade, que também faz parte da produção de assentamento da reforma agrária.

ABr: Nas questões que já foram julgadas, como têm sido encaminhadas as ações de reintegração e posse?
Rodrigues: Nós temos perdido praticamente todas. Todas as áreas em que fazemos qualquer tipo de ocupação ou movimentação que vá para o Poder Judiciário, pelo menos em primeira instância, onde a Justiça é mais rápida, em 24 horas tem uma decisão de reintegração de posse. Como por exemplo a de São Paulo, ontem, possivelmente está nos jornais de hoje. Em áreas onde as famílias ocuparam imóveis na segunda-feira, ontem já estava com reintegração de posse. A polícia prendeu três de nossos companheiros, numa ação truculenta. E o que é mais grave: a Justiça está dando reintegração de posse em uma área que é ocupada por grileiro, um fazendeiro. Naquela região a área é da União, são terras públicas. Nós vemos com muita preocupação. Mas estamos confiantes de que a tarefa de fazer as negociações com o Poder Judiciário não é tarefa do MST, e sim uma tarefa do Incra, dos procuradores gerais da República. E é o presidente da República quem dá a imissão de posse e o processo de desapropriação.

ABr: Qual é a orientação da direção do movimento a essas famílias que aguardam a reforma agrária no sentido de ações a serem promovidas?
Rodrigues: Primeiro, nós sempre colocamos para a sociedade, discutimos o que vamos fazer, porque o inimigo número um do MST se chama latifúndio. O latifúndio é quem há 500 anos tem o domínio: mais de 46% da terra do Brasil estão nas mãos de 1%. São terras extremamente ociosas que poderiam estar destinadas para a reforma agrária e na sua maioria são usadas para especulação como se fosse um carro, como se fosse um objeto qualquer. A terra é um bem da natureza. Na Constituição é previsto que se não cumprir a função social tem que ser destinada para a reforma agrária – essa é a primeira questão. A segunda questão que nós temos colocado é que a única forma de nós avançarmos na reforma agrária não é simplesmente aguardar com o presidente Lula: nós temos que mobilizar a sociedade para que também faça pressão nos tribunais de Justiça, que é onde várias ações ficam paradas, no Congresso Nacional.

ABr: O movimento ainda encontra resistências?
Rodrigues: Temos muitas limitações do ponto de vista da própria legislação, alguns assuntos deveriam ser melhorados por lá, e até mesmo com o Poder Executivo, no Incra, no Ministério do Desenvolvimento Agrário. Mas só vamos conseguir avançar se for uma pressão coletiva, da sociedade que está na cidade e da companheirada que se encontra em acampamentos de reforma agrária, e com muita luta. Agora nós temos como orientação garantir que a luta pela terra não se torne uma luta violenta. Nós não queremos que nossos companheiros criem qualquer tipo de violência contra pessoas, contra qualquer tipo de ser humano. Porque entendemos que isso não ajuda a reforma agrária e, na maioria das vezes, quando há violência, acontece como em Carajás, onde morreram 19 companheiros nossos. Prisões geralmente são do nosso lado, sempre estoura do lado mais fraco. Então, temos orientado para que as mobilizações sejam pacíficas dentro do espírito democrático. Para que nós não tenhamos nenhum tipo de implicação de que vamos criar qualquer preocupação na sociedade brasileira, que é quem mais tem nos apoiado nesses momentos difíceis para tentar avançar na luta pela terra.